O governador Jorginho Mello, PL, acaba curtir à sua primeira ressaca eleitoral depois de empossado em primeiro de janeiro deste ano. Se tivesse ficado na dele e focado na estruturação da sua equipe, produção de resultados, bem como fortalecido o relacionamento com Legislativo, teria evitado este carimbo. Esta é a observação de bastidores que se tenta esconder ou contorná-la com narrativas..
Os vereadores Jairo dos Passos Cascaes, PSD, e Moisés Nunes, PP, foram eleitos respectivamente pela Câmara como prefeito e vice de Tubarão. Eles derrotaram por dez votos a cinco, a chapa concorrente formada pelos também vereadores José Luiz Tancredo, MDB e Denis Matiola, PSDB. Os vencedores substituirão o ex-prefeito Joarez Ponticelli, PP, e Caio Cesar Torkaski, União Brasil, pegos e presos na Operação Mensageiro (a fedorenta propina do lixo distribuída pela empresa Serrana a dezenas de políticos presos e soltos). Esta é a notícia. É velha. É passado. É lição. É também a advertência.
E por quê, o PL sem condições de se armar para a disputa no mandato tampão em Tubarão e o governador Jorginho resolveram empatar o jogo até o último minuto acionando inclusive a Justiça por terceiros interessados? Simplesmente porque não tinham chances. E esta será a marca desse pessoal. Apoiaram os perdedores que se sabia desde cedo, que perderiam. E perderam. Os perdedores aceitaram. Numa boa. Já os apoiadores… Ao final, venceu, mais uma vez, a articulação do deputado Júlio Garcia, PSD.
O próximo teste do PL catarinense e seu entorno será daqui a três semanas, em Brusque. E as apostas mostram que Jorginho pode ter feito outra escolha equivocada. Logo ele, que possui quase uma dezena de disputas eleitorais nas costas, ou seja, não é nenhum ingênuo ou neófito neste assunto. Por isso, deveria estar experimentado em cheirar coisas mal enjambradas das campanhas e candidaturas. Ao invés de amadurecer, está preferindo a arrogância.
Jorginho primeiro precisa escolher qual PL ele vai abraçar: o radical do ex-presidente Jair Messias Bolsonaro, ou o de conservadores que é parte da tradição de Santa Catarina. Aliás, Jorginho já foi o do PL, mas o de Valdemar da Costa Neto, o que foi dar na cadeia. Feita a escolha é preciso liderar e não impor, ou pior, deixar que gente estranha e até mesmo de fora do estado, diga o que tem que ser feito aqui. Soa deboche com a autonomia, individualidade, civilidade e pluralidade dos catarinenses que não estão afeitos a cabrestos. Mais. Beira a suicídio político como, por exemplo, a plantação de experimentos. Entre eles, de que em Blumenau teremos uma candidata forasteira. Pior: nem isso está afastado em Gaspar.
Jorginho e o PL não dementem que a criciumense, a deputada Federal Júlia Zanatta, por ter a benção de Bolsonaro, o mito, e o apadrinhamento de Jorginho seja ela a candidata do partido em Blumenau em outubro do ano que vem. Suprema humilhação aos blumenauenses. Mostra que falta ao PL o senso mínimo do ridículo e mais do que isso, de que não se preparou adequadamente, neste exemplo, para a disputa na cidade vizinha. Na verdade, o que o PL e Jorginho estão dizendo é que o deputado do partido, Ivan Naatz, continua sendo uma carta sem valor neste baralho e que tem dono: Bolsonaro, Jorginho, o senador do zero Jorge Seif Júnior e outro punhado de radicais.
Um parêntesis. O artigo já estava pronto, quando nesta madrugada se anunciou a prisão do ex-diretor geral da Polícia Rodoviária Federal Silvinei Vasques. Ele, num caso assemelhado a Blumenau, embolou a futura disputa em São José. Tudo na marra. Com uma diferença: Silvinei possui identidade com São José.
Retomando.
