Nos últimos dias, este espaço recontou fatos passado e especulou com possibilidades do pleito municipal de outubro do ano que vem. Quatro artigos tinham o mesmo título: “O DESENHO DAS ELEIÇÕES DE OUTUBRO EM GASPAR NÃO ESTÁ NEM NO ESBOÇO. HÁBEIS PINTORES ESTÃO ESPERANDO A HORA CERTA PARA ESCOLHER AS CORES”. Em outro afirmei: “SEM LIDERANÇAS, VIÚVAS DAQUILO QUE SE SUPUNHA QUE SERIA A NATA DA POLÍTICA E PODER EM GASPAR, BUSCAM CAMINHOS. ESTÃO PERDIDAS. ESTE É O TAMANHO DO ERRO QUE SE COMETEU CONTRA A CIDADE”.
Nesta sexta-feira vou amenizar, para que os pré-candidatos não reclamem tanto do desnudamento que faço nas armações ilimitadas deles contra a inteligência dos eleitores e eleitoras. Ou eles, acham que, com a imprensa silenciada, ou temerosa em tocar neste assunto, todos estão como gado no brete à espera de caminhar, sem saber, para o abate certo? Aqui e acolá, até porque se também tem medo das represálias, aparece alguma coisa nas redes sociais. Já nos aplicativos de mensagens, ou o antigo, ‘telefone sem fio’, ou a tal “rádio peão”, nervosamente, as “notícias”, comentários e as fakes news não param.
E é isto que está destruindo os políticos espertos e instruindo os eleitores e eleitoras da cidade. Não este blog. Tolinhos!
E não vou longe, como o ano de 2000 quando Pedro Celso Zuchi e o PT surpreenderam os “inteligentinhos” daqueles dias, para plagiar o filósofo Luiz Felipe Pondé. Vou me restringir a algo muito próximo de nós e compreensível, a eleição de 2020, vencida com 65,60% dos votos válidos (20.960) por Kleber Edson Wan Dall, MDB, reeleito numa associação com Marcelo de Souza Brick, PSD de então, com a promessa de torná-lo prefeito no ano passado. Kleber e sua turma roeram a corda, como era previsível e antecipei naqueles tempos aqui. fui malhado pelos armaram esta jogada e ensacaram Marcelo para ele não ser candidato solo em 2020 como queria.
Volto aos vencedores, mais ao final.
Quem eram os adversários daquele pleito? A novidade Rodrigo Boeing Althoff com Etelvino (Vino) Schmidt, em chapa pura pelo PL.
Sem estrutura, sem recursos, sem estar organizado, surpreendeu com 22,21% (7.097) dos votos válidos contra uma máquina no poder de plantão, das igrejas neopentecostais bem como da misturava do sapo com a cobra numa mesma balaia (MDB, PP, PSD, PDT e PSDB). Qual foi o aviso do resultado para Rodrigo e os gasprenses? De que havia espaço para renovação administrativa. Pois Rodrigo, como já escrevi tantas outras vezes, e inclusive na época, não é exatamente um bolsonarista, um conservador ou um direitista. E naquele tempo, o PL ainda não era o partido do ex-presidente Jair Messias Bolsonaro.
O único que não entendeu até hoje o recado das urnas, foi o próprio Rodrigo. Agora, ele, resmungando, e apontando culpados que não ele próprio, corre contra o tempo que perdeu. Ele se escondeu daquilo que era a obrigação dele fazer pela cidade, bem como tornar o nome dele viável para o ano que vem.
Das cinco candidaturas, quem ficou em terceiro? O ex-vereador José Amarildo Rampelotti do então poderoso PT, que conseguiu dar três mandatos a Zuchi, algo inédito até agora na nossa história política.
Nem a jovem promessa João Pedro Sansão conseguiu reverter o ranço de uma eleição que tinha voltado ao eixo normal da cidade, o conservadorismo: 7,82% (2.500) votos válidos. Amarildo era a ideologia da esquerda, do sindicalismo (Celesc) e João Pedro, o idealismo de mesma origem da utopia. Qual a lição? Se o PT de Gaspar insistir nesta linha, este será o seu teto no ano que vem. Nem mais, nem menos. A proposta terá que ser a cidade, porque a sorte grande de 2.000 estará bem longe de se repetir. E a chance igual a 2008 não se vislumbra ainda.
O que sobrou na rabeira daquele pleito? A enganação, numa mistura de radicalismo de direita e achando que a conjuntura nacional iria ajudar na flutuação das barcas. Os eleitores e eleitoras provaram a esta gente esperta de que não são levados por narrativas, discursos radicais, muito menos por oportunistas.
Wanderley Rogério Knopp, vendido como um misto de empresário jovem, bem-sucedido na área de tecnologia e boleiro, com Wellignton Carlos Laurentino, do mesmo ramo de negócios, e ambos no DEM – hoje União Brasil – não passaram de 2,26% (721) votos válidos. Vergonha. O único feito e constrangedor dessa turma que apareceu do nada para surfar a onda conservadora, numa cidade conservadora, foi o de expulsar o ex-prefeito Adilson Luiz Schmitt da sigla e impedi-lo de concorrer a vereador naquele pleito. Um tiro que serviu a outros interesses e saiu para a culatra dos próprios candidatos.
Nada de pior para a direita, o conservadorismo e o bolsonarismo de então, todavia, compara-se à performance de Sérgio Luiz Batista de Almeida e Rejane Luzia Ferretti, ambos do PSL, então partido do presidente Bolsonaro e que se coligaram com o Patriota. Chegaram em último entre os cinco com 2,11% (675) votos válidos. Eu poderia parar por aqui na pintura deste quadro. Mas, vou um pouco adiante neste caso específico para mostrar que a cidade não é tão alienada assim. Sérgio tem uma origem bem definida: sindicalismo onde está de volta. Tinha laços com o MDB onde tentou ser vice-prefeito, já foi PSDB quando era um partido de mando. Como pode se apresentar igual a conservador, um direitista, um bolsonarista? Nem o fato de ser um irmão evangélico, o salvou.
