Leio no site do jornal “Cruzeiro do Vale” que “Samae inicia escolha da nova ‘diretoria’ do Conselho Municipal de Saneamento Básico“. Antes de ser uma notícia alvissareira, este é mais um daqueles retratos de deboche e descaso dos políticos e gestores públicos de Gaspar para com a sua própria cidade, os cidadãos, as cidadãs, o meio ambiente, o saneamento básico – que inclui o esgotamento sanitário.
No ponto final desta história triste, sabe-se que tudo está mililitricamente construído contra a saúde das pessoas. O que representa isso? Custos maiores para a sociedade pagarem com seus pesados impostos. É também a prova de como a burocracia trabalha contra a qualidade de vida dos moradores daqui há décadas e por vários governos de vários matizes ideológicos. Na região Sul, segundo (é só clicar para acessar e se impressionar) Painel Saneamento Brasil – Página Inicial há 51,6% de domicílio com coleta de esgotos. Em Gaspar, isto é próximo a zero. Só na reurbanização da Marinha, no Bela Vista há, mas está sempre encrencado.
Retomando.
O descaso está nas próprias leis que os políticos fazem para ardilosamente, irresponsavelmente e até descaradamente, disfarçar e decorar as suas vidas e atender à legislação superior que lhes pode penalizarem. Eles “fazem” leis e ao mesmo tempo, simplesmente não as cumprem. E em alguns casos, usam-nas até para discursos e propaganda como a notícia acima. Tudo para esconder as obrigações que não levam a cabo a favor da sociedade onde são parte dela, em tese, também os prejudicados.
O deboche está no presente.
O novo presidente do Samae, Jean Alexandre dos Santos, MDB, querendo mostrar serviço, se por um lado fez bem em buscar atualizar os membros do tal Conselho Municipal de Saneamento, pisou na bola, ao NÃO apressar a escolha de um simples presidente, um vice-presidente e um secretário deste mesmo Conselho entre apenas 16 membros titulares, feitos de representantes do próprio governo de Kleber Edson Wan Dall, MDB, e Marcelo de Souza Brick, Patriota, PL, sei lá, ou PP, talvez, os quais se misturam uma minoria da tal sociedade civil organizada, que por aqui ou é refém dos políticos, ou omissa naquilo que está obrigada a colocar o dedo na ferida pela melhoria da qualidade de vida da comunidade. A escolha só ocorrerá no dia 14 de agosto.
Para justificar os parágrafos anteriores é preciso fazer uma linha do tempo para lembrar os sem memória.
Faz 16 anos – e naquele tempo já era um atraso inexplicável – que se criou a Política Municipal de Saneamento de Gaspar, com a Lei 2.888, de 29 de junho de 2007. Era o governo do então jovem Adilson Luiz Schmitt, eleito 2004 pelo MDB e do empresário Clarindo Fantoni, PP, na primeira aliança da cobra com o sapo.
Fazia parte da preocupação do governo da época a organização da cidade e por isso, ele mexeu em um abelheiro de interesses. E foi a primeira vez que este tipo de organização aconteceu, liderada pelo secretário de Planejamento da época, o engenheiro Maurílio Schmitt. Ressalta-se, apenas se cumpria o óbvio à Legislação Federal. Entre elas, a criação do Plano Diretor que não tínhamos. Foram tempos de avanços formais. O Plano Diretor, por exemplo, está há quase oito anos sem a revisão obrigatória como determina o Estatuto das Cidades.
Retomando outra vez.
Esta Política Municipal de Saneamento entre outras, como especifica o artigo segundo, ela trata do abastecimento de água potável, da limpeza e manejo dos resíduos sólidos, bem como da drenagem e manejo das águas pluviais urbanas. E na letra B deste mesmo artigo desta lei ele trata do esgotamento sanitário. É letra morta. Até hoje. Impressionante. Mecanismos legais, a sociedade, gestores públicos e políticos gasparenses possuem. Mas, como escrevi acima, é decorativo, quando não se estabelece prazos, metas e se apura os resultados. É descaso e deboche. É um retrato bem-acabado da prioridade e do pior resultado que essa gente que está no poder de plantão com os votos produz para a cidade. Eles se recusam a cuidar no mínimo para se viver com qualidade, bem como a preservação com equilíbrio do meio ambiente.
E um bom indicativo disso tudo foi o governo de Pedro Celso Zuchi, PT, e que sucedeu o de Adilson (2005/09), o qual tinha impedido a reeleição de Zuchi e que voltaria por dois mandatos a partir de 2009.
Decorrente do decreto 3.634 de 2009, ele convocava a Primeira Conferência Municipal de Saneamento Básico e que gerou a Lei 3.154/2009. Entre outras alterações na Lei 2.888 criada e sancionada por Adilson em 2007, estabeleceu, acertadamente, que a revisão da Política Municipal de Saneamento se daria em até no máximo a cada quatro anos.
O próprio governo petista de Zuchi, mesmo pressionado pelo Ministério Público fez da sua boa própria alteração na Lei, nova letra morta contra a cidade e a a sociedade.
E a primeira revisão do Plano Municipal de Saneamento só se daria na audiência marcada para nove de maio de 2016, justamente, vejam só, quando terminava o seu segundo mandato consecutivo de Zuchi. Coincidências: Zuchi não poderia mais se reeleger e naqueles dias se tinha cheiro de mudanças no ar, como aconteceu nas eleições em outubro 2016. O diabo realmente mora nos detalhes.
Qual foi a maior repercussão do mandato de Zuchi nesta área da Política Municipal de Saneamento?
