Pesquisar
Close this search box.

QUEM DERROTOU KLEBER, MDB, PSD E PP EM GASPAR? A FALTA DE RESULTADOS, TRANSFORMAÇÕES SOMADAS À FALTA DE TRANSPARÊNCIA, EQUIPES EFICIENTES, LIDERANÇA POLÍTICA E ADMINISTRATIVA. NADA MAIS. TANTO QUE SE PEDIU PELO MILAGRE. E ELE NÃO VEIO

Alterado e revisado às 9h02min deste 10 de outubro de 2024. Este é o meu terceiro comentário após a derrota humilhante que o prefeito de dois mandatos, Kleber Edson Wan Dall, MDB, sofreu nas urnas no domingo passado ao tentar, desesperadamente e na última hora, fazer o seu vice Marcelo de Souza Brick, PP, o sucessor de um falso legado de realizações. Este ao menos era o mote da campanha. Esta, ao menos, era o contraponto à uma suposta oposição, que coitada, se resumia neste último mandato, mal e mal, a dois vereadores em 13.

Isto explicitei, de forma clara no comentário de segunda-feira sob o título OS VOTANTES DE GASPAR DERROTARAM ESMAGADORA E SILENCIOSAMENTE KLEBER (E A BANCADA DO AMÉM) NAS URNAS. ESTAVA À VISTA DE TODOS NA CIDADE E NOS TEMAS CENTRAIS DOS COMENTÁRIOS DAQUI, POR ANOS AFIO. ERAM ADVERTÊNCIAS À FALTA DE RESULTADOS, AO DISCURSO VAZIO, AO ENFRENTAMENTO CONTRA OS CRÍTICOS, À FANTASIOSA LIDERANÇA E ARMAÇÕES POLÍTICAS A INTERESSES PEQUENOS. Não vou repeti-lo.

O primeiro erro deste plano de poder de 30 anos que mal durou oito, foi ouvir a cotovia cantar em algum lugar e os que sempre se dizem “especialistas em cantos de cotovias” não entenderem exatamente o que ela cantava. Mas, terem a certeza que entendiam o canto dela. 

Alguém entendeu que o MDB de Gaspar tinha que “renovar” seus quadros e assim ocupar espaços do passado no presente e no futuro, para não exatamente cair na armadilha do outrora histórico nacionalmente MDB de Blumenau que tentava imitar, o qual nem mais existe por lá. Sequer possui representação política na Câmara de Vereadores e há várias legislaturas. Entendimento teórico correto esse da “renovação”, admito. 

A RENOVAÇÃO ATOLADA NO ATRASO

A execução dessa tal “renovação” por aqui, todavia, e aí vem o segundo e fatal erro, mesmo sendo fortemente questionada sob todos os aspectos desde o início e ouvi isso da boca do próprio ex-prefeito (1973/77) e eterno presidente do partido em Gaspar, Osvaldo Schneider (1944/2022), não foi abortada, reorientada ou reformulada. E ele não viveu o suficiente para ver a sua “profecia” ser realizada. À medida que este assunto aparecia para ser debatido, saia-se como coisa dos “velhos” que não queriam largar o “velho” osso desgastado. Se tivessem olhado para a vizinha e pequena Ilhota, talvez os do MDB daqui estivessem no poder ainda hoje.

O resultado está aí. E não aconteceu no domingo como provarei em dois áudios e um vídeo a tal renovação, ao menos nos métodos de liderar e irradiar credibilidade. Os áudios e vídeo são para eu ser curto e grosso e poupar todos os meus leitores e leitoras dos meus textões, bem como uma maioria que não possui mais paciência para ler. São cenas explícitas de um coronelanissimo messeânico, que já não pode mais prosperar entre nós, foi repaginado de “renovação”. E como tal, não deu certo

Renovar, não significa trazer jovens sem estarem vestidos das causas do partido – ou comunitárias – e promovê-los para dar apenas aparência e satisfação à uma onda da moda ou externa. Renovar, não significa, acima de tudo, entregar a bandeira de uma causa política, partidária, ideológica e administrativa a quem não possui capacidade e principalmente esta liderança identificada. O portador da mudança precisa antes ser inspirador dessa confiança não apenas entre os seus do partido ou de afinidades ideológicas, mas principalmente, aos que precisará convencer, conquistar, aglutinar não os deixando desgarrados – de má, boa fé e pretextos -, por o líder possuir exatamente este crédito.

Assim, nasceu – e agora morreu em seu próprio caldo – Kleber. Vai ter que se reinventar sob todos os ângulos caso ele queira se analisar. E talvez nem seja no próprio MDB, cada vez mais raquítico e dividido por aqui. Kleber já o usufruiu. O MDB, com todos os perrengues, inclusive no âmbito estadual, onde está sendo comido e diminuido pelo governador Jorginho Melo, PL, ainda é uma chancela nada desprezível para abrigar, convergir e até se chantagear nos projetos políticos.

“A ESPERTEZA QUANDO É MUITA, ELA COMEU O DONO” (Tancredo de Almeida Neves)

Retomando

Assim sobreviveu, por esperteza, o arquirrival do MDB de Gaspar ao tempo de Kleber, o PP – que já está “montado” no governo de Paulo Norberto Koerich, PL desde a campanha e dele sugará tudo o que puder, como mamou nos dois mandatos de Kleber (2017 a 2024), no de Adilson Luiz Schmitt (2005/2008), então no MDB e hoje no PL, bem como até, vejam só, nos governos do PT de Pedro Celso Zuchi, principalmente no terceiro mandato, de 2013 a 2016, devido à fragilidade da governabilidade na Câmara. 

Registre-se de que, do mesmo modo errático e movido unicamente pelo resultado imediato de poder, também se sucumbiu o PSD em Gaspar, quando perdeu a sua própria identidade e se aliou a Kleber em 2020, oferecendo Marcelo ao altar dos sacrifícios. Tudo isso que se encerrou no domingo às 17h, bem resumido, não se trata de um memorial glorioso, mas de um amplo obituário político-partidário, que aconteceu de forma lenta, sistemática e gradual, fruto de sucessivos erros táticos, que muitos disseram ser uma estratégia salvadora e de redenção da tal “renovação”. Incrível. Nem mais, nem menos.

Entretanto, não é este o ponto focal do comentário de hoje – que já rendeu por anos e não foi ouvido e renderá ainda por muitos outros anos e não será ouvido. O testemunho disso tudo são os dois áudios e o vídeo que estão abaixo.

Eles são simbólicos. Eles provam o que todos em Gaspar sabiam e que o velho (e falecido) líder Paca (Osvaldo Schneider) advertia para o erro que se cometia em apostar em Kleber. Finalmente, a “profecia do Paca”, para a irratação de uns e o contentamento de outros, foi consumada no domingo e que ele próprio – talvez aliviado – não pode testemunhar: à incapacidade de Kleber para liderar e entregar resultados não apenas ao MDB – ou ao grupo que se uniu a ele -, mas à cidade, aos cidadãos e cidadãs, até porque, todas as estatísticas e manchetes Brasil afora desde segunda foi: prefeitos que entregaram resultados ou se reelegeram, ou fizeram seus sucessores, independente da ideologia, da religião e da moralidade. E foi assim na maioria esmagadora dessas prefeituras.

Um prefeito, é acima de tudo, um síndico. Kleber vivia em múltiplas reuniões de planejamento e aparições em redes sociais com o um locutor de si mesmo. Agora, é o presidente voador da tal Fecam – Federação Catarinense dos Municípios – ajudado pelo braço direito pego em conversas cabulosas por aqui, Jorge Luiz Prucino Pereira, PSDB. Kleber sabe muito bem do jeito que está a prefeitura. Para andar pelas próprias pernas terá antes achar as muletas. Paulo Norberto Koerich e os seus “çábios” que se cocem, se atentem e se apressem nessa transição, já ofertada pelo próprio Kleber, o melhor gesto que fez pela cidade nos últimos anos. Se Paulo se decuidar, ficará meses procurando o fio da meada, enquanto será cobrado por resultados que não poderá entregar como prometeu. Os perdedores, macacos velhos nesta lida, já sabem o que cobrar e por quem.