Os barqueiros trataram de afundar seus barcos daquela eleição por falta de bússola, rota e porto.
O retrato de 2020, teimosamente outros personagens tentam o mesmo enredo e fantasias. O resultado poderá ser o mesmo. A cidade está sedenta por mudanças, entretanto, o “novo” teima em não aparecer ou se apresentar com trucagens. Como na eleição de 2020, este falso novo vai ser rejeitado.
A ideologia não é – até o momento – fator preponderante na eleição em Gaspar. O que se quer é alguém que conserte, de verdade, a cidade. Mas, para isso, antes precisa ter credenciais. A cidade já mostrou que muitos candidatos só servem para facilitar a continuidade do que já está instalado e não se quer continuado. Não é fácil. E dois fatores podem desequilibrar nesta busca dessas mudanças: a máquina do poder de plantão, mesmo desgastada como está e a outra, pois se trata de um mecanismo, bem como a máquina de votos que se tornaram as igrejas neopentecostais no messianismo de costumes. Afinal, ali ninguém peca e está a serviço de deus ¨d” minúsculo mesmo.
Ah, e sobre Marcelo. Primeiro ele só ganhou uma eleição em Gaspar: a de vereador. E sobreviveu até aqui em cargos comissionados e agora como um apagadíssimo e errático vice-prefeito. Perdeu anéis e dedos. Não foi capaz de descolar das dúvidas, muito menos de ter um foco de resultados. Brincou nas redes sociais.
Neste meio tempo se testou nas urnas como deputado estadual e federal. Nunca se elegeu, mas teve votos em torno de 10 mil em cada eleição perdida. Se isto vale, ele sai deste patamar e mostra, em tese, o quanto estava vulnerável Kleber naquela eleição se Marcelo tivesse concorrido.
E hoje? Marcelo é a continuidade daquilo que não funciona ou está em dúvidas. Simples assim. Resumindo: Kleber, o MDB, PP, PDT e PSDB foram duplamente ingratos com ele: ao não dar a prefeitura como prometeram e ao colar nele, os prejuízos do segundo mandato de Kleber e da Bancada do Amém. É por isso, que a cidade ainda espera por nomes que simbolizem a mudança disso tudo que está aí. E espera-se que o exemplo de 2020 não leve ao erro novamente contra a cidade. Acorda, Gaspar!
TRAPICHE
O prefeito Kleber Edson Wan Dall, MDB, um dos mais altos salários de Santa Catarina, R$33.752,86, deu a sua escapadinha mensal para Brasília nesta semana. Foi receber uma plaquinha, só porque o pessoal da prefeitura cumpre a obrigação funcional e coloca com assertividade os dados obrigatórios no sistema federal que controla os repasses da União. Levou mais três servidores. Diárias e passagens, numa prefeitura que alega estar comprometida no caixa para o essencial.
O advogado João Pedro Sansão, com trânsito em alguns corredores do poder em Brasília, estava também lá. Era para participar do Seminário Nacional dos Advogados Criminalistas uma das suas áreas de atuação. E se ofereceu para abrir alguma porta travada no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, PT, em favor de Gaspar. Ficou só no convite. O prefeito não retornou ainda o convite. Retornou a Gaspar.
Acabou-se a Expo-Gaspar, vejam só, da Capital Nacional da Moda Infantil. Segundo a prefeitura, por falta de recursos no Orçamento. Virou apenas Expo-feira, a de animais. Foi-se também o festival da Tilápia. E agora, tornou-se na Arena Multiuso, a continuidade do Rodeio Crioulo na parte de shows com o tal Expo-festa. Foi uma forma que se encontrou entre os políticos para abafar à falta de gestão e prioridade, bem como, ao mesmo tempo dar pão e circo à cidade, bem como mostrar que o pessoal do CTG Coração do Vale está nas rédeas desse negócio com muito mais competência do que a prefeitura e a secretaria de Desenvolvimento Econômico, Renda e Turismo, tocada pelo suplente de vereador, Pablo Ricardo Fachini, PP.
Enquanto isso, vai se realizar, mais uma vez, os jogos escolares em Gaspar no final do mês. Legal. O que impressiona? A prefeitura está resistente em fornecer deslocamento para as competições que ela mesma promove.
O ativista bolsonarista Demetrius Wolf, filiado ao PL, andou postando nos seus aplicativos de mensagens, filmes e fotos mostrando à elevada quantidade de lojas – e até bares – fechados nos últimos dias no quadrante do Centro de Gaspar. Um sinal nada interessante. Lojas de redes fecham-se aqui e preservam as de Blumenau, Itajaí e Brusque. Pode estar aí, uma questão de renda per capita.
Pois é. Rodrigo Boeing Althoff tentou se articular para fazer o Partido Novo um puxadinho do PL de Gaspar. Mapeou até o presidente da Comissão Provisória, o suplente de vereador, Timoty Deschamps, PL. Não deu certo. O Novo de Gaspar se articula, mas em torno de Ednei de Souza.
O senador Jorge Seift Junior, PL, colocou o braço direito da tipoia. E o ex-presidente Jair Messias Bolsonaro, autografou o gesso. Mau presságio. Vem aí a tentativa de cassação do mandato do senador. E quando ela chegar, à tipoia não haverá mais gesso que recupere o que se partiu, incluindo os dois suplentes. E o governador Jorginho Mello, PL, fica manco na armação em Blumenau.
Se houver a decisão por uma nova eleição, ela poderá coincidir com as eleições municipais. E o risco dela se estadualizar será muito, mas muito grande. E aí o que se desenha isoladamente nas aldeias terá outro contorno, inclusive naquilo que escrevi hoje no artigo principal e permeou outros até aqui sobre as eleições municipais em Gaspar do ano que vem. E por quê? Cidade como Gaspar que não é sede de emissora de televisão, poderá ser influenciada pelo debate entre os candidatos ao senado, inclusive pelas verbas e atuação dos cabos deles.
