URGENTE. Atualizado as 11h50min. O vereador Amauri Bornhausen, PDT, acaba de falecer nesta manhã. Parada cardíaca. Esta é a notícia. E que todos darão. Os meus comentários virão com o tempo. Amauri, um servidor público, era o que destoava da Bancada do Amém na Câmara. O PDT queria a sua cabeça. Mesmo com diabetes, sem as duas pernas, submetido recentemente a mais uma angioplastia e a retirada do apêndice, não dava trégua.
O seu substituto é o ex-vereador alinhado com a gestão de Kleber Edson Wan Dall, MDB, Roberto Procópio de Souza, alinhamento que conquistou depois de liderar a oposição na legislatura passada e ter negociado a presidência da Casa, onde foi derrotado por seus pares. Roberto foi um dos integrantes da CPI da Drenagem da Rua Frei Solano, que a colocou para debaixo do tapete na manobra regimental que ele fez com Francisco Hostins Júnior, MDB, a favor de Kleber.
Aos meus leitores e leitoras, um aviso: eu vou entrar no modo férias sem serem, propriamente, férias. Os políticos esperam as férias dos seus eleitores, eleitoras e imprensa para lhes passarem a perna. Não vou deixar de postar comentários, mas talvez, eles não sejam mais diários até o fim de janeiro de 2023. Então não custa dar uma olhada diária. Além disso, replicou comentários nacionais nesta fervura nacional e estadual. Recado dado, começo o artigo desta segunda-feira.
Os políticos, com raras exceções, não são ideológicos. De verdade? Eles são oportunistas, quando muito tem causas; e elas nem sempre são coletivas, atualizadas ou razoáveis.
Os políticos estão na, ou são máquinas que farejam caminhos mais curtos para se estabelecerem ou se perpetuarem no poder e dele se deliciarem e até se enriquecerem ou obrigar uma parcela à submissão. Os políticos, na sua quase totalidade, trabalham, sim, e muito, mas para interesses próprios, pessoais, da família, dos grupos em comum e até religiosos. Os partidos, neste caso, são meras exigências da Lei no que tange à filiação para se estar habilitado a “negociar”, impor-se na candidatura e se receber votos.
Gaspar não é diferente de nada disso. Se é, contestem-me, por favor! Mas, com dados, fatos e exemplos.
Com a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva na corrida ao Planalto, entretanto, com a notória derrota do PT e da esquerda do atraso em Santa Catarina – este um fato estatístico -, somando-se os minguados votos dados aqui para deputado estadual ao único ex-prefeito de três mandatos Pedro Celso Zuchi e sendo um estado, mais uma vez, um explícito reduto e bastião conservador do país e até impregnado de radicais da direita xucra, os políticos de Gaspar – não importam a origem e o que pensam – já perceberam onde devem amarrar os seus bodes para se darem bem em 2024.
E no olho grande que os acompanha, todos tendem ocupar o mesmo cercado o que se rotular de conservador, direita e até valores golpistas. Vai faltar grama, comida e tratador (eleitores, votos e financiadores pois, fingidamente, as campanhas são com os bilhões de reais dos nossos pesados impostos, mas inflam com o pires que é passado aos interesses dos apoiadores) para 2024.
E nem vou falar de números do colégio eleitoral gasparenese, para mais uma vez, provar que essa gente, alfabetizada, nem com aritmética sabe lidar. A cada eleição e a cada artigo, passam vergonha e recibos de erros grosseiros de estratégia e na esperteza que alardeiam aos incautos eleitores e eleitoras, sem minimamente poder me contestar.
Então, neste ambiente supostamente conservador, alguém vai se acertar, enquanto outros terão que ceder, compor e até mesmo, apostar, errar e perder. Simples assim!
É certo que em Gaspar o PT terá candidato, a priori, sem chances. A não ser que o governo de Lula seja algo espetacular, que o governador Jorginho Mello, PL seja pior do que se assanha e a direita xucra no exílio do poder em Brasília se torne um perigo, antes de ser uma solução. Mas, pela composição da velharia da companheirada e das ideias na formatação do governo Lula-Geraldo Alckmin, PSB, isso ainda é um sonho para o próprio PT que está construindo outro impeachment.
Está cada vez mais claro, ao menos até a diplomação de hoje, que Lula – o vingador de hoje – e o PT o dissimulado de sempre – parecem não ter aprendido nada com o passado e principalmente com o momento de destruição do país produzido por Dilma Vana Rousseff. Estão se repetindo. E desafiando… Então…
Volto à nossa aldeia.