O VELHO E O NOVO SÃO IGUAIS. NADA MUDOU EM QUASE OITO ANOS. E O PEDIDO DE MILAGRE NÃO FOI ATENDIDO

Quando o prefeito Kleber, como líder que insistia em se rotular por seu caro aparato marqueteiro, logo nos primeiro dias de governo e incapaz de dialogar com uma Câmara dividida, mostrou que escolheu o caminho velho e errado para gerenciar a política, a sua gestão, confilitos e produzier resutlados comuns. Por isso, Kleber não exitou e deu sinais claros de que não tinha qualquer cacoete de liderança e para substitui-la, virou chefe à moda bem antiga. Mal orientado, sem discerdimento das consequências para sua função e imagem, impôs, sob ameaça, os que ele empregava no ambiente da administração pública, por favores políticos, em cargos de comissão e de confiança.

E por fez isso? Para intimidar adversários na Câmara de Vereadores onde tentava passar um Projeto de Lei polêmico do seu interesse quando percebeu que o projeto encontrava resistências e poderia ser derrotado. Diálogo zero. Liderança, nula. Este assédio foi em 2017. Quase lhe custou o mandato. Mais, desgastes e custos para o abafa. Com o gesto torto, Kleber ficou ainda mais refém daquilo que não liderava. Ouça. Guarde bem.

Guardaram bem? Qual a diferença deste áudio acima para este abaixo e destas semanas de setembro de desespero na corrida eleitoral? Nenhuma! Aprendizado, zero. O método é o mesmo. É a antítese do verdadeiro manual de um líder, o qual convida, inspira e traciona seus liderados aos seus objetivos e resultados porque eles fazem parte de algo inovador, transformador e valorizado pelo coletivo. Depois de quase oito anos de governo, Kleber teve que tirar a cinta cintura e dizer aos seus que a usaria em lugar diferente para onde ela foi feita e para estar. Impressionante!

É assustador. E tem mais.

Quase ao final da campanha eleitoral deste ano, alertado de que tudo se deteriorava – e sem conserto -, o jovem político Kleber, alçado à liderança política (antes tinha sido vereador e até presidente da Câmara), num ambiente até então maciçamente católico – origem de dezenas comunidades espalhadas pela cidade, padres nascidos aqui espalhados pelo Brasil, além de bispos e até arcebispos e agora um cardeal nomeado pelo Papa Francisco, vindo ali do Poço Grande, Dom Jaime Spengler, que aglutinou a representação evangélica neopentecostal em ascensão por aqui, reagiu. Ela foi pública e de uma forma quase que institiva, entretanto, não tão inesperada como pode se supor.

Foi assim que ele conquistou os políticos sem votos; os que não queriam o MDB morto e não tinham alternativas em seus quadros; os que pagam fantoches para serem seus políticos estimação. Foi assim que Kleber seduziu a classe rebanho, a mais conservadora, pobre, ordeira e temente a Deus.

Transtornado e incorporando um pastor imaginário, invocou o “Senhor” e pediu a salvação divina para a cidade dos demônios que supostamente queriam tomá-la das mãos dele pelo voto. E esta “salvação” não veio. Se milagres existem, antes é preciso se ter fé. E na gestão – pública ou privada -, não há milagres: há trabalho duro, há conhecimento, liderança, coordenação, objetivos, prioridades, planejamento, plano dois – pois que não o tem, não terá o plano um – persistência, equipe qualificada ou especializada, lealdade e resultados.

É isto que dá reconhecimento interno em primeiro lugar. É isto que transpira e se reconhece externamenteem um líder. Simplesmente assim. Kleber achou que, entre tantos pecados capitais para um gestor, que o “Senhor” ainda o salvaria da crucificação. Não salvou. Nem milagres, diante de tantos pecados capitais, mesmo com duras penitências o salvaria do resultado de domingo passado. Muda, Gaspar!

TRAPICHE

Um indicador da insatisfação do gasparense com a atual administração e o rol de candidatos, ou candidatos que são continuação do que está aí, mas se nega, é o alto índice de rejeição: 28,67% dos votos foram perdidos. Dos 51.146 aptos, 39.013 foram considerados válidos, 943 votos brancos, 980 nulos e 12.143 nem foram as urnas no domingo passado.

Candidato tinha um amigo migrante como cabo eleitoral dele em Gaspar, exatamente para melhor se comincar com os migrantes. Tudo combinado e aparentemente tudo ia certo. Até uma semana antes da eleição, quando o cabo pediu um “reforço” na sua cota financeira. O candidato daqui, de bolsos vazios, quis sabewr à razão do “estra”. “É que preciso para pagar a passagem para ir votar lá no Pará. O candidato de lá só paga me a volta“. Como alguém vai se eleger com um cabo eleitoral fiel como este que nem título estava transferido para Gaspar?

Desisti de escrever – como prometi há duas semanas – sobre as pesquisas eleitorais feitas por aqui para as eleições de domingo passado. Alguns institutos estão obrigados a devolverem a dinheirama que cobraram de quem os contratou. Simplesmente assim. Errar é uma coisa. E há uma margem de errro que os próprios institutos dão como possível. Agora, inventar números tão disparatados quanto estranhos, e publicá-los, é coisa bem diferente.

A eleição em Gaspar terminou no domingo? Engano. Ela continuou e deverá contaminar o governo de Paulo Norberto Koerich, PL. Vaidades, distribuição de poder e vinganças. Entre os perdedores? Não. Pasmem, entre os vencedores. Os bombeiros estão usando litros e litros de água e espuma. E mesmo assim…

Como as coisas são doidas e contraditórias na comunicação. Ela desafia à sua própria credibilidade. O serviço de metereologia há semanas vem anunciando que as chuvas desta semana, especialmente a partir de ontem, seriam a tônica – e até preocupantes – no Vale do Itajaí, incluindo em Blumenau. A NSC TV de Blumenau, noticiando em detalhes tudo isso e nos apavorando.

Mas, por outro lado, no seu “Jornal do Almoço”, uma revista jornalística local, todos torcendo para que a chuva, por milagre, parasse, e pudesse assim, haver o tradicional desfile de abertura. É claro que foi cancelado. Parecia o prefeito Kleber Edson Wan Dall, MDB, de Gaspar, a espera do milagre na eleição de domingo passado e que lhes relatei acima.

Na Vila Germânica, o secretário de Turismo de Blumenau, Marcelo Greuel, na mesma pilha a espera de um milagre e diante de todos os dados técnicos, até a uma hora da tarde de quarta-feira ainda não tinha cancelado o desfile. E olha que Blumenau tem o melhor sistema de controle e alerta de Defesa Civil de Santa Catarina. E finalmente, lá no meio da tarde, alguém anunciou que o desfile de abertura da Oktoberfest estava cancelado. Ufa.

Das duas uma: ou a NSC TV Blumenau não acredita na previsão que divulgava por dias de antecedência – e nos enganava e nção era o caso -, e o secretário de Turismo de Blumenau, igualmente, não acredita no acreditado e eficaz AlertaBlu que tão assertivo tem sido até aqui não nos deixou na mão, ou estão todos querendo passar a perna nos que acreditam em boletins meteorológicos. Cada coisa.