A “Operação Mensageiro” é a prova de quanto o Ministério Público Estadual e os órgãos de fiscalização – agências reguladoras regionais, Tribunal de Contas e Câmaras de Vereadores – falharam nas Comarcas, em Florianópolis e nos respectivos municípios. Pegaram uma organização. mas, há muitas outras agindo ou se safando. Nem mais, nem menos.
E por falar nisso, perguntar não ofende: o que é feito da CPI montada na Câmara de Gaspar, só com integrantes do governo, para enterrar as dúvidas geradas nas conversas cabulosas gravadas, as quais percorreram os aplicativos de mensagens com a voz do ex-secretário de Fazenda e Gestão Administrativa, ex-presidente da Comissão Interventora do Hospital e ainda presidente do PSDB, Jorge Luiz Prucino Pereira?
Acrescido às 11h deste 16.06.23. Quem esteve circulando ontem no Samae, foi Jean Alexandre dos Santos, MDB, que era o ex-secretário de Planejamento Territorial de Gaspar. Aguarda a indicação e posse oficiais como já se acertou no pacote de reconciliação do vice-prefeito Marcelo de Souza Brick, Patriota, ou PL, sei lá, mas talvez PP. Na outra ponta, o ainda presidente do Samae, Cleverton João Batista já aparecia nas redes sociais em fotos de despedidas. O decreto 11.087, com data do dia 15.06.23, nomeando Alexandre para diretor-presidente do Samae, circulou agora pela manhã e depois desta nota. A ida dele para a autarquia, foi antecipada aqui há três semanas.
Enquanto se aguarda o destino de Cleverton João Batista, que jura que vai ficar em Gaspar, também hoje se encerram as férias do secretário de Saúde, o vereador Francisco Hostins Júnior, MDB. Estava em reflexão e pediu para não ser incomodado aos que lhes questionaram por aplicativos de mensagens. A vontade dele é voltar para a Câmara.
Registro. Quem esteve ontem em Gaspar, foi o ex-prefeito de Jaraguá do Sul, empresário de sucesso do ramo têxtil, e hoje deputado estadual Antídio Aleixo Lunelli, MDB, aniversariante desta sexta-feira. Veio entregar uma placa a família (no detalhe, abaixo), num encontro reservado, no Raul´s, pelo um ano de falecimento do também ex-prefeito, ex-empresário e ex-presidente do MDB de Gaspar, Osvaldo Schneider, o Paca. Quando vivo, contrariando o MDB de Gaspar, Paca apostava em Antídio para governador e que ao final foi rifado pelo seu próprio partido, numa armação para salvar a bancada do partido na Assembleia.
Na foto, estão, nesta ordem da direita para a esquerda, Yuri Schneider Krauss (neto), Débora Spengler Krauss (neta), Marlise da Cunha de Souza (viúva), deputado Antídio Aleixo Lunelli, Manuel Schneider (neta), Jaqueline Schneider (filha), Ivana Schneider (nora)Alexandre Krambeck Schneider (filho) e Lauro Schneider (sobrinho).
9 comentários em “OS POLÍTICOS DO PRESENTE EM GASPAR DESDENHAM OU REJEITAM OS ENSINAMENTOS E AVISOS DO PASSADO. E RECLAMAM DO MAU PRESSÁGIO. E ELE VIRÁ!”
DE ASMODEU@TREVAS PARA LULA@GOV, por Elio Gaspari, nos jornais O Globo e Folha de S. Paulo
Lula, você nunca me viu, mas eu te vejo. O Guimarães Rosa listou alguns dos meus nomes: sou o Arrenegado, o Cão, o Coisa-Ruim.
Escrevo-lhe porque suspeito que vosmicê queira fazer um pacto comigo. Falo porque sei. Como minto muito, dou-lhe exemplos factuais, ocorridos com seus antecessores. Creia.
Em 1996, Fernando Henrique Cardoso foi prensado pelo que já se chamava de Centrão e aceitou trocar a ministra da Indústria e do Comércio, Dorothea Werneck. Não confie na palavra do Canho, ouça Fernando Henrique. Naquele dia 26 de abril ele registrou:
“Hoje foi talvez o dia mais difícil, mas o mais duro para mim. (…) Fui à casa da Dorothea. Eu tinha que ir. (…) Eu me emocionei, ela chorou, eu também. (…) Ela acha que estamos fazendo um pacto com o Diabo.”
Veja como são as coisas, usam meu nome sem saber das minhas artes. Se o Fernando Henrique queria fazer pacto comigo, nunca tratei do assunto. Conhecendo-o, não tinha garantia de que entregasse o combinado.
Anos depois, tendo saído do governo, ele disse que a presidente Dilma Rousseff ia “fazer um pacto com o demônio o tempo todo.” Acertou, ela fez o pacto com meus agentes e perdeu o cargo em 2016.
Soube que você chorou numa conversa com sua ministra do Turismo, Daniela Carneiro. Ela estava acompanhada pelo marido, Waguinho, prefeito de Belford Roxo. Saiba que são muitos os meus domínios na Baixada Fluminense. Lá tenho políticos, milicianos, policiais e, às vezes, até diretores de escolas e hospitais. Mais não digo.
Veja só, o Fernando Henrique chorou com a Dorothea Werneck, e você chorou com a Daniela do Waguinho. Essas são minhas artes.
Vou direto ao ponto: Se você quiser pacto comigo, eu quero o Ministério da Saúde. Por menos, não tem acerto.
Sou mentiroso e só engano quem pensa que é pior que eu. Vai daí que mesmo me entregando o Ministério da Saúde, não garanto que venha a cumprir o que for prometido.
Explico-lhe: o que meu pessoal lhe oferece em nome do Arrenegado é apenas uma parte do que eles e eu queremos. Firmado que você fez um pacto conosco, o resto é mais fácil.
O Fernando Henrique disse em 2015 que a senhora Rousseff fez um pacto comigo. Pode ser. Mas eu já estava trabalhando. Daqui do meio do redemoinho eu ajudo a nomear e a demitir ministros.