E Gaspar? Nem mesmo o PL sabe o que será dele até a convenção em meados do ano que vem.
O engenheiro Rodrigo Boeing Althoff está agarrado na cúpula do partido – porque é lá que está se decidindo e errando – depois de ficar sumido e não assumir o protagonismo que a eleição de 2020 lhe concedeu. Neste vácuo, o deputado Ivan colheu a assinatura do atual vice-prefeito Marcelo de Souza Brick para ser PL, que está no Patriota. Deu xabu dentro do próprio PL daqui e principalmente o de Jorginho quando esta ideia veio a público. No fundo, o PL daqui sabe que poderá até ganhar, mas não vai levar, seja qual for o candidato que será posto para concorrer.
E precisava de tantos desgastes numa disputa interna que divide, enfraquece a direita, os militantes e o próprio partido?
Enquanto uma parte do PL de Gaspar mostra as mazelas do atual governo liderado há dois mandatos por Kleber Edson Wan Dall, MDB, outra se esforça para se fazer de desentendida.
E o que Jorginho tem a ver com isso? Como governa mal e com o fígado, possui dificuldades de governabilidade na Assembleia e mesmo assim quer que o seu baralho seja o do jogo. Jorginho poderá ser o maior derrotado das eleições de outubro do ano que vem. A vinda dele sexta-feira passada Blumenau para falar com os prefeitos da região, foi só um trailer de um filme de quinta categoria que está em exibição e que os catarinenses não estão acostumados com tão baixa qualidade, num estado que é referência nacional. Acorda, Gaspar!
TRAPICHE
Engana que eu gosto. Uma conta que não conta para Gaspar. O governador Jorginho Mello, PL, somou tudo e disse que está liberando quase R$14 milhões para Gaspar. E todos por aqui quietos. Deste valor R$10,8 milhões são para a Celesc ampliar as subestações, redes e assim, disponibilizar mais energia elétrica para atender à demanda de crescimento da cidade. Este investimento é obrigação do governo do estado e não um favor a Gaspar ou aos gasparenses.
O que o governador Jorginho Mello queria? Sufocar o crescimento e o desenvolvimento industrial, comercial, logístico e até residencial de Gaspar? Vergonha. Um político liberal, num partido que se diz liberal, deveria, antes, promover as privatizações de empresas como a Celesc e a Casan, para que esses recursos em estatais improdutivas, desatualizadas tecnologicamente e sem meios de capitalização para suportarem o óbvio e necessário crescimento da demanda de seus serviços, tivessem destino mais nobre nas obras estruturantes, educação, saúde e sociais.
“No Brasil, a imprensa é muito séria. Se você pagar, eles publicam até a verdade”. Este achado é do compositor, músico e humorista Juca Chaves (1938/2023). Como eu não cobro nada de ninguém, concluiu-se que eu não sou da imprensa. E todos ficam chateados.
Estas fotos dos das reuniões partidos em Gaspar são reveladoras. Não exatamente pelos minguados e inexpressivos que aparecem nelas, mas principalmente pelas ausências.
Estas taxas criadas para os cemitérios de Gaspar provocaram um debate acalorado em grupos de aplicativos de mensagens onde estão até, vereadores. Eles todos votaram favoráveis à surpresa. Sem explicações, estão culpando o povo que ficou bravo, e até este espaço que esclareceu. Mas, o que assustou mesmo num desses grupos, foi saber que o vereador está trocando de lado. Os do grupo, avisados neste espaço, de forma pública, por mim, estavam.
O prefeito Kleber Edson Wan Dall, MDB, foi à sua rede social e publicou uma foto num almoço com um parente em pleno domingo. E perguntou: o que você está fazendo neste domingo? Um deles respondeu: “trabalhando. Limpando a sepultura aqui no cemitério. Tá no osso né!”.