Compartilhe esse post:

Facebook
Twitter
WhatsApp
Telegram
LinkedIn
Email

15 comentários em “QUEM DERROTOU KLEBER, MDB, PSD E PP EM GASPAR? A FALTA DE RESULTADOS, TRANSFORMAÇÕES SOMADAS À FALTA DE TRANSPARÊNCIA, EQUIPES EFICIENTES, LIDERANÇA POLÍTICA E ADMINISTRATIVA. NADA MAIS. TANTO QUE SE PEDIU PELO MILAGRE. E ELE NÃO VEIO”

  1. Pingback: O ENTÃO "PODEROSO" MDB DE GASPAR FOI O QUE MAIS SENTIU A DERROTA NAS ELEIÇÕES DESTE ANO. ESTÁ À MÍNGUA E ÓRFÃO. AGORA, PROMETE MUDAR E FAZER DAS CINZAS UM RECOMEÇO. MAS QUEM VAI LIDERAR ESTE PROCESSO? O VEREADOR CIRO? - Olhando a Maré

  2. A VIDA DE AIMÉE, A NAMORADA DE VARGAS, por Elio Gaspari, nos jornais O Globo e Folha de Paulo

    Está nas livrarias “A Bem Amada”, do repórter Delmo Moreira. Conta a vida de Aimée Sotto Maior, uma grande mulher. Paranaense, ela se casou em 1932 com Luiz Simões Lopes, o homem que redesenhou o serviço público brasileiro. Em 1937, Aimée começou a namorar o presidente Getúlio Vargas. Por dois anos ele viveu uma paixão fogosa e chamou-a de “A Bem Amada”. Amavam-se até no mato.

    Aimée tinha 23 ou 33 anos. Ele, 55. Ela morreu em 2006, aos 93 ou 103, sem jamais contar a idade, “nem para o médico”. Segundo Delmo Moreira, o namoro com Vargas começou quando ela tinha 30 anos. O romance e a intensidade da paixão de Vargas por Aimée só foram revelados em 1995, com a publicação do diário dele. Quando Vargas matou-se, ela pediu à filha apenas que rezasse por ele. Aimée nunca tocou no assunto.

    A namorada de Getúlio Vargas poderia ter virado um asterisco na biografia dele, mas foi ele quem virou um capítulo na dela.

    Aimée deixou Simões Lopes, Vargas e o Brasil em 1938. Um ano depois, com um modelo desenhado por um jovem figurinista chamado Christian Dior, ela brilhava na última grande festa de Paris antes da invasão alemã. Uma convidada lembraria: “Era tão linda, tão genuinamente agradável e exuberante, coberta de diamantes… Foi praticamente comida viva”’. Nas mesas, um Rothschild, os duques de Windsor, a neta da princesa Isabel e o diabólico embaixador americano William Bullitt, que anos antes dera em Moscou o Baile de Satan.

    A linda loura de olhos azuis virou Aimée de Heeren, casando-se com o herdeiro do criador das lojas de departamentos nos Estados Unidos e entrou na lista das mulheres mais elegantes da revista “Time”. Dividia seu tempo entre Biarritz (onde ganhou de Juscelino Kubitschek o consulado do Brasil), Paris, Palm Beach e Nova York, com uma casa em cada cidade.

    Numa época em que se falava em “alta sociedade”, ela estava em todas. Quando o magnata mexicano Carlos de Beistegui deu em Veneza uma das grandes festas do pós-guerra, ela estava lá. Encantou o cineasta americano Orson Welles e namoraram por uma semana. “Ele era muito chatinho”, Aimée contaria a uma amiga.

    A rainha Elizabeth foi coroada em 1952, e ela estava lá, com o embaixador brasileiro Assis Chateaubriand. (Chatô, saiu da Abadia levando a cadeirinha dos convidados.) Era vizinha de Joseph Kennedy, pai do que seria o futuro presidente americano e imprudente predador das jovens convidadas dos filhos.

    Em 1990, quando morreu um nobre alemão de suas relações, ela ligou para uma amiga: “O conde morreu, vamos ao enterro? Vai estar todo mundo lá.” Ao funeral do duque de Buccleuch, ela foi com um tailleur marrom, para não ser confundida com a viúva, pois havia motivos para isso.

    Gilberto Freyre, que tinha fixação numa Wanderley do século XIX, encantou-se com ela e chamou-a de Sinhazinha da Várzea do Capibaribe: “Não há nenhuma, porém, que seja tão sinhá, como Aimée, Condessa de Heeren.” Condessa, ela nunca foi.

    Aimée veio ao Brasil pela última vez em 1996. Dizia que Pindorama ficava “muito longe”. Morreu dez anos depois, em Nova York. Na juventude, ela foi de zepelin para a Suíça. Mais tarde, voou no supersônico Concorde para Paris.

    Sua casa de Nova York foi vendida em 2007 por 33 milhões de dólares. O leilão do mobiliário mostrou que, na segunda metade do século XX, ela tinha o gosto dos ricaços do XIX.

    BOLSONARO DINÁSTICO

    Há dois meses, circulava no entorno de Jair Bolsonaro a ideia de se colocar sua mulher, Michelle, na vice de um candidato conservador à Presidência da República. Isso, na hipótese provável de ele não se livrar da inelegibilidade.

    Não se pode dizer se a nova variante apareceu antes ou depois da eleição municipal mas, hoje, circula a ideia de se colocar seu filho, o senador Flávio Bolsonaro na cabeça da chapa.

    Essa manobra só deu certo em 1831. Quando D. Pedro I foi para Portugal. À época, o Brasil era uma monarquia.

    BOA NOTÍCIA

    As coisas boas também acontecem. Há três anos o Brasil vivia um pesadelo com um governo que insuflava os militares contra vacinas e urnas.

    Depois do êxito do resgate de 1.500 brasileiros da Faixa de Gaza e de Israel, a Força Aérea já tirou outros 672 do Líbano e estima repatriar três mil pessoas.

    Lula recebeu o primeiro grupo em Brasília, e a operação segue, sem estardalhaço. Parece pouca coisa, mas outros países mais abonados disseram aos seus cidadãos que se virassem. Entre os resgatados pela FAB, vieram também argentinos e uruguaios.

    Em 2020, as coisas eram diferentes. No início da pandemia, a China fechou a cidade de Wuhan onde viviam 11 milhões de pessoas e algumas dezenas de brasileiros. No final de janeiro, o presidente Jair Bolsonaro descartou a ideia de um resgate:

    “Custa caro um voo desses. Na linha, se for fretar um voo, acima de US$ 500 mil o custo. Pode ser pequeno para o tamanho do orçamento brasileiro, mas precisa de aprovação do Congresso.”

    Em fevereiro o vírus já havia se espalhado e o governo mudou de ideia.

    Fala o então ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, em seu livro “Um paciente chamado Brasil”:

    “A operação foi montada para trazer 34 pessoas, mas foram usados quatro aviões e 120 pessoas para resgatá-las, um exagero. Eu disse aos militares que era prudente enviar o menor número de pessoas possível, mas mandaram gente do Exército até para filmar o resgate.

    (…) Montaram uma área de convivência onde os resgatados podiam se encontrar, coisa que ninguém nunca viu num confinamento de combate a uma epidemia.

    Havia um cinema onde todos ficaram juntos para assistir a um filme escolhido a dedo pelos militares: Epidemia.”

    O DILEMA DE LULA

    Lula quis ficar longe da frigideira nas disputas pelo primeiro turno. Talvez tenha sido uma má ideia. Com 15 eleições em capitais na próxima rodada, a chapa esquentou.

    Se ele entrar de cabeça, só poderá proclamar vitória onde tiver conseguido virar o jogo, e essas capitais parecem ser poucas.

    CACHORROS GRANDES

    Foi má a ideia do então ministro do Supremo Tribunal Ricardo Lewandowski de trancar a ação que contestava a lisura dos 36 caças suecos Gripen. Como ensinou o juiz Louis Brandeis, a luz do Sol é o melhor detergente.

