Revisado e modificado às 15H51min deste 21.01.2025. No artigo de ontem SERÁ QUE A CHUVARADA DA SEMANA PASSADA SERVIRÁ PARA “ACORDAR” O NOVO GOVERNO, ELEITO PARA MUDAR O JEITO DE GERIR, OLHAR PARA O FUTURO E PRODUZIR RESULTADOS PARA A SOCIEDADE GASPARENSE? duas pequenas notas provocaram uma reação imediata – e pouco acautelada, seja no ambiente político e técnico, penso – do presidente da Câmara de Vereadores de Gaspar, o campeão de votos, Alexsandro Burnier, PL. Deve se descontar à falta de experiência, à juventude, mas ao mesmo tempo, preocupa à suposta falta de assessoramento especializado, ou então, à má orientação por gente experiente disposta deixá-lo exposto e enfraquecido logo de largada.
Estas eram as duas notas discretas do TRAPICHE.
“Um exemplo de liderança. Todos sabem que o caixa da prefeitura está à míngua. E que a enxurrada da semana passada só complicou ainda mais a penúria. Nem tudo, pode ser contratado emergencialmente. O vereador campeão de votos, Alexsandro Burnier, PL, se tornou presidente da Câmara. Ao invés dos filminhos nas redes sociais atrás de likes, bem que poderia exercer esta liderança conversando com seus pares – incluindo a oposição – e viabilizar, e com clima e quóruns garantidos – uma sessão extraordinária. A Câmara está de férias em janeiro. Não tem sessão deliberativa”.
“A Câmara de Gaspar possui R$14,5 milhões de Orçamento da prefeitura. Ela não vai usar tudo, como sempre. E mesmo que usasse, poderia se dispor ao sacrifício, até porque umas das rubricas, é notoriamente fake. Trata-se da “construção” da sua sede (R$1,15 milhão e mais R$150 mil para “projetos”) própria, pasmem, para a qual nem terreno ela mais possui. Alexsandro Burnier, PL, a mesa diretora ou até mesmo todos os vereadores, poderiam decidir, extraordinariamente, se desfazer desta rubrica Orçamentária para colocar na secretaria de Obras e Serviços Urbanos visando à recuperação da cidade”.
Voltando.
Esta é a posição resumida do presidente da Câmara de Gaspar, o primeiro à esquerda na foto ao lado, ouvindo a comunidade. O que está entre colchetes é a minha observação.
“A Câmara, por lei, tem direito a 7% [duodécimo, algo compulsório e obrigatório] do Orçamento [do município de Gaspar], mas não gasta [usa, penso] 3 [%]. Não acho justo querer colocar a culpa na Câmara, mas entendo, como você já me falou, é uma coluna [não é coluna, é um blog] opinativa e não jornalística [é jornalístico, sim, não é um noticioso informativo; normalmente pega-se uma informação, comenta-a, se expande ou esclarece-a]”.
O campeão de votos, jovem, se não foi mal orientado nos vícios pelas velhas raposas da política que continuam lá na Câmara, pois como disse um deles certa vez a um jovem – na idade – novato alçado a presidente da Casa naquela legislatura, verdolengo na política em tempos passados, quando ele – com o título de presidente -quis botar as maguinhas de fora e reclamou de que a cidade estava contra uma medida que se ensaiava na Câmara: “você aqui na Câmara está presidente dos vereadores [defende os nossos interesses] e não os dos eleitores“.
Alexsandro assegurou-me que este não foi o seu caso agora. Então foi ingênuo. E por isso, está perdoado. É do espaço de aprendizado.
Em primeiro lugar, Alexsandro ao ler a nota aqui – num espaço que ninguém lê na cidade -, não estava e nem estará obrigado a fazer nada a favor da observação daqui. Era só o que faltava em Gaspar, uma opinião mudar os hábitos dos monges.
Em segundo lugar, estará livre para fazer a limonada que quiser, pois os meus limões são bem azedos e por isso gratuitos, inclusive para choramingar, como fez.