Para os que reclamam de que a maioria dos Processos Administrativos Disciplinares não dão em nada como relatei na segunda-feira, um experiente na área e assíduo leitor me reportou o artigo 339 na redação dada pela Lei 14.110/2020. O papel e a lei são bons. Mas, a prática uma desgraça…
“Dar causa à instauração de inquérito policial, de procedimento investigatório criminal, de processo judicial, de processo administrativo disciplinar, de inquérito ou de ação de improbidade administrativa contra alguém, imputando-lhe infração ético-disciplinar ou ato improbo de que o sabe inocente: pena – reclusão, de dois a oito anos e multa; a pena é aumentada de sexta parte, se o agente se serve de anonimato ou de suposto nome; pena diminuída de metade, se a imputação é de prática de contravenção”.
Gaspar como ela é. A rotatória da Rua São Bento com a Rodovia Ivo Silveira (Gaspar a Brusque que os políticos daqui não a querem duplicada e como um eterno caminho da roça) estava pronta. Beleza. Menos de um mês depois, está sendo refeita. Para ganhar novo gabarito e dar segurança aos veículos que passam por lá. Perguntar não ofende: nenhum engenheiro viu isso na prancheta? Precisou antes gastar muito tempo e dinheiro? Quem ganha mesmo com isso?
A culpa dos outros. A falta de pavimentação num trecho da Vidal Flávio Dias foi tema do Jornal do Almoço de segunda-feira, na NSC TV de Blumenau. Exposto a um drama sem fim, o prefeito Kleber Edson Wan Dall, MDB, para não receber perguntas na lata, gravou um vídeo resposta. Disse que está esperando a liberação de um empréstimo do BRDE. Não disse que o pedido para tal empréstimo foi feito depois de sete anos e que a prefeitura está sem lastro para endividamento. Na semana passada o prefeito foi a uma feijoada com empresários da rua. Talvez para comemorar poeira e lama.
Atrasada, muito atrasada. Estamos em 2023 e finalmente a vizinha Blumenau aderiu aos parquímetros para o estacionamento rotativo, a chamada Área Azul. Em Gaspar, quando era prefeito, Adilson Luiz Schmitt, apresentou a ideia em 2007, em 2008 fez a Lei, mas em 2009 com a volta do prefeito Pedro Celso Zuchi, PT, ao poder, tudo voltou ao papelinho e aos jeitinhos, incluindo à rotineira falta de monitores para tudo piorar. Como se vê, por aqui, o atraso maior. E uma marca de governo e de alguns “donos” da cidade.
E o Republicanos? Mostrou que é camaleão. Está trocando de pele. Bolsonarista raiz na eleição passada, o partido da Igreja Universal, está se tornando parça do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, PT. E para isso, está até se retirando da CPI do MST.
6 comentários em “JORGINHO PERDE A PRIMEIRA ELEIÇÃO COMO GOVERNADOR. SE NÃO SE CUIDAR TERÁ OUTRA DERROTA EM SETEMBRO. SE ENTENDER OS AVISOS, FOCARÁ NO CENTRO ADMINISTRATIVO PARA CRIAR RESULTADOS À CAMPANHA DE ALIADOS EM OUTUBRO ANO QUE VEM”
HADDAD E A MUDANÇA DA META FISCAL, por Adriana Fernandes, no jornal O Estado de S. Paulo
O projeto do novo arcabouço fiscal ainda nem teve a sua votação concluída no Congresso, e o debate sobre mudança da meta fiscal de 2024 corre solto em Brasília.
Já era esperado que essa discussão acontecesse com o fim do teto de gastos e a sua substituição por um novo regime fiscal que precisa do aumento da arrecadação para abrir espaço para novas despesas. O problema, porém, chegou cedo demais.
Foi no dia 30 de março que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, se comprometeu com a meta fiscal de zerar do governo em 2024. Naquele momento, havia desconfiança na política econômica e no projeto do arcabouço ainda em construção, além de pressão do PT por uma regra fiscal mais flexível.
O ministro precisava melhorar as expectativas e criar um ambiente favorável para a queda de juros pelo Banco Central. Decidiu anunciar que o déficit seria zerado em 2024, e que precisava de R$ 150 bilhões de receitas a mais.