A troca de nome da autarquia que cuida disso. Adilson enterrou o nome Samae e o rebatizou de Samusa, exatamente por não ser mais uma empresa só de água e esgotos, mas sim de saneamento, como a própria lei que criou a Política Municipal de Saúde de Gaspar. E permanece o nome da autarquia no atraso até hoje. O atraso é algo permanente no DNA da esquerda e do PT. Basta olhar para Brasília no atual governo de Luiz Inácio Lula da Silva, PT, onde se quer reestatizar tudo – incluindo o saneamento e que teve que recuar -, criar empreguismo, inchar o estado, aumentar gastos sem controle, aumentar os impostos e agora cobrá-los de forma simplificada -, mas no final de tudo e atrasar na competitividade.
Quais foram ou estão sendo os maiores “desavanços” de Kleber tanto com o seu primeiro vice, Luiz Carlos Spengler Filho, PP, filho de um reconhecido bom gestor do Samae, o ex-vice-prefeito Luiz Carlos Spengler, PP, como agora com Marcelo?
A primeira, por quase sete anos, atrasar a implantação da rede coletora e tratamento de esgotos, cujo projeto está pronto há dez anos e há um Termo de Ajustamento de Conduta no Ministério Público obrigando Gaspar a implantá-lo, bem como, tirar do caixa da prefeitura e das costas das secretarias de Obras e Serviços Urbanos, e da Planejamento Territorial, a drenagem pluvial no município. De tão mal gerada e gerida esta manobra protagonizada pelo então presidente do Samae, o mais longevo dos vereadores, José Hilário Melato, PP – o que não conseguiu interligar as redes de água do Centro com o Barracão e Bateias, foto acima na ligação que está sendo feita lentamente nos dias de hoje no Centro -, ela foi dar numa desgastante CPI na Câmara. Lá como agora, manobrou-se no regimento para enterrá-la para não pegar Kleber, Luiz Carlos, Melato e outros.
No fundo, a atualização do até agora decorativo Conselho Municipal de Saneamento Básico, cuja diretoria ainda não foi escolhida, é na verdade, um passo exigível, para se cumprir etapas importantes à adequação do Marco Legal do Saneamento e possivelmente, com isso, dar parte desta obrigação, para parcerias público privadas, ou então à simples privatização deste serviço.
Estamos atrasados nisso desde 2007. Não se coleta e não trata nada de esgotos. Polui-se tudo. Derrama-se em ribeirões e pior, na própria rede coletora de águas pluviais, que vão dar no Rio Itajaí Açú. Adoecemos a natureza e as próprias pessoas da cidade.
Chegamos ao outro ponto da suprema incoerência. Para “contemplar” um rio poluído pela incúria dos gestores públicos e políticos da cidade, gastamos dinheiro dos pesados impostos para construirmos mirantes e está se implantando um caro “parque náutico” para os riquinhos se esbaldarem nele. E tudo isso à vista de TAC que se assinou há dez anos para acabar com esta indecência contra a vida, a cidade, cidadãos e cidadãs.
Faltou ação do próprio Executivo, do Legislativo, do Ministério Público Estadual e Federal? Sim!
Antes, porém, faltou a ação decisiva da própria sociedade – por medo, desconhecimento, organização, autoridade e se legitimar naquilo que é direito seu – em agir contra a inércia ou manobras dos seus políticos e gestores públicos. Todos estão aí se organizando para pedir votos. E para arrumar desculpas esfarrapadas para justificar o que é essencial para o futuro e nem se começou nada, a não ser nas leis que são letras mortas para eles próprios que a criaram. Do novo Conselho Municipal de Saneamento, espera-se ação e não decoração para apenas cumprir um rito legislação, porque na mesma nota do jornal, o titular do Samae disse que o ouvirá. Será mesmo? Acorda, Gaspar!
TRAPICHE
Não falta mais nada. Ontem aconteceu mais um ato de desmoralização da CPI da Pizza com sabor “desconheço” na Câmara de Gaspar. O presidente da CPI, o mais longevo dos vereadores, José Hilário Melato, PP, bateu o martelo e disse que o depoimento mudo, só com imagens gravadas pelo erro grosseiro da turma da Câmara, na audiência que “ouviu” o empresário Mário Jorge de Souza, é o que basta.
Tudo em dobradinha com o presidente da Câmara, Ciro André Quintino, MDB. O vereador Melato, pró forma, pediu – pois não pedir poderia comprometer o que está armado – para abrir um ato administrativa. Era para apurar as responsabilidades da falta do áudio nas gravações no depoimento do empresário. Ciro mandou um ofício dizendo que não faria isso. Foi a senha para o desfecho de ontem. Se o depoimento mudo é válido, ou se a oitiva não possui relevância, qual a razão de ter convocado o empresário e o filho dele para deporem? Humilhação ou figuração naquilo que já está “apurado”?
Esta CPI do nada e cujo relatório que será votado só pelos governistas que a compõe, pois o único oposicionista Dionísio Luiz Bertoldi, PT e o de ocasião, Alexsandro Burnier, PL, negaram-se a participar dela. Pressentiram que estavam só sendo usados pelo poder de plantão para inocentar o governo em algo armado, como esclareceram à época. Pior: este “relatório conclusivo” vai ser enviado ao Ministério Público e Tribunal de Contas do Estado, como se fosse um atestado de que apurado, nada se encontrou. Diante disso, MP e TCE, provavelmente, não encontrarão defeitos. E tudo será enterrado mais uma vez como o antevisto.