Se fosse um letrado no assunto, Alexsandro teria primeiro consultado a assessoria técnica da Câmara e que é bem paga para assessorá-lo como presidente; Alexandro não depende mais – neste e outros casos – só da sua assessoria. Orientado e com certezas técnicas -pois ele é o “dono” [por legitimidade] do Orçamento da Câmara de Gaspar. E nela, as decisões são colegiadas, sejam as que são tomadas pela Mesa Diretora, as que se compartilham com o, ou no Executivo (que é do seu partido, o PL) em disposição política unilateral de harmonia. Ou ainda no voto em plenário quando houver maioria para isso.
Se houvesse alguma liga desse assunto – a mudança da rubrica orçamentária – ir para a frente, o presidente Alexsandro chamaria os vereadores para uma conversa informal. Sentiria à temperatura da Câmara – como instituição – e poderia, a partir daí, contribuir financeira ou pelo menos contábil e marqueteiramente nesta situação de emergência.
Mas, não. Preferiu se colocar sozinho na frente da carroça. Os demais vereadores agradeceram. Se ele não seu cuidar, ainda corre o sério risco de tomar uma “bolada” pelas costas. Nunca duvide de nada de políticos.
Alexsandro confundiu Orçamento com fluxo de caixa – pois não é contador, administrador e por isso, não está obrigado a este conhecimento, até porque, possui à sua disposição, um monte de especialistas. Alexsandro alegou que, ainda não recebeu nada dos mais de R$1 milhão que a prefeitura tem que lhe repassar este mês, sendo que desse montante, só R$100 mil seria para a rubrica fake destinada à construção da sede própria.
Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Uma é peça Orçamentária – que ele lidera para bem usá-la em favor da Casa, como um todo. A outra é dinheiro em caixa – que ele tem que cuidar para não ser responsabilizado por algo que não possa fazer.
O QUE A CÂMARA NÃO PODE, A ASSEMBLEIA PODE?
Alexsandro já foi relator de Projetos de Leis que anulam e suplementam verbas rubricadas no Orçamento do governo do ex-prefeito Kleber Edson Wan Dall, MDB, um inclusive, um em que se acertou R$500 mil para o Hospital – o que se usa para este tipo de magia de final de ano – e chegou na Câmara com mais outros R$500 mil malandramente rubricados para a secretaria de Obras e Serviços Urbanos, que o ex-presidente da Câmara José Hilário Melato, PP, acertou só a metade com o prefeito e de lá veio a outra parte, a qual, “em nome do Hospital” Alexsandro e os demais vereadores engoliram-na por inteiro: R$1 milhão.
Ora se não vai se construir sede própria nenhuma, qual a razão dessa rubrica fake continuar lá no Orçamento da Câmara? Numa emergência não se pode repassar ao Executivo num Projeto de Lei que anula esta rubrica e apenas no Orçamento da Câmara deste ano, num “sacrifício” de todos os vereadores pela cidade e a importância que dão, para deixá-la remediada, ao menos, e assim, mais livre das incontroladas intempéries?
Não. Uma série de impedimentos técnicos sem pé e nem cabeça. Há impedimentos formais, sim. Um deles é a independência dos poderes. O outro é o político, decorrente dessa independência. Nem mais, nem menos. Mas, isto nenhum vereador quer explicitar para não ficar mal na fita com a comunidade. Desta vez, sobrou – se não for proposital – para o campeão de votos. E ele botou matou a bola no peito e…
No outro lado da mesma moeda, a Assembleia Legislativa tomou a iniciativa pelo deputado Marquito (Psol), presidente da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, com anuência do presidente Mauro de Nadal, MDB, de levantar e estudar uma forma de repassar parte do Orçamento dela para as Defesas Civis se virarem neste instante crucial. Na reunião virtual, estava “delegado prefeito” Paulo Norberto Koerich, PL. E dele se ouviu o relato de que Gaspar só se há uma patrola por aqui e ela, mesmo assim, está fora de operação. Credo!
Quem deveria estar on line nesta reunião era o Alexsandro e descobrir a razão pela qual o que não se pode aqui, segundo ele, pode lá na Assembleia para onde diz já estar em campanha.
Desastres naturais não são ocorrem para políticos ganharem likes nas suas redes sociais e bolhas, nem para culpar o administrador relapso do passado. Eles servem para mostrar quem tem, verdadeiramente, interesses em soluções naquilo que vai se repetir. Muda Gaspar!