    Passaram-se mais de dois anos e o Departamento de Justiça dos Estados Unidos entrou no caso, pedindo informações aos fabricantes suecos.

    O mercado mundial de armamentos é uma briga de cachorros grandes, e os americanos não gostam de perder encomendas. O edital da compra dos jatos mexia com 4,5 bilhões de dólares.

    O pior que pode acontecer é um replay das promiscuidade de procuradores brasileiros com funcionários americanos durante a Lava-Jato.

  3. GUERRA É GUERRA, por Eliane Cantanhêde, no jornal O Estado de S. Paulo
    O poder atrai, mas também divide. A direita sai forte da eleição municipal e já era forte no Congresso, mas, enquanto o pastor Silas Malafaia mira a metralhadora giratória para Jair Bolsonaro e Ciro Nogueira (PP), o deputado Paulinho da Força, presidente do Solidariedade, integrante do Centrão, entra no Supremo com uma ação de impugnação do pacote anti-STF aprovado por ampla maioria na CCJ da Câmara.

    O bolsonarismo caminha rachado para 2026 e o Centrão – grande vencedor das eleições – enfrenta dissidência na guerra do Congresso contra o Supremo.

    O bolsonarismo briga entre si, o Centrão não é um monobloco e os dois também disputam entre si. Fortalecida, a direita começa a delimitar terreno e fronteiras entre extremo, direita e centro-direita.

    A ação do Solidariedade é contra a PEC que dá ao Congresso a última palavra em decisões constitucionais. Na prática, o Supremo deixaria de ser Supremo, o Congresso assumiria esse papel. Logo, a PEC é uma excrescência e a ação contra ela é movida com base numa cláusula pétrea da Constituição: independência entre os poderes.

    Três dias após a eleição, a CCJ, presidida pela bolsonarista Caroline de Toni (PL-SC), já aprovava quatro bombas contra o STF: duas PECs, dando poderes ao Congresso para derrubar decisões da Corte e limitar decisões monocráticas, e dois projetos de lei, ampliando o rol de crimes de responsabilidade dos ministros e permitindo recurso ao plenário se o presidente do Senado recusar pedido de impeachment deles. É guerra!

    Gênese do pacote: começou a ser desenhado quando o Supremo virou o bunker de resistência a um golpe de Estado, recebeu contornos quando bolsonaristas jogaram a opinião pública contra a Corte, foi definida com debates sobre Marco Temporal, drogas e aborto e ganhou cores fortes quando o STF interveio nas emendas parlamentares.

    Em resumo, os bolsonaristas abriram a guerra, os conservadores aderiram e o Congresso se uniu quando o confronto chegou às emendas – ou ao bolso. O pacote extrapolou ao transferir poderes do Supremo ao Congresso e o Solidariedade deu um basta.

    O presidente da Câmara, Arthur Lira, também. Ele mandou os projetos para a CCJ, mas não garantirá a tramitação, principalmente, da PEC que põe o Congresso acima do Supremo. Assim, a guerra começou, avançou e está no estágio de medir forças e negociar. A direita é forte nas urnas e no Congresso, mas nem toda ela é extremista nem passa ilesa por investigações e processos.

  4. LIMITAR DECISÃO MONOCRÁTICA AJUDA EQUILÍBRIO INSTITUCIONAL, editorial do jornal Folha de S. Paulo

    As decisões monocráticas, pelas quais um dos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal arbitra, a título precário, sobre litigâncias que não raro envolvem somas e questões gigantescas, são uma decantada anomalia brasileira. Acabar com elas, ou reduzi-las ao mínimo necessário, deveria ser objetivo de todos os que almejam uma institucionalidade mais equilibrada.

    Por isso, a proposta de emenda à Carta que praticamente fulmina o poder do juiz da corte de suspender sozinho os efeitos de leis aprovadas no Congresso e sancionadas pelo presidente da República deveria ser encarada como um avanço —a despeito de a motivação por trás de muitos apoiadores do diploma ser a de desfechar uma vendeta contra o STF.

    O projeto, aprovado por 64% dos senadores em novembro de 2023, recebeu nesta quarta (9) o aval da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara. Ele também estipula prazo de seis meses após a concessão de liminar para que o colegiado do tribunal decida o mérito das ações que pleiteiam a declaração de inconstitucionalidade de uma lei.

    Há virtudes em ambos os movimentos. Ao circunscrever o período em que a validade de um diploma legal permanece em dúvida, a PEC favorece a segurança jurídica. Ao restringir a atuação solitária de ministros, ela valoriza a colegialidade, a pedra angular de um tribunal constitucional.

    A proposta não retira nem sequer um milímetro do poder da corte. Na verdade o fortalece.

    O mesmo não se pode dizer dos outros projetos que versam sobre o Supremo também aprovados pela CCJ da Câmara. Nesse caso, o ânimo de ir à forra contra o tribunal —que mantém suspensa a execução das bilionárias e opacas emendas parlamentares— reduz competências do Judiciário e carrega apenas elementos nocivos ao equilíbrio institucional.

    A maior aberração seria conceder ao Congresso, como dispõe um desses projetos, o poder de suspender decisões do STF. O princípio civilizatório da separação dos Poderes, cláusula pétrea da Constituição de 1988, restaria irremediavelmente conspurcado pela medida, que transformaria o Legislativo federal num Leviatã.

    Também não passam no teste de integridade as propostas que ampliam casos em que ministros do Supremo estariam sujeitos a impeachment. Trata-se de tentativa rasteira de intimidação por uma franja de lunáticos que abraçou o autoritarismo bolsonarista e deseja ver a corte de joelhos.

    Não há dúvidas de que o Supremo deveria ser mais reverente ao produto de tramitações legislativas, que envolvem votações majoritárias de representantes eleitos pela população em duas Casas independentes. O método para atingir esse objetivo, porém, não pode ser a subtração de prerrogativas da Justiça nem a ameaça.

    Enfrentar o problema com maturidade deveria passar pelo reconhecimento, pelo Congresso, de suas próprias exorbitâncias, como o gasto ciclópico com emendas e fundos partidários.

  5. É PRECISO ISOLAR A DIREITA RADICAL, por Carlos Alberto Sardenberg, no jornal O Globo

    Antigamente era mais fácil. Na direita, estavam os liberais. Prezavam as liberdades individuais e a economia de livre mercado. Na esquerda, os socialistas (no sentido europeu). Prezavam os direitos sociais, a intervenção do Estado para distribuir renda, produzir bens e serviços e controlar o capital privado.

    Daí resultavam as políticas de governo. No lado liberal, coloquemos Ronald Reagan e Margaret Thatcher. Seus slogans: reduzir impostos; tirem o Estado de nossas costas. No lado socialista, o François Mitterrand do primeiro mandato. Seu slogan: estatizar, de bancos a fábricas de carros.

    No Reino Unido, sucedendo a governos trabalhistas que haviam ampliado o setor estatal, Thatcher precisou recorrer às privatizações — tema irrelevante nos Estados Unidos, sempre predominantemente liberais.

    Todos os lados prezavam igualmente o Estado de Direito e a liberdade de imprensa.

    Cabe ressalvar as diferenças entre Estados Unidos e Europa Ocidental. Nesta, a separação entre direita e esquerda era mais definida. Mas, mesmo nos Estados Unidos, os republicanos queriam cortar impostos e liberar a economia, incluindo sistema financeiro e monopólios, enquanto os democratas aumentavam impostos e gostavam de controlar certos setores econômicos. Nos dois casos, a política andava entre dois partidos, acentuando a clivagem direita x esquerda.

    Com o tempo — e dadas as peculiaridades das sociedades mais modernas —, políticos e ideólogos, partindo dos dois polos, se aproximaram do centro. Ainda se separava centro-direita de centro-esquerda, mas havia mais conversa. Temos notórios e bons exemplos de centro-esquerda: Fernando Henrique Cardoso, Tony Blair e Bill Clinton. De centro-direita, para ficar entre nós, poderíamos colocar Tancredo Neves, quando eleito presidente.