O MDB de Gaspar é um partido em extinção, até porque ele insiste que se inspirar no de Blumenau. Lá, nem vereador mais possui. Só carrega história – e que é um fato nacional. Passado. A fraqueza do MDB de Gaspar não é de hoje. Iniciou com a aqueda de Bernardo Leonardo Spengler, o Nadinho, em 1998 – o único prefeito a não completar o mandato – e se reafirmou na volta ao poder em 2004.
Para eleger Adilson Luiz Schmitt, o MDB precisou se juntar com o maior rival e sucessor da UDN – a ultraconservadora – daqui: o PP. Repetiu a fórmula com Kleber Edson Wan Dall, em 2016. Ele de tão fraco que estava no primeiro mandato, chamou e anulou um concorrente para vice, Marcelo de Souza Brick, então no PSD e hoje no Patriota, para depois jogá-lo no lixo da história política como Marcelo está neste momento.
E para completar o seu enfraquecimento, O MDB do governo Kleber cedeu quatro secretarias ao PP. Se manco fosse virtude, na eleição da presidência da Câmara, como lhes expliquei no artigo de sexta-feira – e todos os veículos esconderam à manobra que derrotou de Kleber e o MDB -, o PP não teria o espetáculo usando um vereador que ainda está no MDB: fez barba, cabelo, bigode e sovaco, sob os olhares do próprio Kleber que estava na Câmara e que teoricamente na sua base tem dez dos 13 vereadores.
Entregou os anéis para salvar alguns dedos. Vai precisar deles para ao menos estar empregado em 2025.
O até então “poderoso” MDB de Gaspar – que não é assim desde o século passado – se resume ao espólio de Ivete Mafra Hammes, Walter Morello e o vereador Francisco Hostins Júnior. Ele está secretário da Saúde, mas já foi na mesma pasta, da gestão do PT e esteve de passagem pelo PDT. Júnior Hostins quer esta fatia dos conservadores isto se até lá não se embrulhar com fatos passados da secretaria e do Hospital e que fervem nos bastidores.
Júnior Hostins vai precisar construir narrativas. Ele viu os seus votos e fama minguarem, depois que enterrou para Kleber e o MDB, contra evidências , a CPI da drenagem da Rua Frei Solano. Kleber finge ajudá-lo.
O próprio Ciro André Quintino eleito mais uma vez presidente da Câmara (foto oficial da nova mesa diretora do ano que vem abre este artigo) em arranjos políticos que ele faz com habilidade, está à procura de partido. Sabe que se ficar no MDB perderá o fôlego que já perdeu substancialmente entre as eleições de 2016 e 2020. Isto sem falar na Torre de Babel que está o partido depois que o financiador – e sabia cobrar a fatura dos acertos – e referência no MDB e ambiente político de Gaspar, o ex-prefeito Osvaldo Schneider, o Paca, morreu.
Dois diabinhos do MDB, todavia, o atazanam a vida de Ciro: os deputados Jerry Comper, MDB, e Carlos Chiodini, o qual virou presidente do espólio do partido em Santa Catarina. Ciro é cabo eleitoral de ambos, e foi um fiasco na busca de votos para eles por aqui. Se abandonar o MDB, Jerry, Chiodini e fracassar em 2024 no passo largo que ensaia, provavelmente estará numa sinuca de bico maior do que está neste instante de decisões.
E para complicar, os supostos “patrocinadores” de Ciro – neófitos na área, que não entendem de política e por isso, vão ser enganados – como tantos outros foram -, apesar das promessas de noivos recentes -, não querem saber de MDB, sua história, seus donos e suas artimanhas. Querem coisa que eles próprios controlem e até possam enquadrar Ciro, o escorregadio. Querem algo novo e retorno. E todos estão ligados ao conservadorismo ou à direita xucra.
Esta suposta direita de Gaspar fica mais congestionada quando ainda flerta com o engenheiro e professor Rodrigo Boeing Althoff, PL, como candidato. De verdade, ele nunca foi direita, nem xucro, nem mesmo, conservador. E há um trabalho forte para anulá-lo ou tirar a capacidade dele de ser um camaleão.
E para piorar, Rodrigo está em rota de colisão com o seu ex-amigo, de quem já foi seu cabo eleitoral por aqui quando no PV e PDT, o deputado reeleito Ivan Naatz, PL, de Blumenau, que se acha dono do partido e dos destinos dos do PL em Gaspar. É um nó difícil de desatar, ainda mais quando se descobrir que o eleito governador Jorginho Mello, PL, está construindo uma nau cheia de furos, que pode afundar antes mesmo da campanha de 2024. Jorginho sob a mira dos radicais, dos empresários, dos investidores e de parte imprensa que o conhece muito bem de outros carnavais vai virar manchete e não é de coisas boas.