Nos seus dois primeiros governos, tive dois, não digo quais.
Em junho de 2013, seu vice-presidente, Geraldo Alckmin, era o governador de São Paulo, e seu ministro da Fazenda, Fernando Haddad, era prefeito da capital. Os dois estavam em Paris e haviam cantado “Trem das Onze” em um evento. Na noite do dia 13, um choque da PM interrompeu uma passeata pacífica com bombas de barulho e gás. Deu no que deu.
Como estão falando muito nos dez anos daquelas jornadas, pergunte aos dois quem mandou a PM fazer aquilo.
Fui eu.
Até logo.
P.S.: O Arthur Lira aprovou um projeto que criminaliza o que vier a ser considerado uma discriminação à espécie dos políticos e de seus familiares. De onde saiu essa ideia?
A CÂMARA VOTOU A LEI DA CARTEIRADA
Dezesseis dias depois de a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) ter anulado a condenação do ex-deputado Eduardo Cunha, a Câmara aprovou um projeto histórico. Com tramitação relâmpago — 252 votos contra 163 —, passou um projeto de Dani Cunha (União-RJ), filha do doutor Eduardo, que criminaliza práticas que venham a ser consideradas discriminatórias da atividade pública, e a proteção estende-se aos seus familiares.
Entre outras blindagens, pelo projeto aprovado, os bancos não podem negar crédito a algumas pessoas de qualquer um dos três Poderes porque elas têm atividade pública.
O projeto blinda cerca de dez mil pessoas, parlamentares, magistrados, procuradores e dirigentes de partidos políticos e seus familiares.
Sua constitucionalidade é discutível, mas essa é uma questão que será decidida pelo Supremo Tribunal.
No século XIX, o Parlamento brasileiro travava a aplicação de uma lei que proibia o contrabando de escravizados. No XXI, a Câmara quer criar uma categoria especial de cidadãos com base em suas atividades. Existem leis que protegem os menores, os negros, as mulheres e os idosos. São todas genéricas.
Se o projeto passar pelo Senado, os dez mil formarão uma casta.
Só cinco partidos votaram em bloco contra o projeto: PSOL, PC do B, Cidadania, Novo e Rede. Juntos, somaram 16 votos.
Adiante, listam-se seis deputados que votaram a favor da blindagem e seis que votaram contra. (A lista completa está na rede, vale a pena visitá-la.)
Votaram a favor: Aécio Neves (PSDB-MG), André Fufuca (PP-MA), Antonio Doido (MDB-PA), Baleia Rossi (MDB-SP), José Guimarães (PT-CE) e Rui Falcão (PT-SP).
Votaram contra: Bia Kicis (PL-DF), Chico Alencar (PSOL-RJ), Érika Kokay (PT-DF), Kim Kataguiri (União-SP), Lídice da Mata (PSB-BA) e Tabata Amaral (PSB-SP).
O ANDAR DE CIMA TEM SUAS MUMUNHAS
Uma lei de 1831 dizia que todo negro escravizado que chegasse ao Brasil era livre, desde que prestasse serviços à Coroa por um determinado número de anos. A Coroa, por sua vez, terceirizava esses serviços, cedendo os negros a cidadãos de “probidade e inteireza”.
Colocando-se o negro para trabalhar, com um mês de seu salário pagava-se a anuidade da concessão. Foram privatizados alguns milhares de negros.
Os dois maiores políticos do Império, Honório Hermeto Carneiro Leão, Marquês do Paraná, e Luís Alves de Lima e Silva, Duque de Caxias, receberam dezenas de negros livres. Dois grandes jornalistas daquele tempo (Justiniano José da Rocha e Firmino Rodrigues Silva) também ganharam negros.
Magistrados, barões, médicos e a turma do palácio de D. Pedro II ganharam seus lotes.
Serviço: Este assunto foi tratado pela professora Beatriz Gallotti Mamigonian no seu livro “Africanos Livres – A Abolição do Tráfico de Escravos para o Brasil”. A lista dos beneficiados pelas concessões está na rede, na sua tese de doutorado, “To be a Liberated African in Brazil: Labour and Citizenship in the Nineteenth Century” (“Africanos Livres no Brasil – Trabalho e Cidadania no século XIX”).
O andar de cima de Pindorama sabe cuidar de seus interesses.
DOIS ESTILOS
Quando era um jovem oficial, o atual comandante do Exército, general Tomás Paiva, foi ajudante de ordens do presidente Fernando Henrique. Ninguém ouviu falar dele.
Estimulado pelo estilo de seu chefe, o tenente-coronel Mauro Cid tornou-se figura carimbada.
Metia-se em tudo, até na redação de um discurso de Bolsonaro na assembleia geral das Nações Unidas. Deu no que deu.
NÃO BASTA SORTE, por Merval Pereira, no jornal O Globo
A propagada sorte do presidente Lula volta à discussão no momento em que os primeiros sinais de melhoria da economia despontam, prevendo um crescimento do PIB maior do que o esperado pelos analistas, e uma inflação decrescente e contida. Uma nova onda de commodities no mundo, uma safra agrícola recorde, e a perspectiva de aprovação no Congresso do chamado arcabouço fiscal, demonstração de que o governo está comprometido com o equilíbrio das contas públicas, indicam que o futuro pode ser melhor do que parecia até bem pouco tempo.
Há entre seus dois governos e este uma coisa em comum, além puramente da sorte de Lula: a compreensão, por parte da equipe econômica, de que o caminho para a recuperação do país é a persistência no tripé econômico firmado desde o Plano Real: câmbio flutuante, meta de inflação e equilíbrio fiscal. O ministro da Economia Fernando Haddad está tendo no atual governo o mesmo papel fundamental que Antonio Palocci exerceu no primeiro governo de Lula.