A Bancada do Amém (MDB, PP, PSD, PDT e PSDB) na Câmara inventou ela própria esta CPI, por requerimento de Roberto Procópio de Souza, PDT – que se tornou relator da CPI. O objetivo era o de “esclarecer” as conversas cabulosas em quatro áudios do ex-faz tudo do governo de Kleber Edson Wan Dall, MDB, e Marcelo de Souza Brick, Patriota, ou PL, sei lá, ou PP, talvez, o ainda presidente do PSDB, Jorge Luiz Prucino Pereira. No fundo, tudo isso, foi forjado para se criar uma cortina de fumaça ao pesado desgaste que os governistas estavam sofrendo nas redes sociais e aplicativos de mensagens onde este assunto estava sendo muito explorado. Porque na imprensa, nada, nadinha de nada.
O primeiro sinal de que se tratava de uma manobra governamental veio quando se escolheu a dedo um dos quatro áudios. Nele, supostamente, pelas conversas ouvidas, não há dinheiro público envolvido: a pavimentação pela Pacopedra de um trecho da Rua José Rafael Schmitt, aqui no Centro, em uma ação particular. O segundo apareceu quando botaram sigilo em tudo o que é da CPI, é feita exatamente, vejam só, para dar transparência à sociedade. O terceiro apareceu logo no depoimento de Jorge Luiz Prucino Pereira, PSDB. Ele desconhecia tudo o que acontecia no governo e naquilo que ele fez, mesmo sendo peça-chave e homem forte do governo. O quarto está na demora escolha de empresa particular – enquanto há institutos credenciados e reconhecidos nacionalmente – para saber se as vozes são mesmo de Jorge. Ele tem “dúvidas”.
E o que quinto apareceu ontem: a desimportância dos depoentes da CPI. O que falta ainda para descredenciá-la e desmoralizar ainda mais esta CPI? Ou o prefeito, o vice, os secretários envolvidos e os vereadores da Bancada do Amém desconhecem, por outro lado, o que os seus eleitores e eleitoras feitos até aqui de tolos, pensam e transmitem pelos aplicativos de mensagens sobre isto tudo? Na imprensa, nem um pio. E a aposta entre os políticos é que até outubro do ano que vem, quando estarão pedindo votos, os gasparenses já esqueceram deste assunto. É uma boa aposta, por enquanto.
Vida longa ao cidadão. Na quarta-feira que vem, o desconhecido Pedro de Souza, mas conhecidíssimo por várias gerações como “seo cobrinha”, vai fazer 105 anos. Desconhece-se no município alguém mais idoso e saudável. Ainda está de bem com a vida e as vezes, não aparenta a idade que viveu. Era com o seu cavaquinho que cativou as pessoas e fez da vida, uma música agradável.
Impressionante as entrevistas do governador Jorginho Mello, PL. Parece ser um político de primeira viagem, mesmo com bagagem legislativa como vereador, deputado estadual onde chegou à presidência da Assembleia, deputado Federal e Senador. Agressivo, chulo, desconexo e descontextualizado. Parece estar ainda em campanha, na retranca e mandando recados. Afinal, ele agora é o governador. Deveria ser um estadista e com olhar no futuro, mas está se justificando e culpando. Hoje, Jorginho estará por aqui na região. Anunciando verbas quase todas do Plano 1.000, criado pelo ex-governador Carlos Moisés da Silva, Republicanos.
Um aviso aos novos daqui, naquilo que a vida é de verdade. O experimentado – foi vereador, deputado e estadual e prefeito de Brusque – José Luiz Cunha, ou simplesmente o Bóca, com origens no MDB, mas com passagens pelo PSDB e PP caiu numa armadilha primária. Sem dominar o diretório do Republicanos de Brusque, mas acertado com os caciques de Florianópolis, resolveu se candidatar a prefeito de Brusque na eleição suplementar. Ela vai acontecer no dia três de setembro, depois da cassação do eleito, Ari Vequi, MDB, pelo TSE, por abuso do poder econômico, pelo simples apoio expresso pelo empresário Luciano Hang.
O que está acontecendo. A turma de Ari, neste caso o prefeito em exercício, André Vecchi, Democracia Cristã, trama para continuar no poder. Por isso, simplesmente ofereceu ao presidente do Republicanos de Brusque, Cláudio Pereira, a presidência do Samae de lá. E a candidatura de Bóca tem tudo para dar água no próprio diretório de Brusque, a não ser que haja uma intervenção de Florianópolis.
Lá em Brusque, o MDB homologou a candidatura de Willian Molina como candidato a prefeito, com o médico Osvaldo Quirino, PSC, na vice, numa coligação que ainda terá o Podemos. Sabe qual o nome que Willian terá na urna e na propaganda? Molina do Ari Vequi (o prefeito cassado).
Pensando bem, quem dos que gravitam em torno de Kleber e estão vestidos de candidatos a prefeito, mas para outubro do ano que vem, teriam a coragem de emprestar o nome de Kleber para alavancar votos nas urnas? Estão desafiados! Esta é a diferença entre as duas gestões e lideranças. Só os que estão no poder de plantão, os “çábios” e os marqueteiros de Gaspar ainda não entenderam o tamanho do problema, mesmo com uma poderosa máquina na mão onde todos estão grudadinhos para os benefícios.
E por falar em Luciano Hang, agora não é mais segredo. A unidade da Havan, em Gaspar, ali na Anfilóquio Nunes Pires, no Bela Vista e que foi abaixo por problemas técnicos do terreno e consequentemente, construtivos, nem mais tapume possui para disfarçar este desastre sob todos os aspectos. Foi a “grande” inauguração do prefeito Kleber Edson Wan Dall, MDB, no seu primeiro mandato.