Haddad fez uma aposta de alto risco, e agora está tendo de lidar com isso. Ele ainda não tem garantida a arrecadação necessária para acabar com o déficit, e boa parte das medidas para aumentar as receitas ainda não foi anunciada. Muito menos há compromisso do Congresso em aprová-las.
O ministro tem um dilema pela frente e quatro caminhos para escolher. O primeiro deles é seguir com a aposta, garantir o aumento das despesas já programado e descumprir a meta fiscal. Sem dúvida, um risco moral e de credibilidade logo no primeiro ano de vigência do novo arcabouço. Haddad pode também recuar e patrocinar uma mudança na meta durante a votação da LDO. Cenário que ele rejeita.
Voltar atrás de um compromisso assumido há menos de cinco meses não está na mesa do ministro. O terceiro caminho, e o mais provável, é correr com força atrás das medidas e do crescimento da economia para aumentar a arrecadação. Interlocutores de Haddad afirmam que o Ministério da Fazenda tem plano A, B, C e D de medidas para elevar as receitas.
O quarto caminho é Haddad se ver obrigado a cortar despesas menos prioritárias – a receita básica de um ajuste fiscal. A hora da verdade está chegando. É o dia 31 de agosto, quando o governo envia ao Congresso o projeto de Orçamento e terá de mostrar as cartas na mesa.
É péssimo que o debate sobre flexibilização da meta, que marcou a política fiscal brasileira por muito tempo, já tenha começado. Um repeteco de um passado indesejável em que, a todo momento, o ministro da Fazenda tinha de responder a pergunta: a meta vai mudar?
MUITO FALATÓRIO, por Willian Waack, no jornal O Estado de S. Paulo
O Brasil encontra dificuldades na sua “diplomacia ambiental”, descrita por Lula como “passaporte para uma nova relação com o mundo”. Além de ajudar a escapar do “lugar subalterno de fornecedores de matéria-prima historicamente a nós reservado”.
As dificuldades começam em casa. Ficaram claras na Cúpula da Amazônia, que terminou sem um compromisso sobre metas de desmatamento e exploração de energia fóssil na região. Como liderar se o próprio País empurra para adiante as metas de desmatamento e não define se vai ou não explorar petróleo na faixa tropical?
As mesmas dificuldades domésticas surgiram em relação à economia de baixo carbono. Os ministérios de Fazenda, Indústria e Comércio e Agricultura tinham chegado a entendimento para regular no Brasil o comércio de emissões de carbono. Simplificando, seria mirar os modelos internacionais para compra e venda de permissões para emitir gases de efeito estufa.
O texto ficou praticamente pronto e faltava ao governo apenas definir se o enviaria à Câmara em forma de projeto de lei ou se o incorporaria a outras propostas em análise no Congresso. Mas o Meio Ambiente (leiase Marina Silva) atravessou o entendimento com suas sérias dúvidas sobre a “monetização” do esquema – sugerindo em seu lugar uma espécie de “escambo” internacional.
A questão é mais abrangente do que parece – tornou-se de natureza geopolítica. O Brasil é uma reconhecida superpotência na produção de alimentos, mas especialistas como Roberto Azevêdo, ex-diretor-geral da Organização Mundial do Comércio, alertam para o fato de que o sequestro de carbono está se tornando mais relevante do que “simplesmente” produzir alimentos.
A tendência é considerada irreversível, e ligada à transição energética, um âmbito no qual o Brasil teria lições a dar. O problema para a ambição brasileira de “liderar” a pauta ambiental está, porém, no fato de a Europa ter se transformado na principal plataforma regulatória internacional, o que inclui o mercado de carbono.
Nesse âmbito internacional da diplomacia ambiental, a presidente da Embrapa, Silvia Massruhá, admite uma enorme dificuldade: o Brasil ainda precisa “mostrar ao mundo” que dispõe de métricas adequadas desenvolvidas em seu ambiente próprio de agricultura tropical. Por exemplo, que não só exibe agricultura sustentável, mas que dispõe da capacidade de certificação de emissões de carbono.