Aí está uma demonstração de que não basta sorte, mas estratégia, para obter bons resultados. Colocar um político na Economia foi uma surpresa em 2003. Quando o economista oficial do PT, Guido Mantega, substituiu Palocci no ministério, devido a uma crise política, em 2006, começou a tentativa da “nova matriz econômica”, que viria a ser aprofundada no governo Dilma, levando ao caos a economia.
A tentativa de mimetizar a solução Lula, colocando na Fazenda o economista liberal Joaquim Levy no segundo governo Dilma, fracassou redondamente porque ela não acreditava na solução. Apoiado pelo presidente, Haddad tem negociado com o Congresso hostil com rara habilidade, e só tem uma diferença, a seu desfavor, em relação a Palocci: ter menos prestígio interno no PT, o que o faz perder mais tempo para avançar contra a ala mais radicalizada do partido, comandada por Gleisi Hoffman.
Já Palocci não perdia tempo com as futricas partidárias, e foi capaz de gestos como indicar um banqueiro internacional, Henrique Meirelles, eleito deputado federal pelo PSDB, para presidir o Banco Central. E colocar vários técnicos fora do PT na área econômica, como Marcos Lisboa, Joaquim Levy, Murilo Portugal. O incômodo que causa aos petistas ter um presidente do Banco Central independente, com mandato fixo, que age de acordo com um pensamento técnico desligado dos temas políticos, é consequência do hegemonismo com que o partido trata os que são de fora, mesmo que sejam aliados.
O que dizer de um presidente do Banco Central designado por Bolsonaro com o nome do avô, de um dos maiores expoentes do liberalismo econômico? Roberto Campos Neto é o adversário perfeito para o PT, o próprio bode expiatório para explicar o eventual fracasso da economia. O PT nunca gostou da ideia de agências reguladoras, sempre as considerou uma intromissão indevida no poder dos ministérios.
O Banco Central independente tem a mesma característica simbólica, e custa ao partido entender que a política de juros do BC teve papel fundamental para o controle e queda da inflação. Se entendessem, perderiam também uma ação política importante para manter unida a base petista mais radical. Bater em Roberto Campos Neto é espantar o fantasma do liberalismo de Roberto Campos, que definia o PT como “o partido dos trabalhadores que não trabalham, de estudantes que não estudam, e de intelectuais que não pensam”.
Mais radical que colocar um banqueiro tucano no Banco Central seria aceitar que o neto de Roberto Campos é fundamental para o crescimento sólido da economia. Acreditar que o BC tem como objetivo fazer cair a inflação, e não boicotar o governo, seria adotar as bases de uma economia liberal abertamente, o que ainda é tabu dentro do PT, faria com que Fernando Haddad fosse crucificado em praça pública. Para ter influência interna, o ministro da Fazenda tem que falar duro com o BC independente, mesmo que saiba que o caminho trilhado até agora é o único capaz de levar o país a um porto seguro.
FAZER O QUÊ? E COMO? por Carlos Alberto Sardenberg, no jornal O Globo
No início deste mês, dava-se como certo que a ministra do Turismo, Daniela Carneiro, seria demitida nesta semana. Não foi. Na próxima, o presidente Lula vai para a Europa, de modo que a ministra, também deputada federal pelo Rio, pode ganhar mais alguns dias, se escapar neste final de semana. Estaria o governo avaliando a política para o turismo? Teria a ministra fracassado em apenas cinco meses de governo?
Ingenuidade.
Há uma intensa discussão sobre o futuro desse ministério, mas ninguém, entre amigos e adversários da deputada, fala sobre programas para desenvolver o turismo interno ou para atrair mais estrangeiros para este belo país.
Tem mais. Daniela Carneiro integra o grupo político liderado por seu marido, prefeito de Belford Roxo, o Waguinho. O casal, com ligações à direita, apoiou Lula nas últimas eleições — e o presidente é muito grato. Logo, se a questão não tem nada a ver com turismo, tem muito a ver com a compensação que se dará ao grupo de Waguinho. Algo numa área parecida? Algo a ver com viagens? Aeroportos? Nada. Especula-se que o prefeito e sua mulher estejam interessados na gestão dos serviços de saúde do Rio. Mais exatamente, nos grandes hospitais federais. São cinco grandes. Problema: estão sob controle do PT.
De novo, não se fala de políticas para melhorar a eficiência dos hospitais, reduzir as filas de espera, coisas assim. Nos bastidores da disputa, comenta-se que essa área da saúde tem mais capilaridade e, sobretudo, muito mais verbas, contratos de prestação de serviços, compra de equipamentos e medicamentos. (Aliás, como registrou Bernardo Mello, do GLOBO, dois diretores desses hospitais, indicados pelo PT, já foram exonerados, depois de reportagens do jornal e da TV Globo, levantando questões de administração.) Repararam? A ministra tem apenas cinco meses de gestão. Os diretores, nem isso. Não daria para avaliar nenhuma política séria.
Na última reunião ministerial, Lula disse a seus auxiliares que não queria mais saber de ideias novas, mas da aplicação de propostas já definidas. Quem tem propostas? O ministro Fernando Haddad, certamente. Tem conseguido desenvolver seus programas, mas não sem enfrentar surpresas dentro do próprio governo. Ele vinha repetindo que seu objetivo é reduzir os incentivos fiscais, quando o vice-presidente e ministro da Indústria, Geraldo Alckmin, anunciou um programa de concessão de incentivos para a indústria automobilística. Haddad ainda se salvou de uma goleada feita de gols contra. Conseguiu limitar o programa de Alckmin, mas teve de entregar algumas centenas de milhões de reais.
A questão dos incentivos aparece em dois temas cruciais para o governo e para o país: a reforma tributária e o arcabouço fiscal. Qual linha prevalecerá? É a pergunta que se fazem senadores e deputados. Na verdade, uma questão mais ampla: o governo e suas bases apoiam que projeto de reforma dos impostos? São dilemas que prejudicam o funcionamento do governo. Primeiro, saber quais são as propostas. Segundo, quando se sabe, qual prevalece. E terceiro, o mais importante, quem será nomeado para tocar as coisas.