O próprio PP congestiona esta faixa conservadora. Vai lançar nomes para negociar, ou atrapalhar tudo, se não conseguir um bom negócio. O que restou do PSD, ou mesmo no inexistente Patriota, fará o mesmo discurso em curral de mesmo eleitorado. E dos citados até aqui no campo conservador, nenhum deles está ligado as seitas neopentecostais. Então este nó está frouxo.
Ou seja, para completar, o próprio Kleber – o que foi para a frente do 23 BI, em Blumenau, para espiar quem estava lá, medir a temperatura e não para acampar para as próximas 72 horas, ou que já fez postagem pós eleições contra Lula -, está em salmoura. O novo prefeito de fato de Gaspar, o deputado estadual, mas eleito Federal, Ismael dos Santos, PSD, tem uma leitura muito própria contra o MDB e a associação de Kleber nele, tanto que Kleber “lançado” por um grupo de interesses num Conselho fake da Cidade, deistiu de ser candidato a deputado estadual: não tinha fama, nem votos, nem identificação partidária.
Kleber, de verdade, nunca foi MDB e nem será partidário ideológico em qualquer outro partido.
Kleber serve aos interesses políticos da sua seita religiosa e da influência da sua mulher, Leila. Ponto final. O verdadeiro diretório dele é o templo. Kleber e Ismael não querem saber de MDB, PSD, PP ou qualquer outra sigla. Vão reunir o grupo deles e vão dar as cartas para se perpetuarem no poder com ajuda da bíblia e dos evangélicos, que chamam de fiéis e irmãos, para quem pregam “a verdade deles” e alimentam esperanças. O resto dos votos que receberem sempre será o lucro.
Então é preciso saber que são estes fiéis, quem eles vão adorar e para quem darão o Amém incondicional em qualquer circunstância e onde ficará estes candidatos que congestionam a base conservadora ou usam o discurso conservador em Gaspar para se darem bem nas urnas e se estabelecerem no poder.
Já na esquerda, ou algo para combater à mesmice ou os oportunismos que se desenha, há um silêncio e um vácuo profundo. Dionísio Luiz Bertoldi, PT, até jáensaiou. Faltou combinar com o PT de Zuchi, outro que está desmilinguindo o partido dele por aqui como Carlos Roberto Pereira, faz com o MDB. Acorda, Gaspar!
TRAPICHE
A representação de Santa Catarina no Congresso Nacional será uma das mais fracas das últimas legislaturas. Dos 16 deputados, teremos de verdade 15. E dos três senadores, salva-se o meio Esperidião Amim Helou Filho, PP. O eleito Jorge Seif, PL, por exemplo, nem de Santa Catarina é. O negócio dele será defender a família Bolsonaro. Já a suplente Ivete Appel da Silveira, MDB, é algo que beira à nulidade.
Por conta da cegueira ideológica, elegemos um tal Zé Trovão, mesmo ele usando tornozeleira, por suposto exagero de liberdade de expressão. Dizia-se líder dos caminheiros, poste do bolsonarismo do enfrentamento e que torna herói este tipo de gente. Agora, descobriu-se um passado dele ligado as drogas e que escondia. Disse que foi “maldade” publicizar as provas. Desculpou-se, mas mentiu. Jurou que foi coisa da juventude e está limpo: as fotos indicam que não foi na juventude.
Piada do ano: a Câmara de Gaspar postou um press release em que afirma terem sido a “comunicação e a modernização” as palavras deste naquela Casa. Realmente mudou o site, mas a transparência continuou comprometida. É preciso ser bom em informática para descobrir os atalhos.
Nem o apelido que os “çábios” em comunicação da Câmara criaram para diminuí-la, pegou. Dinheiro colocado fora. As transmissões uma lástima. Várias vezes não se sabia quem votou em quê. As imagens exibidas – de documentos, fotos e filmagens – só para os vereadores e bananas para os que assistiam. Raramente apareceram para o público. Isto sem falar , que as gravações das sessões nem sempre estiveram disponíveis tão logo a sessão tivesse terminado. Era preciso reclamar.