Dei-me ao trabalho de voltar ao tempo e escutar os discursos daquele dia. Plagiaram Dias Gomes, na sua Sucupira imaginária. Quando afirmei aqui que havia graves problemas naquela construção, desmentiram-me. Quando ela fechou ainda de pé e pela primeira vez – foram duas -, afirmei que ela não voltaria mais lá. Desmentiram-me novamente.
Nada como um dia após o outro. Estou de alma lavada. Ao menos os leitores e leitoras estavam informados do que se escondia nos bastidores dos poderosos. Na imprensa, nada. Aliás, perguntar não ofende: o que é feito do Conselho Municipal de Desenvolvimento Socioeconômico de Gaspar?
A nova moda de alguns vereadores de Gaspar. Com o mapa da secretaria de Obras e Serviços Urbanos na mão para aquilo que se mapeia como ações de simples recuperações, incluindo a tal “Gaspar nos Trinques”, estes vereadores governistas vão, antecipadamente, aos locais e anunciam nas suas redes sociais, a melhoria como se fosse uma conquista deles. Além de diminuírem a prefeitura, a secretaria e o prefeito, fica-se à impressão que se tinham este poder de solução para a comunidade, prejudicaram-na por anos. Mais um caso onde a esperteza vai comer o dono. Acorda, Gaspar!
7 comentários em “UM RETRADO DE DESGOVERNOS CONTRA O MEIO-AMBIENTE, O SANEAMENTO E A SAÚDE DAS PESSOAS EM GASPAR.”
O FALSO SALVADOR DO MUNDO, POR Lourival Sant’anna, no jornal O Estado de S. Paulo
O forte viés ideológico da política externa do governo Lula cria fraturas na América Latina e inviabiliza o exercício da liderança que naturalmente caberia ao Brasil. A complacência de Lula com as ditaduras russa, venezuelana e nicaraguense, assim como sua repulsa ao livre-comércio e ao Ocidente, anulam o peso da credencial do presidente no que realmente interessa ao mundo quando olha para o Brasil: a proteção ambiental.
O desmatamento da Amazônia foi reduzido em 34% no primeiro semestre deste ano. A conquista confirma as incomparáveis credenciais de Lula e da ministra Marina Silva, que conseguiram reduzir o desmatamento em 84% entre 2004 e 2012, enquanto o PIB do agronegócio crescia espetaculares 75%.
Lula poderia surfar nesse inestimável capital, para extrair concessões de Europa e EUA. Mas prefere atacar a ambos, responsabilizando-os pelo flagelo da Ucrânia, pela corrida armamentista e pela inflação de alimentos, como se não fossem consequências da guerra expansionista de Vladimir Putin.
A palavra “Rússia” não pôde sequer constar da declaração final da cúpula União Europeia-América Latina, por causa da preocupação do governo brasileiro em não melindrar o ditador russo. Para indignação do presidente do Chile, Gabriel Boric: “Hoje é a Ucrânia, amanhã pode ser qualquer um de nós”.
Outro presidente de esquerda, Gustavo Petro, da Colômbia, também criticou o imperialismo russo. Depois descambou para denunciar a invasão de Iraque, Líbia e Síria. Cobri as três guerras para o Estadão. A invasão do Iraque foi um crime, mas os EUA não colonizaram o país, como a Rússia tenta fazer com a Ucrânia. Líbia e Síria foram palcos de revoluções populares que receberam apoio ocidental.
FRATURAS. Boric e os presidentes do Paraguai, Mario Abdo Benítez, e do Uruguai, Luis Alberto Lacalle Pou, já haviam se insurgido contra o desagravo de Lula ao ditador Nicolás Maduro na véspera da cúpula sulamericana, em 30 de maio, em Brasília. Lula justificou com a pérola “democracia é um conceito relativo”. Os presidentes de Equador e Peru também rejeitam essas posições.
Por causa de seu apoio ao chavismo desde sempre, Lula não goza da confiança da oposição venezuelana para mediar uma negociação entre ela e o regime.
Por fim, com sua iniciativa de reabrir o acordo com a UE para proteger o mercado de compras governamentais, Lula também frustra Uruguai e Paraguai, e futuramente a Argentina, com a saída de cena de seu amigo Alberto Fernández, nas eleições de outubro.
Lula trocou oportunidades reais de liderança e benefícios para o Brasil por uma fantasia de salvador do mundo, calcada em premissas moralmente indefensáveis
OS MAGNANOS PRECISAM ACABAR COM AS “FAROFAS”, por Elio Gaspari nos jornais O Globo e Folha de S. Paulo
A Corte Suprema dos Estados Unidos tem mais de 200 anos e um só caso de juiz que renunciou com a reputação tisnada. Abe Fortas entrou para a Corte em 1965, depois de ter sido advogado pessoal do presidente Lyndon Johnson. Três anos depois, abriu-se a vaga da presidência do tribunal (lá esse cargo é vitalício) e o amigo resolveu promovê-lo. Os senadores republicanos obstruíram a escolha e balearam Fortas mostrando que ele havia recebido US$ 15 mil por palestras numa universidade. O dinheiro vinha de um fundo irrigado por empresas que tinham processos na Corte. Fortas pediu que a nomeação fosse retirada e continuou no tribunal, até que apareceu outro caso, pior, e ele renunciou.
Se a primeira etapa do caso de Fortas for copiada no Brasil, serão centenas as vagas abertas no Judiciário.