No atual governo são 17 os ministérios que se ocupam de uma maneira ou outra de questões ambientais. Produzem para a diplomacia ambiental muita fragmentação e falatório. Mas falta estratégia.
PARTIDOS PERDULÁRIOS, editorial do jornal Folha de S. Paulo
Tão previsível quanto a realização de eleições é a ofensiva dos partidos políticos em busca de mais dinheiro do contribuinte para financiar suas campanhas. Não seria diferente neste 2023, quando se definem os recursos para as disputas municipais do próximo ano.
Desta vez, busca-se uma alteração de última hora no projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2024, que, na versão enviada pelo Executivo ao Congresso, limita a dotação do Fundo Especial de Financiamento de Campanha —ou fundão eleitoral, como é conhecido— aos mesmos R$ 4,96 bilhões autorizados em 2022.
A LDO deveria ter sido aprovada até o início de julho, segundo condição imposta pela Constituição para o recesso de deputados e senadores. Os parlamentares recorreram a um período de folga informal sem tampouco terem concluído a votação da nova regra fiscal.
Com isso, estão em suspenso os parâmetros para a elaboração do projeto de Orçamento do próximo ano, que precisa ser remetido ao Legislativo até 31 de agosto.
Em meio à barafunda, o mundo político ensaia aumentar a despesa nas já muito incertas finanças públicas de 2024. Ressalte-se que a verba do fundão na eleição passada já representou um salto ante as cifras de pleitos anteriores, que não chegaram a R$ 2,5 bilhões em valores corrigidos pela inflação.
Acrescente-se que os partidos já recebem todos os anos dinheiro de outro fundo orçamentário, que hoje tem quase R$ 1,2 bilhão, destinado ao custeio de suas atividades e frequentemente empregado em gastos questionáveis.
Não se desconhece que campanhas são caras em um país tão grande, nem que o financiamento público contribui para mitigar o peso do poder econômico nas disputas. Mas não se vê justificativa para expandir ainda mais um gasto que, segundo pesquisa do Movimento Transparência Partidária, já é elevado para padrões internacionais.
Em universo de 25 países, entre os quais EUA, Alemanha, França Reino Unido, México, Argentina e Chile, apenas o Brasil destina algo como US$ 1 bilhão em dinheiro do contribuinte para eleições —na grande maioria, a conta fica abaixo dos US$ 100 milhões.
Os partidos brasileiros devem buscar inserção na sociedade e mais recursos de filiados e simpatizantes. A extração crescente de verba do erário alimenta a proliferação de siglas amorfas, desprovidas de conteúdo programático.
TASRCÍSIO NA PEDAGOGIA DA ENROLAÇÃO, por Elio Gaspari, nos jornais Folha de S. Paulo e O Globo
Depois do anúncio de uma iniciativa desastrada para levar a pedagogia da rede pública de ensino de São Paulo para plataformas digitais, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, pareceu ter corrigido o curso, anunciando:
— Nós vamos encadernar [o material] e entregar impresso, encadernado. Ou seja, se o aluno quiser estudar digitalmente, ele vai poder, se ele quiser estudar no conteúdo impresso, ele também vai ter essa opção.
Se Tarcísio tivesse chegado ao governo de São Paulo depois de ter feito fama plantando couve, essa declaração seria aceitável. Ele foi um aluno estelar do Instituto Militar de Engenharia. Depois foi um administrador severo na faxina do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes e um correto ministro da Infraestrutura durante o governo Bolsonaro. Com essas credenciais, sabe do que está falando e, por saber, passou da pedagogia da truculência para a da enrolação.
Um caminhão e uma locomotiva são meios de transporte, mas não se podem colocar locomotivas em estradas nem caminhões sobre trilhos. O mesmo acontece com o material escolar impresso e os livros ou apostilas colocados em plataformas eletrônicas.