    Durante bom tempo essas categorias funcionaram. Os extremos dos dois lados não importavam. Estavam confinados a seus quadradinhos. Sim, houve um terrorismo de esquerda que deixou muitas vítimas, mas foi isolado e repudiado pelas sociedades livres.

    Considerando todos esses critérios — e chegando ao nosso tempo —, Bolsonaro não estaria naquela direita liberal. Não há lugar ali para quem tenta golpe de Estado, defende a tortura e não acredita no valor da liberdade de imprensa. Muito menos cabe no centro, onde se requer moderação. Trump, com seu desprezo pelas instituições democráticas, também está longe da direita liberal.

    Foi preciso, então, recuperar a categoria de extrema direita, ou direita radical, onde, claro, cabem Bolsonaro e boa parte de seus seguidores. Digo boa parte porque muitos de seus companheiros de viagem, que estiveram a seu lado em eleições, aproximam-se mais de uma direita respeitadora das instituições.

    Na prática política cotidiana, muitas vezes esses lados se embaralham, mas continuo achando que vale a pena separar a direita de seus radicais. Querem mais uma razão? Pensem nos eleitores. Não se pode dizer que todo eleitor de Bolsonaro quer uma ditadura. Seria catastrófico se fosse assim. Lembremo-nos: o golpe não vingou. Faltou respaldo na sociedade e mesmo entre os militares.

    Isolar a extrema direita — eis o que seria bom para o país. Muitos perguntarão: não vai falar da extrema esquerda? Do comunismo? Não precisa. Praticamente não existe. Sei que muitos, lá da extrema direita, consideram Lula um perigoso esquerdista. Bobagem. Ele caberia no figurino da centro-esquerda. É estatizante, interfere na vida das empresas privadas, quer mais controle sobre o capital, mas não tem a menor intenção (nem possibilidade) de socializar a economia.

    Em qualquer lado do espectro político, excetuando os extremos, há governos bons e ruins. O de Lula está mais para ruim. E tem alguns desvios graves, como apoiar ditaduras. Tudo considerado, o país estará melhor se isolar a extrema direita, deixando que a disputa política ocorra dentro do campo democrático. Mas, como o Brasil é sempre mais complicado, é preciso acrescentar outras duas categorias: o centro vazio de ideias e o Centrão que vive pendurado no Estado.

    Voltaremos ao tema.

  6. A mídia formal está contra o extremismo da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, presidida pela catarinense da direita radical, Ana Caroline Campangnolo Galvão, PL. Há, realmente um certo exagero da CCJ. Há um certo sinal de beligerância corporativa chantagista dos políticos – em tese nossos representantes – e para o pior: para o Congresso ter acesso ao dinheiro público sem transparência e explicações aos donos desse dinheiro, nós os pagadores de cada vez mais – e inventados e formas mais fáceis de serem cobrados e difíceis de serem reavidos – pesados impostos.

    Mas, esta mesma mídia não consegue enxergar os exageros do STF (e do judiciário em si) que não contido, algum dia, vai lhe calar. Aliás, já há atos de censura prévia, e não é contra jornalecos, ativistas das mídias sociais e outros meios de comunicação. Já pegou os grandões, que estão encurralados, pois o simples e obrigatório ato de recorrer à Justiça para pedir a revisão destas decisões é como falar a surdos, todos divinos, os quais invocam argumentos não contidos em lei alguma ou sob o albergue da Constituição em vigor, a cidadã, a garantidora do estado de direito e da ampla defesa, bem como da livre expressão.

    ESTRIBEIRAS PERDIDAS, por Dora Kramer, no jornal O Estado de S. Paulo

    A oposição ao Supremo Tribunal Federal albergada no Congresso não esperou se completarem três dias da volta do recesso eleitoral para abrir pesada artilharia sobre o Judiciário. Menos de 72 horas depois de desligadas as urnas, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara aprovou quatro propostas, a maioria despropositada, em claro tom de vingança contra o STF.

    Pode parecer estranha a expressão “oposição ao Supremo”, mas é do que se trata na clara deformação institucional posta na relação entre os Poderes da República e que suscita a pergunta: o que está havendo com eles para se comportarem como se numa queda de braço estivessem?

    Fui buscar explicação com o procurador de Justiça e presidente do Instituto Não Aceito Corrupção, Roberto Livianu, cuja resposta veio tão sucinta quanto precisa. Ele atribui essa situação à “perda completa das estribeiras” éticas e institucionais.

    De fato, parece não haver mais limites ao rompimento dos anteparos impostos à convivência independente e harmônica entre Executivo, Legislativo e Judiciário. Uns se aliam a outros e se contrapõem entre si ao sabor das conveniências; muitas vezes extrapolam, cada qual à sua maneira.

    No caso em tela, das deliberações da CCJ consta que foram tomadas no embalo dos bons resultados nas eleições municipais da centro-direita/direita que abrigam os partidos apoiadores das propostas de restringir a atuação do STF, derrubar sentenças e impor punições a ministros.

    Se foi isso, trata-se de uma disfunção além das já conhecidas, decorrentes de vingança contra decisões de ministros sobre vários temas —de emendas parlamentares a condenações de golpistas— e do uso desse tipo de agenda nas negociações pela presidência da Câmara.

    No alto comando da República há excessos e deficiências que precisam de urgente correção, mas isso deve se dar pela via da autocontenção, da consciência de cada uma das instâncias sobre fronteiras que não podem ser ultrapassadas. Sob pena de os garantidores do regime de legalidade avalizarem os defensores de um estado de vale-tudo em que o Estado vale nada.

  7. É DEVER DO CONGRESSO ZELAR POR EMENDAS MAIS TRANSPARENTES, editorial do jornal O Globo

    O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), manteve a suspensão do pagamento de emendas parlamentares, depois de audiência com representantes de Senado, Câmara, Advocacia-Geral da União e Procuradoria-Geral da República. Dino argumentou que Executivo e Legislativo não ofereceram resposta aos questionamentos da Corte visando a dar maior transparência às emendas. Parte das cobranças do STF, segundo representantes do Legislativo, deverá ser contemplada por Projeto de Lei Complementar em elaboração. Mas Dino manteve a suspensão por ver imprevisibilidade na apresentação, tramitação e aprovação da proposta.

    Tornar as emendas parlamentares mais transparentes e rastreáveis não pode ser uma concessão do Congresso. Trata-se de obrigação, sobretudo depois que vieram à tona as distorções das emendas do relator, declaradas inconstitucionais pelo STF. Os caminhos percorridos pelos recursos públicos precisam ser conhecidos, e nos últimos anos os parlamentares têm controlado fatias orçamentárias sem paralelo no mundo. Os congressistas brasileiros destinam 20% dos recursos livres do Orçamento (nos Estados Unidos, 2,4%; na França, 0,1%). Isso mina a gestão orçamentária, tarefa do Executivo.

    Emendas que omitem o nome do parlamentar responsável por destinar os recursos são absurdas por desrespeitarem os princípios constitucionais de transparência, moralidade e publicidade, dificultando a atuação dos órgãos de controle e a vigilância. O segredo sempre pode servir à corrupção. Emendas que nem sequer informam o projeto em que serão usadas, conhecidas como emendas Pix, representam outro disparate. O dinheiro pode até ser bem empregado, mas pode apenas servir a interesses eleitorais. Levantamento do GLOBO mostrou que, das 178 cidades mais beneficiadas por emendas Pix, em cem o prefeito foi reeleito, e em 45 o atual fez o sucessor. Apenas a transparência poderia esclarecer se os recursos foram gastos pensando no interesse da população.