No início da semana, Moraes havia sido hostilizado e um de seus familiares foi agredido fisicamente no aeroporto de Roma. O ministro voltava de uma palestra na Universidade de Siena, cuja Faculdade de Direito completará mil anos em 2040. Dias depois, o caso ganhou um outro aspecto. O repórter Eduardo Oinegue mostrou que o Fórum Internacional de Direito, ao qual Moraes compareceu, era um evento patrocinado pela UniAlfa, que tem uma faculdade de Direito em Goiânia. O Fórum começou em Valladolid, na Espanha, e continuou em Siena. Dos 31 conferencistas, 20 eram brasileiros e 11 eram da UniAlfa. Essa universidade, por sua vez, pertence ao Grupo José Alves, que tem várias atividades, entre elas, a venda de remédios, com a Vitamedic. Uma de suas marcas é a Ivermectina, prima da cloroquina. Quinze dias antes do Fórum Internacional de Direito, a Vitamedic e a UniAlfa foram condenadas pela Justiça do Rio Grande do Sul por causa do apoio que deram ao curandeirismo bolsonarista.
Alexandre de Moraes foi hostilizado em Roma, Luís Roberto Barroso foi ofendido em Nova York e Gilmar Mendes (patrono de fóruns em Portugal) foi maltratado em Lisboa. Em todos os casos havia palestras e, em alguns casos, elas coincidiam com feriadões. Em Nova York, chegaram a reclamar do consulado por não lhes ter dado a desejada segurança.
A indústria das palestras é ampla, geral e restrita. Mimoseia governadores, ministros, parlamentares e também jornalistas. Quem não se lembra do balcão de palestras de baronetes da Lava-Jato? O nicho das palestras em eventos no exterior (jamais na África) é coisa para figuras ilustres.
Trata-se de um negócio que leva maganos brasileiros a falar para brasileiros em Lisboa, Nova York e, como se viu, até em Siena.
Faz tempo, quando havia um imposto para viajantes ao exterior, aqueles que seguiam para congressos e simpósios, podiam pedir isenção. Eis que um deputado conseguiu a isenção porque iria a Paris, como professor visitante da Sorbonne. Apanhado na patranha, pois ele apenas faria uma palestra numa sala alugada pela Sorbonne, explicou-se: era professor e, indo à Sorbonne, seria um professor visitante.
Essas revoadas de magistrados, ministros e maganos em geral são ridículas e já foram apelidadas de “farofas”.
É provável que Alexandre de Moraes não soubesse das minúcias reveladas por Oinegue. Atrás de dinheiro, universidades e instituições prestigiosas negociam seus logotipos com organizadores de eventos da espécie. Dê-se o desconto que se queira, todos aqueles que vão às “farofas” sabem o que estão fazendo.
Ir a esses eventos tinha um toque de ridículo, mas o caso de Alexandre de Moraes expôs um aspecto tóxico que ministros e maganos bem que poderiam evitar. Moraes, assim como Abe Fortas, é maior que sua maldita passagem por Siena e Roma.
A ORIGINALIDADE DE OPPENHEIMER
Quem for ao cinema ver o filme “Oppenheimer”, conhecerá um grande personagem. O físico dirigiu a equipe de cientistas e engenheiros que fizeram as bombas de Alamogordo (a do teste), Hiroshima e Nagasaki. Era um tipo inesquecível pelo eterno chapéu amarrotado, pelo cigarro ou o cachimbo, e pelos penetrantes olhos azuis. Isso para não se falar da erudição, da gentileza, do rigor e também da astúcia.
Quem decifrou o personagem foi o físico Robert Wilson que, aos 29 anos, trabalhou com ele em Los Alamos:
“Ele era meio excêntrico, quase um excêntrico profissional.”
Durante sua passagem pelo Brasil, em 1953, um fotógrafo retratou-o soltando uma baforada que ficou parecida com o cogumelo de uma explosão nuclear.
Tendo ajudado a fazer as bombas, Oppenheimer aborreceu-se com a fotografia da fumaça.
23 DE JULHO DE 1945
No dia de hoje, há 78 anos, o secretário da Guerra dos EUA Henry Stimson recebeu a lista dos alvos: Hiroshima, Kokura ou Niigata.
Na quinta-feira a bomba chegará à base de Tinian, no Pacífico.
MINISTÉRIO CAPENGA
Às vésperas de uma mudança cosmética no Ministério, o comissariado deixou circular a notícia de que a verdadeira reforma virá no fim do ano ou no início de 2025.
Assim consegue-se multiplicar o número de interessados nas cadeiras e dividir o empenho de quem está nas cadeiras.
LULA E A ESCRAVIDÃO
É difícil que Lula passe uma semana sem dizer uma impropriedade.
Numa parada em Cabo Verde ele disse que “temos profunda gratidão ao continente africano por tudo que foi produzido durante 350 anos de escravidão no nosso país.”
Os céus caíram. Parecia que Bernardo Pereira de Vasconcelos havia ressuscitado. Em 1843, ele disse que “a África tem civilizado a América”. Bernardo não era apenas um defensor da escravidão, ele defendia o contrabando de africanos e combatia o projeto de uma ferrovia do Rio a Resende.
Foi-se com muita sede ao pote. Eis a frase e o raciocínio de Lula, ao seu modo palanqueiro:
“Nós, brasileiros, somos formados pelo povo africano. A nossa cultura, a nossa cor, o nosso tamanho é resultado da miscigenação de índios, negros e europeus. (…) Temos profunda gratidão ao continente africano por tudo que foi produzido durante 350 anos de escravidão no nosso país. (…) Achamos que a forma de pagamento que um país como o Brasil pode fazer (está em) tecnologia, a possibilidade de formação de gente para que tenha especialização para as várias áreas que o continente africano precisa, industrialização e agricultura.”
A fala merecia uma penteada, mas seu sentido é inequívoco.
TARCÍSIO E O VOTO DA ITA
O governador Tarcísio de Freitas deu-se conta da tolice que era mudar a Cracolândia de bairro e recuou.