Deixe-se de lado a questão dos custos e da disponibilidade de equipamentos para a impressão dos volumes, o que não é pouca coisa. O governador se queixa porque “tudo vira polêmica, mas eu acho que as coisas às vezes são mal comunicadas por nós mesmos”.
Seu secretário de Educação, Renato Feder, anunciou que dispensaria os livros impressos do Ministério da Educação, migrando para as plataformas eletrônicas. A natureza truculenta da comunicação passou por cima da sua própria essência polêmica: a migração do livro impresso para o eletrônico. Há aí uma saudável polêmica, desde que, como toda polêmica, abrigue um debate.
O uso de equipamentos eletrônicos nas escolas é uma janela para o futuro, mas a experiência de Pindorama nessa área tem mais a ver com malfeitorias de todos os tempos. Estão aí os kits de robótica superfaturados que foram para prefeituras alagoanas. Também esteve aí a compra bilionária de laptops pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, barrada pela Controladoria-Geral da União.
O secretário Feder disse que, neste semestre, poderá distribuir para estudantes 20 mil celulares apreendidos pela Receita Federal. Como, não explicou. Sabe-se que o secretário é acionista de uma empresa que vendeu ao governo de São Paulo, na administração passada, 97 mil notebooks, pelo valor de R$ 200 milhões.
Atrás dos livros didáticos impressos existe um mercado bilionário, e atrás da pedagogia digital existe outro, mais complexo. A Bíblia de Gutenberg, impressa no século XV, está nos museus e, além dos cuidados de limpeza, não exige manutenção. As plataformas eletrônicas exigem manutenção permanente e dispendiosa.
A ideia segundo a qual um estudante pode optar pelo livro impresso ou sua versão eletrônica é pura enrolação. Se o governador e seu secretário querem modernizar o ensino público de São Paulo, podem fazê-lo sem truculência ou enrolações.
Basta que se movam ao ritmo da burocracia, evitando a sofreguidão, muitas vezes tóxica, do ritmo de empresários interessados em fechar negócios.
O NEGACIONISMO “APENAS COMPLEMENTAR”, por Vera Magalhães, no jornal O Globo
A decisão do presidente Lula de sancionar uma lei que autoriza o emprego de ozonioterapia no Brasil, a despeito de não haver nenhuma comprovação científica de sua eficácia e, pelo contrário, de existirem muitas evidências de que ela pode ser maléfica, parece se amparar no adendo de que seu uso será “apenas complementar”.
É como se essa expressão marota redimisse Lula e o governo de chancelar o mais acabado negacionismo — que, se já não fosse indefensável do ponto de vista científico, se mostra um desastre sob o aspecto político, uma vez que foi justamente a ozonioterapia uma das mandracarias vendidas pelo bolsonarismo no auge da pandemia de Covid-19, num discurso que negava a eficácia de vacinas, máscaras e distanciamento social na outra ponta.
Para quê? Baseado em quê? Para agradar a quem? Ninguém do entorno do presidente com quem se converse sabe explicar. Na comunidade científica, que comeu o pão com cloroquina que o diabo amassou nos anos Bolsonaro, nota-se certa decepção, seguida por um prurido também bastante discutível de questionar de forma mais enfática a decisão do presidente.
Assim como setores das ciências humanas, do jornalismo, do Direito e da cultura, também entre os cientistas parece grassar certa superstição de que qualquer crítica ao governo que já vai pelo seu oitavo mês significaria alguma dose de condescendência com o que o país viveu sob o jugo de Bolsonaro. Ou, num raciocínio semelhante, que criticar Lula pode impulsionar a volta da direita. Tais argumentos são não apenas desonestos intelectualmente, como têm o condão de, no limite, interditar qualquer debate sobre os rumos do governo, o que não pode dar em boa coisa.