Considerem a disputa aberta entre ambientalistas e desenvolvimentistas. Estes querem os investimentos na indústria do petróleo, incluindo a exploração do óleo na Margem Equatorial, ao longo da foz do Amazonas, e na construção de ferrovias e estradas, de apoio ao agronegócio, que passam pela Amazônia. Ora, a preservação da floresta é compromisso firme de Lula, local e internacional. E os ambientalistas, liderados por Marina Silva, demonstram muita firmeza. Parece que o presidente tentará conciliar as posições.
Muitas escolhas precisam ser feitas, e logo. O governo está para anunciar uma nova versão do Programa de Aceleração do Crescimento — e ali deverão constar os investimentos e financiamentos prioritários. Aí veremos. Aliás, saberemos também o nome. PAC lembra Dilma. E está meio queimado. É outro dilema. O de menos.
Para ser lido e relido e saber como Lula, o PT e a esquerda do atraso tratam todos como analfabetos, ignorantes e desinformados. O escárnio já teve consequências no passado tanto para essa gente como para os bolsonaristas que também não abrem mão das hipocrisias e incoerências de seu mito, o que lhes deixa na rua da amargura…
REPÚBLICA DOS AMIGOS, por Demetrio Magnoli, no jornal Folha de S. Paulo
“Não é democrático o presidente da República querer ter os ministros da Suprema Corte como amigos. Você não indica o ministro da Suprema Corte pra ele votar favorável a você ou te beneficiar.” O farsante que pronunciou tais frases chama-se Lula da Silva –mas foi antes, como candidato, no debate eleitoral na Band. Agora, presidente, ele indicou um amigo, seu advogado pessoal, “pra ele votar favorável a você”.
A Constituição, artigo 101, estabelece o “notável saber jurídico” como condição para ocupar uma das cadeiras do STF. Cristiano Zanin não cumpre o requisito legal. Nunca escreveu obra jurídica significativa e nem mesmo tem pós-graduação. É um advogado como outro qualquer –ou melhor, um advogado muito mais bem relacionado que a imensa maioria de seus pares, pois amigo do rei. Lula preside a república dos amigos.
“Tentar mexer na Suprema Corte pra colocar amigo, pra colocar partidário, é um retrocesso que a República brasileira já conhece”, registrou Lula no mesmo evento eleitoral. De fato, a indicação de Zanin inscreve-se na tradição: Lula repete outros, inclusive ele mesmo, que indicou Toffoli, mas especialmente Bolsonaro, condutor de Nunes Marques ao STF. O patrimonialismo une esquerda e direita.
A (rala) crítica de direita à decisão de Lula carece de credibilidade. Já a crítica de esquerda, menos que rala, é um convite à barganha. Nessa vertente, que também ignora as disposições constitucionais, são duas as acusações a Zanin: o advogado comete os imperdoáveis crimes comprovados de ser “homem” e “branco”. Finalidade aparente das reclamações identitárias: negociar uma “mulher-negra” na próxima indicação. A finalidade efetiva, porém, vai além disso.
Bolsonaro indicou, primeiro, Nunes Marques, o “partidário” sem currículo apreciável, e depois o “terrivelmente evangélico” André Mendonça, um juiz-pastor que carrega a bandeira do identitarismo religioso. Após o insucesso inicial, o lobby identitário de esquerda tenta convencer Lula a seguir o rumo do antecessor, substituindo Rosa Weber por uma juíza comprometida com as agendas do identitarismo racial e de gênero. A república dos amigos legitima-se atendendo, lateralmente, às pressões das militâncias ideológicas.
Toda a “obra jurídica” de Zanin resume-se a um livro sobre a defesa de Lula perante o STF. Seu recurso que redundou na anulação das condenações tornou-se, curiosamente, alvo de aclamação. Seria um triunfo jurídico histórico. Esquece-se, rapidamente, que o advogado de defesa acumulou derrotas em série num tribunal curvado à vontade de Sergio Moro, até ser salvo pelas revelações da Vaza Jato sobre as tramoias criminosas do Partido dos Procuradores. Foi a publicação de uma coleção de mensagens conspiratórias, não a força persuasiva das moções de seu advogado, que tirou Lula da cela curitibana.
Uma coisa é o que faz Bolsonaro; outra, o que faz Lula. Os atos do primeiro, uma figura merecidamente envolta por nuvens tóxicas, nunca funcionaram como álibi admissível. Já o segundo cria precedentes: jurisprudência. Se Lula pode, por que não eu? A indicação do amigo Zanin estimulou Arthur Lira a deflagrar, à luz do dia, uma articulação para emplacar seu advogado trabalhista, Adriano Avelino, no TST. Na república dos amigos, o poder público é prolongamento da fazenda.
Em tese, o sistema de nomeação de juízes ao STF atende ao interesse público, pois atribui ao Senado o direito de barrar uma indicação presidencial. Os senadores, contudo, jamais utilizaram tal prerrogativa para fazer cumprir o que prescreve a Constituição. Lula não precisa perder o sono. Na sabatina, eles endossarão o nome de Zanin, como antes aprovaram o de Nunes Marques. O nome do jogo é barganha: sempre haverá, nos outros tribunais superiores, vagas disponíveis para os próprios amigos. Uma mão lava a outra.
Ooops. . .revisitando o adágio “uma mão lava a outra”. Nas antigas, dizia-se: “uma mão lava a outra e toalhas Artex enxugam as duas. Atualmente, pode-se dizer: “uma mão molha a outra com recursos públicos e a toga enxuga as duas”.
DIREITA IDENTITÁRIA, por Dora Kramer, no jornal Folha de S. Paulo
As chamadas jornadas de junho de 2013 ainda são, dez anos depois, um enigma a ser perfeitamente desvendado. O assunto é complicado mesmo, pois, embora a gênese tenha sido a insatisfação do público pagante de impostos, os efeitos são vários e seguem em processo de compreensão.