    Além de faltar transparência, faltam também critérios técnicos na distribuição do dinheiro. Mesmo emendas que identificam os parlamentares responsáveis podem apresentar problemas. O repasse das verbas costuma seguir lógica paroquial, não técnica. O estado ou município que recebe o recurso não necessariamente é o mais necessitado. Significa apenas que tem padrinhos mais poderosos. O correto seria os repasses seguirem um planejamento nacional tecnicamente embasado.

    Em que pesem todas as limitações, é questionável o método usado por Dino para saná-las, avançando sobre tema da alçada do Legislativo. Os ânimos entre os Poderes já estão exaltados com a aprovação, na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, de um pacote repleto de propostas descabidas para limitar o poder do Supremo. Evidentemente a decisão de Dino não foi resposta a isso, mas na certa não contribuirá para baixar a temperatura.

    É essencial dar mais transparência e seguir critérios técnicos na distribuição das emendas parlamentares. Mas isso não deve ser obtido por meio de confronto. A iniciativa de diálogo entre os Poderes surgida após a liminar de Dino deveria ser prioritária. Em vez de propostas estapafúrdias como o pacote anti-STF, os parlamentares deveriam criar um mecanismo de acompanhamento transparente e objetivo para os recursos. A bola está com o Congresso.

  8. As instituições não estão funcionando, ministro Barroso

    VENDA DE DECISÕES NO STJ: COAF IDENTIFICA SUSPEITA ENVOLVENDO AUTORIDADES, por Aguirre Talento, no UOL (Folha de S. Paulo

    O inquérito aberto pela Polícia Federal para apurar um esquema de venda de decisões em gabinetes de ministros do STJ (Superior Tribunal de Justiça) avançou para um novo patamar: um relatório de transações financeiras suspeitas produzido pelo Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) apontou indícios do envolvimento de autoridade com foro privilegiado no STF (Supremo Tribunal Federal).

    Por isso, a PF e o Ministério Público Federal solicitaram na semana passada o envio do inquérito para tramitação no STF

    Por causa das restrições do foro privilegiado, o Coaf não informou o nome nem as transações envolvendo a autoridade identificada. A avaliação de investigadores que acompanham o caso é que o órgão de controle financeiro pode ter detectado suspeitas envolvendo algum ministro do STJ, já que o foro dessas autoridades é justamente o STF.

    A existência da investigação foi revelada na semana passada pela revista “Veja” e surgiu depois da apreensão do celular do advogado Roberto Zampieri, assassinado em Mato Grosso em dezembro do ano passado. Nas mensagens do seu celular, a PF obteve indícios de um esquema de venda de decisões judiciais por assessores de ministros do STJ.

    APURAÇÕES ATINGEM QUATRO GABINETES

    O próprio STJ abriu uma investigação interna para apurar as suspeitas e afastar os servidores envolvidos, além de ter pedido abertura de inquérito à Polícia Federal.

    Os elementos colhidos lançaram suspeitas sobre a atuação de assessores que atuaram nos gabinetes de quatro ministros: Isabel Galotti, Nancy Andrighi, Og Fernandes e Paulo Dias Moura. Nos diálogos, advogados e lobistas discutiam com assessores do STJ a redação de minutas de decisões dos ministros, que posteriormente se confirmavam, apontam as apurações.

    A revelação do esquema tem causado desconforto nos bastidores do tribunal. O UOL mostrou que, na última segunda-feira (7), os ministros fizeram uma reunião a portas fechadas para discutir o assunto e alguns deles chegaram a chorar.

    Até então, as suspeitas estavam restritas apenas aos assessores.

    O caso mudou de patamar depois que foi solicitado um relatório de movimentações financeiras atípicas ao Coaf sobre os advogados, lobistas e assessores investigados. Na resposta, o Coaf disse que encontrou transações financeiras suspeitas envolvendo uma autoridade com foro privilegiado perante o STF. Como a investigação não estava no STF, o órgão informou que não poderia dar detalhes sobre a identidade dessa autoridade nem as transações. Por isso, o MPF e a PF pediram o envio do inquérito ao Supremo Tribunal Federal.

    O STF é o único tribunal competente para investigar suspeitas de crimes envolvendo ministros do STJ. O caso ficará sob responsabilidade do procurador-geral da República, Paulo Gonet.

  9. BOLSONARO X TARCÍSIO, por Eliane Cantanhêde, no jornal O Estado de S. Paulo

    O Brasil segue adernando à direita e chegou a hora de debater que direita é essa, ou quais as direitas que disputam hegemonia e o que elas representam e projetam para os dois anos do governo Lula e o futuro. Atenção aos sinais, manifestações e trocas de desaforos no primeiro e já no segundo turno, lembrando que, na política, roupa suja não se lava em casa, como reclamaram os bolsonaristas após os ataques do pastor Silas Malafaia a Jair Bolsonaro. Na política, lava-se na mídia, nas redes e nos palanques.

    Irritado com a covardia e o oportunismo do ex-presidente, que oscilou na campanha de São Paulo ao sabor dos ventos e das pesquisas, ora para Ricardo Nunes, ora para “aquele outro”, Malafaia distribuiu impropérios contra ele em várias entrevistas e deixou uma pergunta para a história na que deu para a jornalista Monica Bergamo: “Que porcaria de líder é esse?” Taí, excelente pergunta.

    Registre-se também o muxoxo do 02, Carlos Bolsonaro, campeão de votos na sua sétima eleição para vereador no Rio: “Os votos do Nunes foram do meu pai, não do Tarcísio”. Passou recibo, soou como dor de cotovelo. E a turma do governador Tarcísio de Freitas adorou, claro, como reconhecimento à importância dele na ida de Nunes para o segundo do turno, no primeiro lugar.

    O saldo do primeiro turno é cristalino: derrota da esquerda, ocaso do PSDB, fortalecimento do Centrão (leia-se direitão) e racha no bolsonarismo, entre radicais e pragmáticos. Apesar do barulho e da exposição daquele candidato esquisito na principal capital, Bolsonaro continua sendo líder dos radicais, mas passou a ter a real concorrência de Tarcísio, que vem sendo moldado como líder dos moderados.

    Um bom teste é na guerra da Câmara contra o Supremo. Três dias depois do primeiro turno, a CCJ já aprovava propostas para se autoconceder poderes, inclusive, para derrubar decisões da Corte, o que é flagrantemente inconstitucional.

    Se as eleições municipais praticamente escaparam da polarização, ela volta com tudo no Congresso e reflete agora nos ataques ao Supremo.

    A dúvida é como vota a tal “direita moderada”, particularmente a de Tarcísio, Kassab e PSD, que se arvoram herdeiros do PSDB, contraponto ao radicalismo bolsonarista e a grande força política pós-Lula. Vai aprovar a guerra contra o STF? Essa pergunta não tem resposta por ora, basta ver o pragmatismo do estrategista Kassab, que mantém um pé na canoa de Tarcísio e outro na de Lula. Quer saber? O mais provável é que dois terços do PSD votem a favor do Supremo e um terço contra. Ou seria o contrário?

  10. Todo ser minimamente inteligente tem esta noção geral da situação geo-ideológica. Menos os que gerem e os que ocupam a esquerda do atraso no Brasil, a começar pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, PT, que continua no século passado – cujos líderes já morreram ou se reciclaram, minimamente – e no falido modelo sindical pelego. Estamos em meados dos anos 20 do século 21.

    A ESQUERDA NÃO SE RECICLA E SE COMPLICA, por Dora Kramer, no jornal Folha de S. Paulo

    O governo e o PT fazem o possível quando analisam o fraco desempenho do partido e da esquerda em geral no primeiro turno das eleições municipais. Dizem que a “frente ampla” venceu e que a recuperação da situação desastrosa iniciada em 2016 já começou, mas leva tempo.