Afirmou-se que o continuou o processo de abolição do papel. Legal. Mas, os caríssimos computadores dos vereadores só servem para registrar presença e apertar três teclas: sim, não e a de abstenção nas votações. Todo o roteiro da sessão, a leitura dele e dos pareceres dos relatores são lidos em montanhas de papel distribuído a cada sessão. Impressionante. Isto sem falar que se um vereador quiser participar da sessão remotamente, o vexame digital, com suporte caríssimo, será impagável.
Realmente, a comunicação e a modernização foram eleitas as palavras do ano na Câmara Municipal de Gaspar. Inacreditável como essa gente se estabelece em bolhas e não percebem seus próprios demônios. E ainda tem coragem de reclamar dos eleitores e eleitoras. Acorda, Gaspar!
4 comentários em “VAI FALTAR GRAMA, COMIDA E TRATADOR NO NOVO CURRAL “CONSERVADOR” QUE SE FORMA EM GASPAR ÀS ELEIÇÕES DE 2024”
Enquanto os homens exercem seus PIDRES PODERES, o caldeirão do inferno vai aquecendo..
POLÍCIA DA MORALIDADE, TÃO LONGE ETÃO PERTO, por Fernando Gabeira, no jornal O Globo
A polícia da moralidade no Irã é um dos temas internacionais mais noticiados no momento. Ficou mais conhecida após a morte da jovem Mahsa Amini, levada para um centro de reeducação pelos agentes da ditadura religiosa.
A revolta das mulheres iranianas cresceu e está sendo punida com pena de morte. Minha filha tem vizinhos iranianos em Portugal e se interessou pela história desse fascinante país. Sugeri que lesse o livro de memórias de Azar Nafisi, “O que eu não contei”.
Nafisi foi professora de literatura ocidental em Teerã e escreveu também o best-seller “Lendo Lolita em Teerã”. A história dela e de sua família de intelectuais dá uma boa visão do vigor iraniano sufocado pela teocracia.
Um dia desses, volto ao tema Irã. Não posso fugir do Brasil. Acabamos de passar por um processo eleitoral em que se falava de uma guerra santa, o presidente gritava “Deus acima de todos”, sua mulher demonizava os adversários. Parecia que caminhávamos para uma teocracia, porque Bolsonaro já avisara que escolheria ministros do Supremo terrivelmente evangélicos.
Isso não aconteceu. Mas o Irã me faz pensar em pelo menos duas direções. A primeira delas é nacional. Vivemos um período em que religião e Estado estiveram perigosamente associados.
A simples menção a “Deus acima de todos” já é complicada na boca de um chefe de Estado. Nem todos têm o mesmo Deus. Nietzsche dizia que a civilização grega era rica e diversa, que um só deus não conseguia atendê-la em suas demandas de fé e esperança.
A tentativa de associar religião e política não dá certo no mundo moderno precisamente por causa da diversidade. Ou se articula um projeto em termos de interesses convergentes, ou se tenta desesperadamente enquadrar as vidas pessoais num modelo rígido e anacrônico.
Do susto brasileiro nas eleições, passo a uma outra dimensão da polícia da moralidade. Ela não existe no Ocidente, patrocinada por um governo com a ferocidade que se mostra no Irã. Mas, se analisarmos a internet, constatamos a existência de milhares de patrulhas digitais, vasculhando o mundo de ideias e atos, acusando, julgando e penalizando moralmente atos e ações.
Sem dúvida, houve democratização do debate político. Mas houve também ampliação do disse me disse, do boato e da maledicência. Sem juízo de valor, observo que, em semana de Copa do Mundo, dois temas morais invadiram o debate sobre a seleção brasileira. Um deles foi a carne folheada a ouro comida por alguns jogadores num suntuoso restaurante de Doha. O outro foi a maneira como um assessor de imprensa da CBF pegou um gato no pelo e o arremessou no chão. Existem formas mais brandas de tratar um gato. Mas o interessante, inspirando-me no livro de John Gray sobre a filosofia felina, é ressaltar como as pessoas discutiam o tema, e o gato estava tranquilo no chão, complemente indiferente.
Os gatos são felizes porque vivem o momento e não são preocupados com a ideia da morte — embora percebam o momento final e achem um lugarzinho para morrer em paz. Tudo isso para dizer que a polícia da moralidade tem uma forma perversa numa ditadura religiosa, mas, no universo laico e cibernético, os seres humanos seguem proferindo julgamento sobre os outros. Talvez seja essa também uma das razões por que os gatos são mais felizes.