Fez isso na semana em que a Justiça decretou a falência da companhia aérea ITA. Ela saiu do ar na véspera do Natal de 2021. Ficaram a pé cerca de 400 tripulantes, com R$ 25 milhões a receber. A ITA deve algo como R$ 180 milhões, não tem patrimônio e era controlada pelo empresário Sidnei Piva. Do final de 2021 até agora, sua história é a de uma quebra.
Em outubro de 2020 o doutor Tarcísio participou de uma live com Bolsonaro na qual ambos comemoraram a entrada da companhia de ônibus Itapemirim no transporte aéreo.
Quem entende de aviões garantia que o desastre era pedra cantada, porque o mercado da aviação é mais sério que o dos ônibus
MORAIS XINGADO, editorial do jornal Folha de S. Paulo
Algo vai muito mal quando um grupo de brasileiros se sente no direito de agredir um ministro do Supremo Tribunal Federal acompanhado de seu filho durante viagem ao exterior. E fica pior quando esse mesmo magistrado confunde os ataques que sofreu com ameaças ao Estado democrático de Direito.
A hostilidade se deu no aeroporto de Roma. Quando se preparava para voltar ao Brasil, Alexandre de Moraes ouviu insultos como “bandido” e “comprado”, enquanto seu filho teria recebido um empurrão.
Pessoas apontadas como suspeitas negam a arremetida, e cabe aos investigadores esclarecer o episódio.
Há um rito conhecido para isso. Instaura-se um inquérito, colhem-se depoimentos, apuram-se informações; se necessário, determinam-se medidas mais invasivas, como busca e apreensão. Tudo sob a supervisão da instância judicial adequada, nos termos da lei.
Especialistas têm pouca dúvida quanto a esse último elemento: dado que os relatos indicam crimes contra a honra e lesão corporal, por exemplo, e sendo certo que os suspeitos não têm prerrogativa de foro, é à primeira instância que compete conduzir o caso.
Se, no curso das investigações, descortinar-se cenário distinto —com ligações entre os agressores e os atos golpistas de 8 de janeiro, ou com evidências de um plano para destruir a corte constitucional—, enviam-se os autos ao Supremo e adotam-se medidas pertinentes.
O que não se pode fazer, mas foi o que se fez, é inverter a ordem natural do processo só porque o ofendido é ministro do STF. Pior: sem indícios suficientes, elevou-se a injúria à categoria das tentativas de abolição do Estado democrático de Direito e autorizou-se uma ação de busca e apreensão em todo carente de justificativas oportunas.
Sente-se à distância o ranço de arbítrio contido nessas iniciativas, que em nada contribuem para reforçar a legitimidade da Justiça —e nem mesmo ajudam a defendê-la.
Admitindo-se que Moraes e seus colegas pretendam com isso apenas reagir à altura do que consideram ameaças sérias, também aí estarão equivocados: a facção golpista que cresceu sob Jair Bolsonaro (PL) se regozija a cada novo desequilíbrio do Poder Judiciário.
Ministros do STF precisam melhorar a análise de conjuntura; o momento pede, mais do que nunca, que a corte seja e pareça um órgão de Estado —e que a instituição seja e pareça melhor do que os homens e mulheres que a compõem.
COMO SE PERDEM AS CAUSAS, por Eduardo Affonso, no jornal O Globo
O pior que pode acontecer a uma causa justa é cair em mãos erradas. E, no entanto, nada mais comum do que raposas se voluntariarem, desinteressadamente, para tomar conta de galinheiros.
Não há bem maior para a sociedade do que o cidadão de bem. É aquela pessoa honesta, com princípios éticos, cumpridora dos seus deveres. Mas repare em quem levanta a bandeira da defesa dessa brava gente: há grandes chances de encontrar, como na nossa História recente, alguém ligado a esquemas de corrupção, apologia da violência, desdém pelo próximo.
O politicamente correto — questão de avanço civilizacional, de respeito às diferenças e à dignidade da pessoa humana — foi parar nas garras de canceladores, censores, intolerantes — que só não queimam livros porque pega mal. Mas interditam o debate, restringem a livre circulação de ideias, aniquilam reputações (vai uma Revolução Cultural chinesa aí?).
Autodeclarados antifascistas se valem de métodos clássicos do fascismo. Desumanizam os adversários, com o cuidado de mudar os verbos — trocam “eliminar” por “extirpar” — e quase ninguém nota (ou finge não notar).
Não raro a tutela dos valores cristãos está a cargo de pedófilos (ou dos que os acobertam) e aproveitadores (devotos do “templo é dinheiro”, do “vinde a mim os dízimos”). Com espantosa frequência, descobrem-se predadores e charlatães travestidos de líderes espirituais.
Fanáticos tomam para si a defesa dos direitos animais (e dane-se o bicho-homem), da pauta ambiental (e dá-lhe vandalizar obras de arte, pichar patrimônio público). Só o que conseguem é criar um clima ruim para os que efetivamente se importam com o planeta e seus habitantes — independentemente de reino, classe, família, gênero ou espécie.
Dois bons exemplos desse tipo de perversão foram notícia por estes dias.
O ex-deputado Jean Wyllys, inúmeras vezes vítima de homofobia, retornou ao Brasil, e uma das suas primeiras manifestações foi homofóbica. No que deveria ser uma crítica às escolas cívico-militares, dispensou os argumentos e partiu para a ofensa. Dezenove governadores decidiram manter esse tipo de instituição: o único atacado foi Eduardo Leite, por sua orientação sexual. A mensagem era clara: homossexuais seriam seres privados de discernimento e reféns de alguma parafilia. À exceção, claro, dos que partilhem da mesma ideologia do acusador.