    A ilusão é o que está ao alcance de um grupo político resistente à autocrítica, mas o buraco é maior e mais embaixo. Localiza-se em boa medida na perda gradativa daquele que já foi o maior ativo dos petistas na voz de Luiz Inácio da Silva: a identificação popular.

    Guardadas as proporções gigantescas, foi assim que o PSDB deu os primeiros passos na direção da derrocada. Desde que os tucanos saíram do poder central, há mais de 20 anos, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso alertou reiteradas vezes a necessidade de o partido retomar o diálogo estabelecido com a sociedade quando do Plano Real e de bem-sucedidas reformas como a privatização das telecomunicações.

    FHC não foi ouvido, e assim o tucanato começou sua obra de demolição, cujo poço ainda sem fundo materializou-se nos menos de 2% de votos obtidos no último domingo (6) em São Paulo, resultado de mais uma das várias escolhas erradas do partido.

    São trajetórias diferentes; muito pouco os aproxima. Considerando aí a origem do PT, a existência de consistente base social, a presença de um líder inconteste e o fato de ocupar a Presidência da República pela quinta vez depois de percalços que teriam dizimado qualquer outra força política.

    A desconexão popular está presente e muito evidente. Eleito por pouco em função de uma frente de combate a Jair Bolsonaro, Lula governa como petista e mais: das antigas. Defende teses superadas no uso de linguagem em desuso para atender anseios que não são os demandados hoje pela população. Às vezes parece estar nos anos 1980, no estádio de Vila Euclides, tão obsoleto soa o discurso.

    Um fator agrava o quadro: no PT não se faz esse tipo de alerta em público. Nenhuma figura relevante ousa constatar o óbvio. Esse debate está interditado por receio de que ele enfraqueça a fortaleza de um líder cuja manutenção de influência dependeria da renovação de conceitos. Assim, negação é a palavra de ordem, como foi no mensalão e nas descobertas da Operação Lava Jato.

    A julgar pelas reações de Gleisi Hoffmann e de Alexandre Padilha, a orientação é recorrer ao abrigo da tergiversação. A presidente do partido disse que o PT “saiu do calvário e está em reconstrução”, tendo obtido um resultado positivo. Referia-se à conquista de mais 70 prefeituras em relação a 2020, mas não falou na perda do chamado “cinturão vermelho” na Grande São Paulo e de outros obstáculos país afora que podem deixar os petistas de novo sem o comando de nenhuma capital.

    Comparando com a performance dos partidos de centro-direita e direita foi uma lavada. Os números, faltando ainda os municípios onde haverá segundo turno, mostram um placar de 742 da esquerda contra 4.729 do campo ideológico adversário.

    Padilha, ministro da Articulação Política, saiu-se com uma explicação que não para em pé ante a realidade. Segundo ele, o resultado foi positivo porque os partidos que avançaram fazem parte da base do governo.

    Por essa versão, teria sido uma vitória da aliança ampla que elegeu Lula e governa com ele. Não é verdade. Na principal disputa do país o presidente apoia um candidato (Guilherme Boulos, do PSOL) cujo oponente (Ricardo Nunes, do MDB) tem em sua coligação todas as legendas do centrão que formalmente fazem parte da chamada base.

    Esses partidos obtiveram vitórias expressivas Brasil afora na vasta maioria concorrendo no campo oposto e falando idioma contrário ao empregado pelo Planalto. Em suma, estiveram em campo oposto. Talvez sejam agora estimulados a seguir caminho próprio no futuro próximo de 2026.

    Caberia ao PT e à esquerda parar de dourar e olhar a pílula como ela é, amarga, para então se reciclar.

    1. Não se trata de estarem dentro ou fora do governo os leitores e leitoras de versículos (a gosto da decoreba fácil). Trata de separarem as coisas. Não se administra a cidade de um altar ou de um púlpito missionário de templo, nem a bíblia é a lei dos homensda cidade. A prefeitura não é lugar para santos e profetas, nem para polícia – a não ser se há coisas erradas. A prefeitura é para quem posssui letimidade por mandatos, ou função pública outorgado pela autoridade mandatária. É um lugar competentes e ilibados, com fé ou ateus, obrigados a produzirem resultados pelo bem comum de todos. É isso que eu penso. Mas, já estão desvirtuando tudo e aos olhos dos novos eleitos e sem medo de testemunhas disso. Muda, Gaspar!

  11. A POLARIZAÇÃO NÃO ACABOU, por Malu Gaspar, no jornal O Globo

    Os resultados do primeiro turno, com a vitória numérica dos partidos do Centrão e a reeleição de dez prefeitos de capitais, fizeram muita gente acreditar no arrefecimento da polarização que marca a política nacional desde pelo menos o pleito de 2018, vencido por Jair Bolsonaro.

    O discurso voltado para entregas dos reeleitos com grandes votações, como Eduardo Paes (PSD) no Rio e João Campos (PSB) no Recife, também reforçou a suposição de que o Brasil estaria numa era de mais realizações e menos ideologia, mais diálogo e menos ódio. Olhando com mais atenção, porém, fica evidente que é cedo para ir tão longe.

    As quase 3.500 cidades conquistadas pelo Centrão (contando apenas PSD, PP, MDB, União Brasil e Republicanos) impressionam, mas não são propriamente novidade. Eleições municipais são um palco tradicionalmente dominado por legendas pragmáticas e fisiológicas.

    O PSD superou o MDB e saiu campeão, com quase 900 prefeituras, porque executou com competência o lema de seu líder, Gilberto Kassab: não ser de direita, nem de esquerda, nem de centro, muito pelo contrário. Nesses partidos, cada um escolhe seu lado, portanto os números sem contexto não dizem nada.

    A vitória da direita em nove capitais e a quantidade de disputas de segundo turno em que a esquerda ficou de fora — cinco ao todo — mostram que continua a guinada descrita pelo cientista político Jairo Nicolau — autor de “O Brasil dobrou à direita”.

    Sem Jair Bolsonaro, não se poderia contar a história das eleições em Curitiba, Goiânia, Belo Horizonte, Manaus ou João Pessoa, onde ele se empenhou em fazer seus candidatos superarem o desempenho projetado pelas pesquisas no início da campanha. Bolsonaro fugiu da disputa em São Paulo, mas a votação acumulada por Pablo Marçal (PRTB) já levou até ao surgimento da expressão “bolsonarismo sem Bolsonaro”.

    Ele não ter conseguido empurrar Alexandre Ramagem (PL) ao segundo turno no Rio de Janeiro pode até ser computado como derrota, mas, numa eleição em que até as pedras do Arpoador sabiam que a vez era de Eduardo Paes, é de respeitar que um candidato tão insosso e desconhecido dos cariocas tenha obtido 30,8% dos votos válidos. Tanto que Lula ou o PT acharam melhor apoiar Paes logo, em vez de lançar alguém só para constar ou ficar com Tarcísio Motta no primeiro turno (PSOL).

    Da ausência de Lula das grandes disputas talvez venha a explicação para a sensação de que a polarização tenha arrefecido. Como analisa o cientista político Felipe Nunes, dono da empresa de consultoria e pesquisa Quaest e um dos autores de “Biografia do abismo: como a polarização divide famílias, desafia empresas e compromete o futuro do Brasil”:

    “Se, por um lado, Bolsonaro foi a campo e teve atuação fundamental para a direita, a estratégia de Lula foi esconder o PT atrás de outras siglas, o que não significa que a esquerda não estivesse na disputa”.

    Traduzindo: sem Lula para se contrapor a Bolsonaro, a polarização como conhecemos ficou capenga.

    Nunes aponta — e a eleição de São Paulo demonstra — que os grandes temas que dividem os brasileiros continuam a mobilizar o eleitorado. A demanda por lideranças conservadoras, anti-Estado e antissistema continua firme, e é isso o que explica o crescimento de Marçal.