Nietzsche tinha razão sobre os gregos ao ver sua riqueza numa multidão de indivíduos diferentes. Essa diversidade hoje é uma realidade mais elástica ainda. Só que o filósofo alemão via nos gregos a capacidade de criar muitas religiões. Hoje, a riqueza das diferenças se baseia apenas no desejo de viver a própria vida, longe da polícia moral.
LULA E A ESQUERDA JURÁSSICA, editorial do jornal O Estado de S. Paulo
Em 2003, ao assumir pela primeira vez a Presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva precisou ser pragmático na condução do governo, afastando e ignorando velhas bandeiras da esquerda. A atitude realista de Lula – que se manifestou em várias áreas, especialmente na política econômica – foi fundamental para os resultados obtidos em seu primeiro mandato. Sem responsabilidade fiscal e sem a reforma da Previdência de 2003 articulada pelo governo do PT – para citar apenas dois tópicos –, o desempenho do primeiro governo Lula teria sido inteiramente diferente.
Agora, 20 anos depois, é de reconhecer que o País a ser governado por Lula está ainda mais incompatível com os dogmas e práticas de uma esquerda jurássica: inchaço da máquina pública, desleixo com a inflação, economia moldada pela estatização, hostilidade à atividade empresarial, especialmente ao agronegócio, submissão a um sindicalismo atrasado e ao corporativismo de setores do funcionalismo público. Se, em 2003, o Brasil não tinha nada a ganhar com essa compreensão asfixiante de sociedade e de Estado, agora é que precisa dela menos ainda.
Ao voltar ao Palácio do Planalto 20 anos depois da posse de seu primeiro mandato, Lula encontrará um país diferente. Certamente, há muitos desafios que permanecem: a pobreza e a miséria, as desigualdades sociais, a baixa qualidade da oferta educativa para tantas crianças e jovens, o racismo em suas diversas modalidades e expressões, problemas de infraestrutura, limitações da rede pública de saúde, entraves ao crescimento econômico, entre outros pontos. Muita coisa foi feita nessas duas décadas, houve avanços significativos em algumas áreas, mas também se observam retrocessos, como a volta da fome, e problemas que ainda estão longe de ser resolvidos satisfatoriamente, como a falta de saneamento básico para muitas famílias.
De toda forma, o Brasil de 2023 é muito diferente daquele de 2003. Basta pensar, por exemplo, no atual agronegócio e em sua relevância para a economia brasileira. O desenvolvimento econômico do campo produziu mudanças sociais importantes: novas situações de vida, novas dinâmicas sociais, novas demandas políticas. Até agora, a esquerda mostrou-se alheia a tudo isso, como se o campo não fizesse parte de seu horizonte – como se fosse outro país.
A grande questão é que, na Presidência da República, Lula não pode ignorar essa nova realidade social e econômica. E aqui a defasagem é gritante. Ao longo dessas duas décadas, a esquerda não mudou sua visão sobre o campo, não tendo produzido nenhuma proposta séria de política pública para o setor. O movimento parecia justamente o oposto. Além de não ter afinidade política com o agronegócio, o PT tratou muitas vezes com desdém e hostilidade quem empreende no campo.
O anacronismo de parte da esquerda também é patente no que se refere às relações trabalhistas. Durante a campanha eleitoral, em vez de apresentar uma proposta minimamente articulada sobre o mundo contemporâneo do trabalho, esquerdistas pareciam estar pregando para funcionários sindicalizados dos anos 60 do século passado. Em vez de apresentar soluções para as questões reais que afligem o trabalhador brasileiro, o PT falava em revogar a reforma trabalhista de 2017, aquela que, entre outros avanços, extinguiu o imposto sindical.
Mesmo nas áreas em que continua havendo grandes deficiências, como educação e saúde, os desafios agora são em boa medida diferentes dos de duas décadas atrás. A população mudou, envelheceu. Não há nenhum tempo a perder. A educação das novas gerações é ainda mais decisiva. Novas políticas públicas foram implementadas, e mais do que nunca é preciso aproveitar o que deu certo.
Verifica-se também outro panorama internacional. A visão geopolítica da guerra fria, tão cara à esquerda, está ainda mais ultrapassada, ainda mais distante dos interesses nacionais.
Se Lula quer governar para o Brasil real, seu terceiro mandato precisará ser ainda mais pragmático. Não é uma questão de implicância com a esquerda. Parte dela simplesmente parou no tempo.
Huuummm. . .se, parte da esquerda parou no tempo, como afirma o autor do texto acima, a outra parte, segura e lamentavelmente, retrocedeu!