Na seara racial, a treta coube a Itamar Vieira Junior, autor de “Torto arado” (mais de 400 mil exemplares vendidos).
Uma das premissas do movimento antirracista é estabelecer que não existe superioridade racial (o ideal seria provar que não existem raças, mas aí era querer demais). Há militantes, entretanto, que se empenham em caracterizar africanos e seus descendentes como pessoas diferenciadas, que não podem ser alvo de críticas senão por parte dos seus iguais (na cor). Sobrou para José Eduardo Agualusa, que alertou Itamar sobre essa armadilha, em delicado artigo publicado no GLOBO.
Reflexão virou whitesplaining; chegada de novas vozes ao debate, pacto de branquitude. Como se uma avaliação pudesse ser reduzida à cor da pele de quem a faz e de quem a recebe.
Millôr alertava sobre duvidar de todo idealista que lucra com o seu ideal. Deveríamos nos precaver é dos que deturpam o ideal alheio.
“BONUS DE PRODUTIVIDADE” É PALEATIVOE ADIA REFORMA NECESSÁRIA, editorial de O Globo
Diante de uma fila de quase 2 milhões de pessoas à espera de algum benefício previdenciário do INSS, o governo decidiu pagar um “bônus de produtividade” aos funcionários do instituto, para que trabalhem além do expediente e atendam um número maior de segurados. Seria tudo muito lógico e compreensível se esse adicional não fizesse parte do problema: a existência de uma grande e ineficiente burocracia dentro do Estado brasileiro, com estabilidade de emprego, salário garantido e sem estímulos para progredir na carreira.
Ao todo, são 1,8 milhão de requerimentos de benefícios (aposentadorias e pensões) e de perícias médicas (para incapacitados ao trabalho em busca de renovação da licença paga pelo INSS) que esperam há mais de 45 dias por uma resposta. O servidor receberá R$ 68 por tarefa feita depois do expediente, e os médicos R$ 75 por perícia adicional. A conta desta vez sairá para o contribuinte por R$ 129 milhões. Pode parecer uma emergência imprevista, mas não é. A mesma medida já foi tomada nos últimos anos pelo mesmo motivo.
Os sindicatos gostam de dizer que faltam funcionários no INSS, mas, sem estudos independentes sobre a produtividade desses servidores, não há como acreditar. Uma avaliação criteriosa precisaria ir além da média de requerimentos e perícias médicas realizadas por funcionário. Seria necessário identificar quem são os que jogam essa média para baixo. Inatingíveis por estarem protegidos pela estabilidade no emprego, seguem em marcha lenta. É possível até que muitos esperem pelo bônus, que tende a fazer parte do orçamento pessoal.
Saída muito melhor seria pagar mais aos produtivos e demitir quem há anos faz corpo mole. Nas últimas três décadas não faltaram tentativas de elevar a produtividade do setor público. Na gestão de Fernando Henrique Cardoso, uma das metas era dotar o Brasil de uma burocracia pública moderna, regida por regras atualizadas. Não foi adiante.
O país voltaria a perder outra chance no governo passado, quando foi apresentada ao Congresso uma Proposta de Emenda à Constituição de aperfeiçoamento das regras dos servidores. As novas normas só valeriam para os servidores contratados depois da aprovação final da emenda. Também não seriam alterados os dispositivos que regem a magistratura, o Legislativo, membros do Ministério Público e militares. A emenda conseguiu passar pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, mas encalhou, sem que Jair Bolsonaro trabalhasse no Congresso por sua tramitação.
Se e quando um governo resolver trazer o serviço público brasileiro para o século XXI, já existe ao menos um projeto. Enquanto isso não acontece, as filas do INSS continuarão a crescer e, de tempos em tempos, o contribuinte terá de arcar com novo bônus para desemperrar a máquina pública.
TODO MUNDO “FAZENDO O L”, por Vera Magalhães, no jornal O Globo
Se o segundo turno da eleição presidencial fosse hoje, provavelmente o resultado não seria o eleitorado praticamente cindido ao meio, como aconteceu em fim de outubro de 2022. É o que apontam pesquisas diversas que mostram o aumento da popularidade de Lula e da aprovação a seu governo.
É claro que esse tipo de conjectura é furado, uma vez que as circunstâncias que levam a essa melhora do horizonte para o petista dependeram justamente de fatos posteriores ao período eleitoral, principalmente dois: a explosão do extremismo bolsonarista em 8 de janeiro e, mais recentemente, a melhora dos indicadores econômicos.
É essa segunda variável, aliada de maneira clara ao fato de que Jair Bolsonaro virou carta fora do baralho para a sucessão de 2026, que impulsiona a onda atual de adesismo ao governo, que inclui do procurador-geral da República, Augusto Aras, ao Centrão, tendo no deputado do PL que será expulso da legenda por literalmente “fazer o L” aquele exemplo que serve para ilustrar o espírito do tempo.
As piscadelas que Aras tem dado para o Planalto em nada diferem da maneira explícita com que ele flertou com Bolsonaro quando seu nome foi pinçado pelo ex-presidente para a primeira indicação para a PGR.
A requisição dos dados de todos os seguidores de Bolsonaro — lista que certamente inclui diversos procuradores da República, adversários políticos do ex-presidente, jornalistas, artistas e nada diz sobre o alcance de suas postagens de cunho golpista — dá a medida do vale-tudo que o atual chefe do Ministério Público resolveu adotar para se manter no cargo.
Mesmo a narrativa de “combatente” da Lava-Jato, que setores do petismo propagam para construir algum caminho viável para a permanência de Aras no posto, é algo bastante tardio, quando o vento no STF, no Congresso e até no entorno de Bolsonaro já tinha virado.