Ao assinar a lei da ozonioterapia, Lula contribuiu para enfraquecer ainda mais a ministra da Saúde, Nísia Trindade, cuja cadeira está na mira do PP de Arthur Lira. Depois de dizer que a ministra fica, Lula só tomou atitudes para desautorizá-la, da discussão sobre a volta da Funasa até essa desastrosa decisão de permitir uma terapia que não tem nada de eficaz.
São muitas as deficiências do SUS que deveriam ser prioridade do governo eleito para reerguer o sistema, e nenhuma delas passa pela injeção de ozônio no corpo dos pacientes. Para ficar só no tratamento de câncer, uma das áreas em que os charlatães vendem as maravilhas da terapia agora aceita em caráter “complementar”, faltam aparelhos para radioterapia na maior parte dos hospitais, e o diagnóstico tardio para quem não tem acesso a bons planos de saúde é uma sentença de condenação a ter mais chances de morrer.
Sim, a permissão “complementar”, água com açúcar, do ozônio não implicará gasto público. Mas a diretriz de política pública precisa ser coerente, e um governo que vem em substituição a outro de viés obscurantista não tem o direito de ser um pouquinho negacionista só porque os pacientes serão avisados de que aquela terapia é de cunho acessório, não é para valer.
O debate público está de tal maneira desvirtuado no Brasil que, enquanto à esquerda havia um luto silencioso com a sanção da lei por Lula, na direita, que até outro dia passava pano para mais de 700 mil mortes na pandemia, havia quase comemoração de Copa do Mundo pela decisão que aproximaria o petista do clube dos que desprezam a ciência. De lado a lado, às favas os escrúpulos ou a saúde, o que importa é reforçar na sociedade a odienta polarização.
Em meio à absoluta falta de compromisso com a boa evidência científica, que obrigaria Lula a vetar essa bobajada, fica a população, já iludida pelos “milagres” do ozônio no rejuvenescimento e sabe-se mais lá em que outras tantas finalidades. Mas olha: é só em caráter complementar, viu, pessoal?
LULA TEM SORTE, por Mariliz Pereira Jorge, no jornal Folha de S. Paulo
A notícia da aprovação da ozonioterapia como tratamento complementar de saúde teve gosto de déjà-vu. Uma volta a 2020, quando Jair Bolsonaro montou um gabinete anticiência paralelo, demonizava as vacinas, e oferecia cloroquina até às emas do Palácio da Alvorada.
Mas, ao contrário do que houve na pandemia, quando a população estava ligada em todas as ações do abestado que comandava o país, a comoção pelo negacionismo de Lula tem sido pífia. Sim, negacionismo. O presidente ignorou a recomendação de entidades médicas, da Anvisa e da ministra da Saúde, Nísia Trindade.
Os eleitores de Lula poderiam facilmente tratar o assunto como estelionato eleitoral, uma vez que o então candidato teve o “fim do obscurantismo científico” como um dos pilares de sua campanha. O presidente ignora o fato de que a ozonioterapia é um procedimento considerado experimental. Ao que parece, gás no fiofó dos outros é refresco.
Mas Lula tem sorte. Uma parte significativa de seu eleitorado jamais contestará qualquer decisão de painho, por mais absurda que seja. Outra parte abandonou os jornais, os sites, o Twitter e segue exausta pela distopia dos últimos anos e alheia ao que é feito no novo governo. É compreensível, mas não aceitável, deixar de fiscalizar um novo presidente apenas porque ele não é medíocre, incompetente, um terraplanista político, como seu antecessor. Lula tem sorte de a sociedade estar anestesiada, ainda sob efeito da ressaca do golpismo.
Se o pessoal estivesse ligado, teria sido uma gritaria a não nomeação de uma mulher para o STF —o que pode se repetir quando Rosa Weber se aposentar—, a defesa da exploração de petróleo na Foz do Amazonas, a fritura em banho-maria da ministra Marina Silva, os afagos a ditadores de esquerda. Sem falar de todas as declarações equivocadas, desconectadas do espírito do tempo.
Lula tem sorte, mas precisa também de juízo.