    “É uma ilusão achar que a polarização acabou no primeiro turno”, diz Nunes. “A elite política tentou de todas as formas isolar a direita radical nestas eleições apresentando uma direita unida e acabou atropelada pelo Marçal. Isso porque a polarização é fruto das demandas, vem de baixo para cima”.

    Em maior ou menor grau, o embate entre visões de mundo deverá surgir em cidades onde direita e esquerda se enfrentarão no segundo turno, como São Paulo, Fortaleza (CE), Porto Alegre ou Cuiabá. Nada indica que se esgotará quando a eleição municipal acabar. Ao contrário, se voltará para o Congresso e, em seguida, para as eleições presidenciais.

    Se, no passado, o lema do “nós contra eles” funcionava como alegoria para opor o PT à direita fraca e difusa representada pelo PSDB ou pelo antigo PFL, agora a direita tem uma variedade de lideranças. Hoje são Bolsonaro, Tarcísio de Freitas (Republicanos) e até Marçal. Mas isso é o que menos importa.

    O eleitor conservador não é mais o envergonhado de antes, também não age única e exclusivamente como gado. Cria novos líderes e alimenta a polarização. A esquerda pode estar enfraquecida, mas Lula deverá estar a postos em 2026. Se não abandonar a arena para os adversários, a disputa tende a continuar.

  12. Jair Messias Bolsonaro, PL, vai ficar irrelevante em São Paulo. Abriu espaço para Tarcísio Gomes de Freitas, Republicanos. Luiz Inácio Lula da Silva, PT, poderá descobrir que não é mais o cabo eleitoral imprescindível como já foi um dia para a esquerda do atraso

    O CANSAÇO COM A VELHA POLARIZAÇÃO, por Willian Waack, no jornal O Estado de S. Paulo

    Lula e Bolsonaro se preparam para serem “decisivos” no segundo turno paulistano. Sem dúvida serão influentes, mas aquém do que acham de si mesmos.

    Essa perda relativa de importância não é em função da performance pessoal de cada um deles – ela continua basicamente a mesma. E nisto reside o problema para ambos: as eleições municipais em geral e a de São Paulo em especial evidenciaram cansaço com a “velha” polarização.

    Lula não é mais o mesmo, pois suas plataformas de “esquerda” perderam claramente apelo eleitoral ao longo de mais de uma década (a vitória contra Bolsonaro pode ser vista como ponto fora da curva). Trata-se de séria questão estrutural – e, possivelmente, de idade também.

    Bolsonaro vem perdendo a condição de “mito” por um outro tipo de questão estrutural, também de grande abrangência. As últimas eleições demonstraram a importância da política organizada, hierarquizada, capilarizada e alimentada pelos cofres públicos e pela máquina pública, e que se expressou no sucesso de pelo menos seis partidos.

    Nas contas de Gilberto Kassab, um dos mais hábeis operadores políticos do momento, essas seis siglas podem ser arrumadas em três de “direita” (PL, PP e Republicanos) e três de “centro” (PSD, MDB e União Brasil). Juntas, tiveram 72 milhões de votos ante 23 milhões dos agrupamentos de esquerda.

    Ocorre que, fora o PL, Bolsonaro não “comanda” nenhuma delas. Ao contrário, dependendo das conveniências regionais ou locais, essas correntes de “direita” caminham até em direções opostas. Kassab chama isso de “transição”, pois quem apostou na polarização das bolhas não se saiu bem nas recentes eleições municipais.

    Para 2026 essa “transição” tem algo bem conhecido: é o fato de esse enorme ajuntamento político operar sabendo que não precisa se agarrar a candidatos, pois, na relação de forças entre os poderes, quem for eleito dependerá desse amálgama (como aconteceu com Bolsonaro e acontece com Lula). Pelo jeito, as coisas transicionam para ficar assim como são, menos a acidez de “bolhas”.

    Pode-se enxergar em alguns candidatos em capitais (e os respectivos governadores que os apoiaram) algum tipo de “renovação”, pois o sucesso eleitoral deles e de seus articuladores não dependeu exclusivamente de Lula ou Bolsonaro. Nesse sentido, têm seu “próprio” capital político, o que sugere cenários mais fluidos para 2026 do que a enfadonha repetição da polarização.

    Perdoando a simplificação, é bom lembrar que o eleitor “indignado” e o eleitor “frustrado” tiveram grande influência nas duas últimas eleições presidenciais. Não está claro para onde correrão agora.

  13. Tudo dominado. Como alguém vai rejeitar aquilo que o beneficia na bandalheira institucional que os políticos nadam?

    SENADO PRECISA REJEITAR MUDANÇA NA LEI DA FICHA LIMPA, editorial do jornal O Globo

    O Senado adiou ontem a votação do Projeto de Lei Complementar que atenua a Lei da Ficha Limpa, aprovado pela Câmara em setembro. Quando voltar à pauta, os senadores deveriam rejeitá-lo. O texto, concebido apenas para beneficiar a classe política, é contrário aos interesses da sociedade e representa um retrocesso institucional.

    A Lei da Ficha Limpa foi resultado de uma longa mobilização da sociedade brasileira por maior idoneidade de candidatos a cargos públicos. Depois da coleta de assinaturas ao longo de 14 anos, o Projeto de Lei por iniciativa popular foi aprovado e sancionado em 2010. Com a Lei da Ficha Limpa, se tornaram inelegíveis os condenados por decisão colegiada (segunda instância), na Justiça ou em outras esferas. As regras também tornaram inócua a estratégia de renunciar às vésperas da condenação para escapar de punição. De lá para cá, por mais que tenha demonstrado limites, a lei representou um avanço, com o fim da política como porto seguro para condenados, em particular nos casos de improbidade ou corrupção.

    Daí o espanto e a revolta com a tentativa de modificá-la. O texto aprovado na Câmara, que precisa ser barrado pelo Senado, atenua a punição aos condenados. Os deputados não mexeram na pena máxima, que continua a ser de oito anos de inelegibilidade. Mas, ao alterar o início da vigência, na prática a tornaram mais branda.

    Desde que foi sancionada, a Lei da Ficha Limpa prevê, para condenados na Justiça, inelegibilidade a partir do final do cumprimento da pena judicial. Quem é condenado por uma década não pode, portanto, concorrer por 18 anos. Pelo projeto aprovado pelos deputados, porém, o prazo passaria a contar do momento da condenação na segunda instância. Com isso, os condenados descontariam dos oito anos de inelegibilidade a pena judicial. Se alguém é condenado a dez anos, já poderia concorrer dois anos antes de terminar de cumpri-la. A mesma lógica vale para cassados pelo Legislativo ou pela Justiça Eleitoral.

    A Associação Brasileira de Eleitoralistas, entidade que reúne advogados (incluindo um dos redatores da Ficha Limpa), chamou o projeto de “gravíssimo retrocesso para as normas eleitorais”. No entender do procurador Roberto Livianu, presidente do Instituto Não Aceito Corrupção, a medida enfraquece o sistema democrático por abrandar “normas voltadas à garantia de sua higidez, mediante o afastamento de personagens que já se mostraram objetivamente indignos de representar o eleitor brasileiro”.

    O Congresso já perde credibilidade cada vez que um deputado ou senador cometem crime ou irregularidade, depois exposto à opinião pública. Perderá ainda mais se promover, em benefício próprio, retrocesso em tema tão premente como a criminalidade na política, dando as costas para a sociedade. E minará a própria confiança na democracia. Os deputados cometeram um grave erro ao aprovar as mudanças na Ficha Limpa, mas o Senado tem a chance de recobrar a seriedade ao rejeitar a ideia de apressar a volta dos corruptos e de outros criminosos à vida pública.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Não é permitido essa ação.