Assim como as dificuldades postas diante de Lula para atrair partidos como o PP e o Republicanos, que não eram satélites, mas planetas no sistema bolsonarista, são evidentes, também não é simples encontrar uma explicação que premie Aras diante dos feitos que ele dividiu com sua vice, Lindôra Araújo.
Basta lembrar as constantes recomendações de arquivamento de todo e qualquer inquérito que atingisse Bolsonaro, ministros, aliados e os filhos, sempre sob a alegação de falta de evidências.
No curso da pandemia, quando se esperava que o Ministério Público Federal fosse ser um farol da sociedade contra o negacionismo e uma política de Estado que atrasou vacinas, boicotou o isolamento sanitário e gastou dinheiro público em medicamentos sabidamente ineficazes, o que se viu foi a normalização dessas condutas, mesmo depois que a CPI da Covid já havia feito metade do trabalho de trazer os fatos à luz do dia.
Para o governo interessa aproveitar a boa maré de popularidade de Lula e de prognósticos mais positivos para a economia para atrair partidos para a base aliada, mas essa aclimatação tem de ser feita aos poucos, para que não se corra o risco de premiar aqueles que ajudaram o vale-tudo de Bolsonaro para se reeleger, com as consequências fiscais, ambientais e sociais que aparecem um pouco a cada dia.
A volta de Lula ao Brasil num momento que antecede a decisão do Copom sobre juros e a votação final do arcabouço fiscal no Congresso, além de marcar o início da reta final de campanha pela PGR, vai colocar em evidência esse afã de “fazer o L” por parte dos que esperam trocar de roupa para continuar no poder.
Eis uma equação delicada de resolver, para que o governo se beneficie da maré favorável sem chancelar tudo o que foi feito na gestão anterior e desagradar àqueles que estiveram ao lado de Lula na travessia do deserto.
Para ler, reler e pensar. O que mesmo acontece em Gaspar? Por que este espaço tem tantos leitores e leitoras se temos ainda dois jornais semanários, três rádios, incluindo um comunitária ao mesmo tempo que há tanta inércia ao que se faz no executivo e no legislativo local?
COMO A INTERNET CRIOU RADICAIS, por Pedro Dória, no jornal O Globo
Existe uma correlação direta entre o declínio de jornais locais em cidades pequenas e médias, a entrada da internet e a polarização política. É a conclusão que dá para tirar de uma série de estudos que vêm sendo publicados desde 2018 pelo economista Gregory Martin, professor da Universidade Stanford. São números referentes ao mercado americano. Mas, ainda assim, não é difícil perceber por ali possíveis correlações com o que vem acontecendo no Brasil.
Seu paper mais recente, de abril último, mostra o impacto do site Craigslist ao longo das últimas duas décadas. Não tivemos nada como ele no Brasil — num momento ainda anterior às redes sociais, Craigslist ofereceu espaço com anúncios locais, quase sempre de graça, em todos os Estados Unidos. O impacto econômico nos jornais locais, em que os cadernos de classificados pagavam um bom naco da conta, foi imenso. O mesmo se deu no Brasil um tico depois, com o baixo custo de publicidade on-line oferecida por Google e Facebook. Aqui teve a mesma consequência: secou uma das principais fontes de renda de todos os jornais, levando principalmente em cidades pequenas ao desaparecimento de muitos títulos.
Os títulos que sobreviveram tiveram de secar sua produção. Repórteres, redatores e editores foram demitidos em massa, e o resultado foi que a cobertura local de noticiário diminuiu. Há menos gente atenta ao que ocorre nas Câmaras Municipais, nas prefeituras, as histórias da vizinhança vão aos poucos desaparecendo, pois não há quem as conte. Mas essa é a parte para a qual a literatura acadêmica já tinha muitos indícios. O efeito político do desaparecimento do noticiário local é que é pouco compreendido. E ele existe.
Com menos informação a respeito de políticos locais, melhorou a performance daqueles políticos com discursos mais extremados quando comparados aos moderados. É possível perceber esse padrão, pois, nas cidades onde os jornais locais aguentaram mais o tranco, o fenômeno não se repetiu. A existência de uma imprensa que pressiona candidatos a respeito de suas posições faz, concretamente, diferença. A ausência de jornalismo, por outro lado, torna mais difícil distinguir o que separa extremistas de moderados. A hipótese levantada pelo estudo é que se trata, inicialmente, de um jogo de probabilidade. As chances de candidatos extremistas se lançarem e sobreviverem às agruras da campanha aumentam conforme há menos informação circulando.
Não é só. Com o tempo, os eleitores também se radicalizaram. Se antes era comum quem votasse tanto no Partido Republicano quanto no Democrata, variando na escolha dos candidatos de acordo com o cargo, isso foi desaparecendo. O voto num candidato à Presidência começou a se aproximar cada vez mais do voto em políticos locais. Ou seja, a política se radicalizou e, simultaneamente, se nacionalizou. Os temas locais desapareceram, e as grandes disputas ideológicas sobre temas relacionados a comportamento e organização social se impuseram. E dominaram o debate político.
Por aqui, não há estudo similar. Seria difícil repeti-lo, embora não impossível. Mas temos o fenômeno: a internet mudou de tal forma o mercado de anúncios que desestruturou economicamente jornais grandes e pequenos. No caso dos pequenos, quando não os matou, feriu de morte. Somos perfeitamente capazes de enxergar, também, a consequência. Nossa política se radicalizou, se nacionalizou, e grandes temas locais sumiram.
Não é absurdo imaginar que cá, como lá, o fenômeno e o resultado possam ter relação de causa e consequência.