Já a razão pela qual o país transitou de um presidencialismo de coalizão para uma rotina de colisões entre os Poderes Executivo e Legislativo não é um mistério tão difícil assim de ser elucidado. As causas não são ocultas, e as consequências, evidentes.
No Parlamento predomina uma visão de mundo diferente daquela preponderante no Palácio do Planalto e área de influência. Não é um dado novo e, em governo eleito por um triz, cenário mais que esperado.
Acrescente-se aí, porém, uma novidade: a existência explícita e expressiva de um eleitorado de direita a quem aquela maioria passou a dever satisfações. Sob pena de não renovar os mandatos. Prova disso são os fracassos nas urnas, em 2022, de bolsonaristas de 2018 que mudaram de lado no meio do caminho.
Nos governos anteriores do PT, a realidade era outra: havia uma grande massa meio amorfa que prestava submissão ao Executivo. Devido à preferência pelas benesses do poder em curso, dedicava-se primordialmente ao exercício do fisiologismo.
A prática continua em cartaz e até mais agressiva num Congresso de poderes reforçados. Só que a ela se juntou o fator ideológico, e isso requer mudanças de procedimentos.
Se antes as negociações já precisavam ser feitas caso a caso, em geral mediante a concessão de alguma vantagem, agora é preciso levar em conta também o interesse do parlamentar em relação aos valores da respectiva base eleitoral.
Por isso, se o governo insistir em pautas que não atendam ao quesito identitário, vai colecionar quantas derrotas forem as vezes em que tentar ignorar a existência dessa alteração no ambiente congressual.
ACINTE EXPOSTO, editorial do jornal Folha de S. Paulo
Quando a Câmara dos Deputados aprova um projeto de lei à noite, após uma tramitação repentina e com endossos da esquerda à direita, convém desconfiar.
Passava das 21h de quarta-feira (14) quando os parlamentares começaram a votação de um texto que favorece as chamadas “pessoas expostas politicamente”, ou PEPs —uma classificação na qual eles próprios se incluem. A proposta, apresentada há menos de um mês, escapou do devido debate em três comissões temáticas da Casa.
No plenário, o projeto recebeu 252 votos favoráveis e 163 contrários. No primeiro grupo estava a maioria das bancadas presentes de partidos tão diversos quanto PT, PDT, MDB, PSD, PP, União Brasil e Republicanos.
O que mobilizou o esforço concentrado de tantas forças políticas foi o intento nada desinteressado de interferir em recomendações legais para o tratamento das PEPs, em particular na rede bancária —e, mais do que isso, impor penas a instituições financeiras que venham a criar obstáculos às pessoas enquadradas em tal condição.
Nesse rol estão os detentores de mandatos eletivos no Executivo e no Legislativo da União, ministros de Estado e de tribunais superiores, entre outras autoridades que são alvo de cuidados especiais estabelecidos pela legislação, assim como parentes e representantes.
Tais normas, que seguem padrões internacionais, buscam reforçar o combate à corrupção e à lavagem de dinheiro —e foi contra isso que a Câmara acintosamente atuou com presteza inaudita.
É verdade que foram retirados alguns dos dispositivos mais escandalosos do projeto, como penas mais elevadas em casos de injúria contra PEPs. Entretanto o que sobrou ainda é muito problemático.
De modo genérico, o texto pretende punir “discriminação” contra pessoas politicamente expostas, o que pode dar margem a todo tipo de interpretação quanto ao alcance do termo. Pior, a regra é estendida a quaisquer réus de processos judiciais em curso.
Há previsão de dois a quatro anos de prisão, além de multa, a quem negar abertura de conta-corrente ou concessão de crédito devido à condição de PEP —o que obviamente configura intimidação aos bancos ou, na pior hipótese, bom pretexto para os que não desejam adotar as cautelas necessárias.
Chega a ser difícil compreender a estratégia da Câmara com a tramitação tão obviamente açodada do projeto, mas não se deve subestimar o profissionalismo do mundo político quando se trata de legislar em causa própria.
Resta esperar que o Senado ao menos promova um debate minucioso e transparente da matéria, se é que dela há algo a ser aproveitado.
INICIATIVA QUE PUNE “DISCRIMINAÇÃO” CONTRA POLÍTICOS FAVORECE A CORRUPÇÃO, editorial de O Globo
Nada caracteriza tão bem o país do “você sabe com quem está falando?” — feliz expressão celebrizada pelo antropólogo Roberto DaMatta, colunista do GLOBO — quanto o projeto aprovado na Câmara prevendo até quatro anos de prisão pela “discriminação” contra políticos. Discriminá-los merece, aos olhos dos deputados, punição maior que preconceitos contra idosos ou deficientes (sujeitos a pena de até três anos). A iniciativa é um despropósito cujo único objetivo é favorecer a corrupção.
As pessoas “politicamente expostas” definidas no Projeto de Lei da deputada Dani Cunha (União-RJ) formam aquela casta privilegiada, sustentada pelo dinheiro do contribuinte, que DaMatta tão bem descreve em seus livros e artigos: ministros, presidentes, vices e diretores da administração pública, indicados para cargos comissionados, ministros de tribunais superiores e do Tribunal de Contas da União, presidentes e tesoureiros de partidos políticos, procurador-geral da República e seu vice, governadores, prefeitos e seus vices, além, obviamente, de vereadores, dos próprios parlamentares e uma série de outros beneficiados.
Para todos, o texto aprovado garante uma regalia: se forem investigados (criminal, civil ou administrativamente), acusados, denunciados, ou mesmo condenados na Justiça e ainda houver possibilidade de recurso, não poderão ser “discriminados” na abertura de contas em bancos, concessão de crédito e outras atividades. Mais que isso, o projeto estende a proteção a familiares ou “estreitos colaboradores”.
O argumento usado para justificar a medida é, nas palavras do líder do União, Elmar Nascimento (BA), atrair “homens e mulheres de bem” para a vida pública. “É um absurdo cortarem a conta de um deputado ou filho depois de 20 anos porque é uma pessoa politicamente exposta”, afirmou .