TRAPICHE
Adivinha quem requisitou a primeira diária deste ano na Câmara de Gaspar? O vereador Ciro André Quintino, MDB, o repetido campeão de diárias na Câmara. Ele vai a Florianópolis, com a assessora para fazer os registros da sua visita ao deputado estadual por Ibirama, do qual é cabo eleitoral por aqui, Jerry Comper, MDB, titular da secretaria de Infraestrutura e Mobilidade. São R$576,00.
O secretário Jerry Comper, MDB, já esteve aqui na semana passada vendo os estragos com o “delegado prefeito” Paulo Norberto Koerich, PL. ciceronado pelo vereador Ciro André Quintino, MDB. Então, o secretário sabe dos problemas e está em dívida com Gaspar. Uma videoconferência, se não fosse um simples telefonema, lembraria o deputado-secretário desta dívida.
O teor da “salvação da lavoura” do início do governo de Paulo Norberto Koerich, PL, saiu ontem na publicação do Decreto 12.389, com data de 17 de janeiro, que “declara situação anormal, caracterixada por situação de emergência no municíupio de Gaspar em razão das chuvas intensas que ocasionaram enxurradas, alagamentos, movimentos de massa em diversas regiões do território municipal“. Ufa! O pulo do gato está no artigo 6º:
Ficam dispensados de licitação os contratos de aquisição de bens necessários às atividades de resposta ao desastre, de prestação de serviços e de obras relacionadas com a reabilitação das áreas nos termos…. desde que possam ser concluídas no prazo máximo de 1(um) ano contando da data da ocorrência da emergência ou calamidade, vedada a prorrogação dos respectivos contratos e a contração de empresa já contratada no dispositivo supracitado”.
5 comentários em “SE TEM FARINHA, O PIRÃO É SÓ MEU. ENQUANTO OS VEREADORES DE GASPAR SE ESBALDAM NAS REDES SOCIAIS SENDO REPÓRTERES DA CALAMIDADE LHES FALTAM AÇÕES PRÁTICAS PARA COMPARTILHAR SOLUÇÕES EMERGENCIAIS À CIDADE”
É O PROBLEMA É A MENSAGEM, por Pedro Dória, no jornal O Globo
O Palácio do Planalto entendeu muito mal o que ocorreu na semana passada no embate do Pix. E, em virtude do diagnóstico errado, corre sério risco de ser pego de surpresa nas próximas eleições, como ocorreu com o Partido Democrata nos Estados Unidos. Nessa ilusão, o grupo no governo não está sozinho. Afinal, convenceu de seu diagnóstico um bom naco da imprensa especializada em política. Bons jornalistas compraram a versão. Mas ainda há tempo de rever tudo.
A tese do governo é que as redes sociais são grandes máquinas de desinformação. De que a população foi enganada a respeito das mudanças implementadas pela Receita Federal. De que é enganada o tempo todo. Alguns no governo se convenceram, até, de que o vídeo do deputado bolsonarista Nikolas Ferreira (PL-MG) só cruzou 300 milhões de visualizações no Instagram porque a Meta, companhia de Mark Zuckerberg, manipulou o algoritmo para lhe dar um empurrão. Não há qualquer evidência disso. Nada além da vontade de não acreditar que milhões tenham se interessado pela mensagem.
A hipótese com que ninguém no Planalto parece trabalhar é que Nikolas tenha construído um argumento convincente. A hipótese com que muitos democratas não trabalham é que o povo seja conservador. E que, no caso brasileiro, concorde com o deputado.
Pois vamos lá. É razoável acreditar que muitos brasileiros que, trabalhando na informalidade, ganham R$ 6 mil, R$ 7 mil, são também sonegadores de Imposto de Renda? Sim, é razoável. É razoável acreditar que esses brasileiros temam que o governo apareça à porta cobrando o imposto devido? Claro que é. Por fim, é razoável que esses brasileiros, compreendendo que o governo opera suas contas no vermelho, creiam que o Planalto esteja desesperado para arrecadar? Sem dúvida nenhuma. Esses mesmos brasileiros, afinal, não esqueceram que lhes foi prometido comprar da Shein sem imposto e, aí, o Planalto mudou de ideia e sobretaxou. Foi uma promessa quebrada — e uma promessa que teve alto impacto nesse grupo.
Esse é o argumento que Nikolas constrói. O governo não compreendeu. Estava distraído explicando que o problema foi desinformação. Não percebeu que foi atropelado por um argumento. Democracias se constroem por argumentos e contra-argumentos. O governo passou uma semana dizendo que a população foi manipulada. Dizer que os eleitores conservadores são crédulos e caem em qualquer mentira que lhes contem no zap é péssima tática.
Com quem Nikolas falava é igualmente importante, pois é um público bastante específico. Principalmente homens das periferias urbanas, classe média baixa, em geral com ensino médio. Gente que tem de encontrar uma saída para crescer na vida e, por emprego CLT, não vê esse caminho. Trabalha muitas horas e tem orgulho disso. Faz parte dos seus valores.
Para responder ao deputado, foi escolhida Érika Hilton (PSOL-SP), uma das deputadas mais à esquerda na Câmara. Érika falou, em seu vídeo-resposta, sobre as agruras das muitas horas trabalhadas por quem está na CLT com salário baixo. A deputada trans é, certamente, um dos grandes nomes da nova esquerda brasileira. É boa de vídeo e boa de oratória. Mas seu vídeo-resposta, gravado com vestido de festa, serviu para quem é de esquerda se sentir bem. Obviamente era a pessoa errada, com o discurso errado para chegar ao público atingido por Nikolas.
A esquerda brasileira sabe falar com quem é pobre. É com quem Érika falou. Com quem vive na carência, gente para quem às vezes falta comida e o teto não está garantido. Quando cruza a linha da carência absoluta, uma pessoa se transforma. A batalha da vida continua, mas suas preocupações são outras. Seus valores mudam. Muitos, na esquerda, dizem que isso é bobagem. Que são, todos, pobres em níveis diferentes. Mas não se sentem pobres. Sentem-se de classe média. Sonham crescer e veem o trabalho árduo como caminho para tal. Não se sentem explorados e acham ofensivo quando alguém sugere que são iludidos.
O discurso que o bolsonarismo faz tem um grande mérito: compreende esses brasileiros, valoriza como eles se veem. Oferece soluções, ainda que apenas no discurso, aos problemas que os eleitores sentem ter. A esquerda os trata como pobres, uma gente enganada com facilidade, que não tem capacidade de compreender o que é melhor para si mesma. Isso quando não parte para um discurso de desprezo.
Ainda é tempo para perceber: o problema não é a desinformação. O problema é a mensagem.
Para os “çábios” da comunicação do “delegado prefeito” Paulo Norberto Koerich, PL, lerem. Os sinais estão trocados. O povo o elegeu amplamente por mudanças ao que estava. A comunicação ainda não entendeu isso. Na Câmara, a bancada do governo, pelo jeito que vai, vai ser comida naquilo que provoca, não realiza e não compõe a favor do governo.
Os “macacos velhos”, estão a espreita e agradecidos.
Enquanto vereadores bancarem “influencers” (quem mesmo essas pessoas influenciam?!), Gaspar jamais sairá do atoleiro que se encontra.
É muito “flash”, muito “rec” e pouca prática.
Pior são os eleitos, que se iludem como se de um título nobiliárquico fossem proprietários.
A população não merece. Ou melhor, merece e merece muito, pois foram os seus representantes eleitos.
Cobrar mudanças de gente reeleita? Ora, se reelegeram, é porque está tudo indo muito bem, não é?
O instituto da reeleição deveria ser expurgado do ordenamento do país. Para qualquer cargo.
Abrir os olhos pode doer, mas é necessário.
Mas, pela reação, não querem que os olhos do povo sejam abertos. Precisam da ignorância coletiva para a sobrevivência num mundo de medíocres.
Sempre pensei assim, mas…
COM UM REI NA BARRIGA, por João Pereira Coutinho, escritor português, doutor em ciência política pela Universidade Católica Portuguesa, no jornal Folha de S. Paulo
Quem precisa de políticos? Não seria melhor ter um CEO dirigindo o país? Alguém com espírito analítico e prático, em busca do bem comum?
A pergunta é frequente entre as almas desiludidas com a fauna política. Mas agora há um “filósofo” disposto a defender esse tipo de regime. O nome é Curtis Yarvin e, segundo o New York Times, é nome influente no movimento Maga e no Vale do Silício.