Trata-se, porém, de uma proteção sem cabimento. O exame rigoroso das instituições financeiras aos politicamente expostos é uma prática internacionalmente consagrada no combate à corrupção, recomendada por organismos como Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), onde o Brasil pleiteia uma vaga. Existe para evitar que os bancos sejam usados como canal de lavagem do dinheiro desviado dos cofres públicos.
Investigações, denúncias e sobretudo condenações são indícios mais que razoáveis para justificar a cautela. Absurdo é exigir que empresas sejam forçadas a celebrar contratos que ponham sua reputação e seus negócios em risco. Nada disso, porém, parece convencer os parlamentares, preocupados apenas em proteger o patrimônio daqueles que já desfrutam privilégios inacessíveis ao cidadão comum.
O projeto foi apresentado apenas uma hora antes da votação e contou com apoio num arco ideológico capaz de unir PT, PL, PP, PSDB, PSD, União e vários outros partidos. Foi aprovado na Câmara por 252 votos a 163. O Senado precisará agora barrar mais essa barbaridade.
CONTRA “DISCRIMINAÇÃO” CÂMARA APROVA PRIVILÉGIOS, editorial do jornal Valor Econômico
Sob o comando do deputado Arthur Lira (PP-AL), a Câmara dos Deputados está votando qualquer coisa que seja benéfica aos próprios parlamentares. Na quarta à noite, aprovou em minutos um projeto de lei que pune bancos e outras instituições financeiras que se recusem a abrir conta ou fornecer crédito a pessoas politicamente expostas – parlamentares, juízes, prefeitos e membros dos Poderes da União, Estado e municípios. O objetivo declarado é impedir a “discriminação política”.
O PL 2720, escrito por Dani Cunha, deputada novata, filha de Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara cassado por seus pares e condenado a mais de 50 anos de cadeia, foi aprovado na calada da noite após apresentação surpresa e votação sumária na Casa, com aval de Lira. O texto segue agora para o Senado, para espanto de Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que desconhecia a ideia e seu teor.
Depois da invalidação generalizada dos processos de pessoas denunciadas na Operação Lava-Jato, sacramentada pelo Supremo Tribunal Federal, a Câmara, sob comando do Centrão, com frequente apoio do PT, sentiu-se livre para terminar o trabalho contra vigilância legal a suas ações. Prosperam sem a menor barreira peças legislativas que livrem parlamentares de responsabilidade legal sob atos que poderiam ser considerados gravosos pelas leis do país, mesmo os que foram aprovados recentemente pelo Congresso. Os deputados buscam anistia ampla, geral e irrestrita às infrações com dinheiro dos fundos partidários e eleitoral. Os partidos, de maneira geral, ignoraram as cotas de recursos destinadas a mulheres, negros e minorias, além de usarem recursos em atividades vetadas. Agora serão absolvidos por decisão dos próprios infratores.
O PL, aprovado em forma de substitutivo do relator, Claudio Cajado (PP-BA), braço direito de Lira e também relator do arcabouço fiscal, sob aparência de combater discriminação contra políticos, cria privilégios para políticos, detentores de cargos comissionados e a elite do serviço público. O pretexto é falso e a solução é um escárnio, criando obrigações cujo descumprimento acarretam multas e prisões contra instituições financeiras. Segundo a autora, deputada Dani Cunha, “se você tem hoje um pedido para abrir uma conta em uma instituição financeira negado, é preciso haver um motivo”. Se políticos, ou pessoas politicamente expostas, fossem impedidas de ter contas correntes ou obter crédito, teria sido impossível provar atos de corrupção em grande escala, como os que ocorreram nas duas últimas décadas. Não é disso que se trata.
A lei 9613, de 3 de março de 1998, que trata dos crimes de lavagem de dinheiro e ocultação de bens, e que criou o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), estabeleceu uma categoria especial de correntistas, as tais pessoas politicamente expostas, que se estende a parentes de primeiro grau. Inexiste qualquer proibição a elas de realizar operações financeiras de qualquer ordem, apenas a determinação de que movimentação suspeita de recursos seja comunicada pelo Coaf às autoridades competentes. Essa é a razão da identificação específica desse tipo de correntista.
A autora do projeto, deputada Dani Cunha, tem um exemplo de meliância em casa, o próprio pai, Eduardo Cunha. A trajetória de Cunha revela o que é comum nos crimes de lavagem de dinheiro, como o envolvimento de parentes de todos os graus, amigos, laranjas, empresas fictícias etc. Por isso, o projeto de sua autoria parece feito sob medida. Ele proíbe e estabelece punição a bancos que se recusem a fornecer crédito ou manter aberta conta corrente – logo transferências de recursos e outros procedimentos – a pessoas que estejam respondendo “a investigação preliminar, termo circunstanciado, inquérito ou a qualquer outro procedimento investigatório de infração penal, civil ou administrativa, ou pessoas que figuram como rés em processo judicial em curso (sem trânsito em julgado)”.
Mais que isso, serão punidas as instituições que se recusarem a abrir contas e dar crédito aos “estreitos colaboradores de políticos”: pessoas jurídicas que o representem, as que têm sociedade ou propriedade conjunta em pessoas jurídicas de direito privado ou as que têm “arranjos sem personalidade jurídica, que figurem como mandatárias, ainda que por instrumento particular” e “pessoas naturais que têm o controle de pessoas jurídicas de direito privado ou em arranjos sem personalidade jurídica, conhecidos por terem sido criados para o benefício de uma pessoa exposta politicamente”. Pela descrição, serão punidos todos aqueles que evitarem dar crédito ou movimentação de recursos a um vasto “laranjal”.
A aprovação de um projeto tão indigno e anti-republicano teve o apoio de pelo menos 45 deputados do Partido dos Trabalhadores. O deputado Marcel van Hattem (Novo-RS), que votou contra, resumiu sua essência. “A qualquer estelionatário, réu condenado em segunda instância, a qualquer pessoa criminosa está sendo garantida a abertura de conta no banco e inclusive a concessão de crédito”, disse.