Fácil entender por quê. A democracia não serve, diz ele em entrevista ao jornal. É demasiado lenta com seus freios e contrapesos.
Melhor entregar o governo a um rei-ditador-CEO (ele vai mudando os nomes) capaz de atuar sem esses obstáculos. Donald Trump, logicamente, é esse rei-ditador-CEO, espera Yarvin.
Não vale a pena perder tempo com coisas óbvias. A lentidão da democracia não é um defeito de fábrica. É uma salvaguarda necessária para evitar, precisamente, a emergência de um rei absoluto. Os tais Pais Fundadores dos Estados Unidos sabiam o que faziam.
Além disso, a afirmação de Yarvin de que os reis, no passado, conseguiram construir a civilização de forma pacífica deve ser novidade para os historiadores das Cruzadas, da Guerra dos Cem Anos, da Guerra das Rosas, da Guerra dos 30 Anos, da Guerra Civil Inglesa et cetera.
Curtis Yarvin delira. Mas, apenas como hipótese, vamos levar a sério o delírio: por que não entregar o governo a um CEO?
A resposta é mais simples do que parece: porque um país não é uma empresa. A ambição de confundir os dois é uma ameaça direta à liberdade dos indivíduos.
Foi Michael Oakeshott (1901-1990) quem, há precisamente 50 anos, lidou com essa confusão no seu “On Human Conduct” (1975). Raros foram os livros que tiveram uma tão grande influência na minha cabeça. Existem dois tipos ideais de associação humana, lembrava ele. Existe a “associação de empreendimento” (“enterprise association”,no original) e a associação civil.
A primeira não descreve apenas uma empresa. Pode ser uma universidade, um sindicato, um clube —no fundo, o que define a associação de empreendimento é o fato de procurar um fim determinado— o lucro, o conhecimento, melhores salários, vitórias esportivas etc. Todos os membros da associação de empreendimento contribuem para esse fim.
A associação civil é outra coisa: um tipo de associação onde os membros, respeitando regras e leis gerais, procuram os seus próprios fins. Idealmente, o Estado democrático deveria ser uma associação civil, não uma associação de empreendimento, defende Oakeshott. E por quê?
Por uma questão de liberdade. Numa associação de empreendimento, a liberdade dos indivíduos está sempre preservada porque eles podem entrar e sair da empresa, da universidade ou do clube. Ou seja, não são prisioneiros dela.
Mas como sair da condição civil? Como sair da sociedade política organizada?
Romantismos à parte, não é possível. Na associação civil, a minha liberdade só pode ser preservada se essa associação não se transformar numa associação de empreendimento. Precisamente porque eu não escolhi entrar e não posso escolher sair.
Dito de outra forma, eu só serei livre se o governo não transformar a sociedade numa empresa onde todos têm de se submeter ao mesmo fim, quer queiram, quer não.
Na sua cabeça pueril, Yarvin argumenta: as melhores coisas da vida foram feitas por empresas. Basta olhar ao redor para os objetos do cotidiano. Como duvidar da excelência e da benevolência de um governante-CEO? Mais uma vez, o “filósofo” delira.
O progresso material é valioso e insubstituível, ninguém nega. Mas esse progresso também é feito de erros, fracassos e abusos porque nem todos os empresários correspondem à imagem platônica que Yarvin tem deles.
De resto, “as melhores coisas da vida” não se resumem à evidência material. Só uma criança, fascinada pelos seus brinquedos, seria capaz de acreditar no contrário.
Agora que Donald Trump inaugura o seu segundo mandato com um poder quase absoluto, a esperança derradeira é que ele não tente transformar os Estados Unidos numa empresa, submetendo os americanos (e não só) a um único fim.
Para que essa esperança se cumpra, é bom que a democracia liberal funcione. Que seja lenta. Que seja pausada. Que os freios e contrapesos da Constituição funcionem.
Que a descentralização administrativa que tanto encantou Tocqueville —a teia de governos estaduais, locais, regionais, distritais— possa atrasar ou suspender os piores caprichos do novo César.
E, claro, que o novo César seja mais inteligente do que a corte de “filósofos” que o rodeia.