Alterado e corrigido às 12h54min. Esta cena estava desenhada há tempos e aconteceu. Depois de quase ser cassado por dois impeachments e infernizado por uma CPI que também não deu em nada, o ex-governador Carlos Moisés da Silva, Republicanos, perdeu a soberba e resolveu governar. Era tarde, como mostrou claramente o 30 de outubro do ano passado. Primeiro, ele se deixou levar pelo salvador de governos em Santa Catarina, o MDB; segundo para se estadualizar com mais rapidamente, pois vivia entocado na Casa da Agronômica, adotou uma política municipalista. E nela, o principal elo de relacionamento foi o tal Plano 1000 que prometeu liberar algo em torno de R$7,3 bilhões em quatro anos para projetos locais em todos os municípios catarinenses.
Os prefeitos do Vale Europeu foram ontem a Florianópolis, e com o secretário de Fazenda, Cleverson Siewert, MDB, foram reclamar para a forma como ele trancou a porta dos cofre em projetos essenciais e que já estão em andamento em vários municípios da região. O prefeito de Gaspar, Kleber Edson Wan Dall, MDB, não foi. Mandou o secretário adjunto de Fazenda e Gestão Administrativa, Marcos Roberto da Cruz posar para a foto acima e feita no gabinete do secretário. O titular Jorge Luiz Prucino Pereira e o prefeito estão em Brasília desde ontem cedo na viagem mensal a Capital Federal. E de lá, oficialmente, ainda mandaram informações de suas andanças. Kleber, mandou uma postagem parabenizando os demais prefeitos pelo encontro
No caso de Gaspar, Kleber foi resistente a entrar no grupo do Vale Europeu e do próprio MDB – liderado pelo deputado Jerry Comper, de Ibirama, em apoio a Carlos Moisés. Mais. Levou os projetos na última hora e não deu apoio explícito à reeleição de Carlos Moisés. A discrição, acompanhou os posicionamentos dos demais prefeitos no primeiro turno a favor de Carlos Moisés, mesmo sabendo dos riscos que corriam com a derrota dele.
O que se sabe, é que todos entraram de cabeça para a eleição de Jorginho Mello, PL, no segundo turno. E agora estão cobrando a fatura.
Jorginho eleito, escolheu Cleverson – oriundo do MDB do falecido Luiz Henrique da Silveira – para ser seu secretário de Fazenda. E para interromper uma série laços de compromissos financeiros prometidos pelo antecessor e para justificar o retardamento de algumas promessas de campanha, Jorginho mandou Cleverson para uma patética entrevista dizer que o estado estava quebrado por conta da suposta má administração de Carlos Moises. No mundo plugado pelas instantâneas redes sociais, o contraponto, com números, veio logo de imediato.
O que está acontendo de verdade?
Os prefeitos já estão em outra campanha eleitoral: a dos seus municípios no ano que vem. Querem ser reeelitos ou fazerem sucessores. E estão inconformados com a sinalização dada pelo governador Jorginho.
Os prefeitos do Vale Europeu já foram dar o recado a Jorginho via o secretário que cuida das contas públicas. Foram lá com apoio de parte dos deputados que representam a região. A porteira se abriu. Agora, virão outros prefeitos e que estão na mesma situação de inconformismo e que em parte, eles mesmos criaram quando cruzaram os braços no primeiro turno para não despertarem contra si a ruidosa ira bolsonarista que não queria ver Carlos Moisés reeleito e o rotulavam de traíra.
Jorginho que mal consegue se estabelecer na governabilidade. Ele possui reais dificuldades para se compor na estabilidade dentro do seu próprio PL e neste momento, também vendo escapar o apoio achava possuir em vários municípios. Vai ter que dar nova “roupagem” -para chamar de seu – e solução para o Plano 1000 de Carlos Moisés. E se não der, vai sofrer retaliações na Assembleia Legislativa diante dos deputados que se aliaram a Jorginho pela governabilidade, mas pressionados por suas bases.
TRAPICHE
Quem foi ontem com os prefeitos do Vale Europeu ao secretário da Fazenda estadual, Cleverson Siewert, MDB, foram os deputados de primeiro mandato e ex-prefeito de Blumenau, Napoleão Bernardes, PSDB, bem como o delegado Egídio Maciel Ferrari, PTB.
Quem estava ausente? O reeleito Ivan Naatz, PL, que ainda luta para estar bem posicionado no governo de Jorginho Mello, PL, e o novato Marcos Rosa, União Brasil, dobradinha do novo prefeito de fato de Gaspar, o deputado Federal Ismael dos Santos. Sintomático.
Segundo as contas dos prefeitos do Vale Europeu que incluem Blumenau, Brusque, Gaspar, Indaial, Timbó, Ascurra, Rodeio, Benedito Novo, Rio dos Cedros e Pomerode, dos R$250 milhões contratados, faltam repassar R$185,9 milhões, ou seja, 71,75%. Uau!
O secretário ouviu. E segundo ele vai tomar pé da situação (?) e estudar com o governo um “encaminhamento”. Os prefeitos apenas mostraram publicamente aos seus municípes – onde a notícia se tornou manchete -, onde está o gargalo das obras prometidas e que vão ser cobradas na eleição do ano que vem.
O deputado Ivan Naatz, PL, que aparecia como o grande articulador político de Jorginho Mello, PL, pós eleição, murchou. Quatro fatores contribuiram para isso: a clara divisão interna no PL; o açoadamento de Naatz na composição com o PP pelo domínio na Assembleia Legislativa que não lhe dava maioria; a viagem de férias de Naatz com a família por quase um mês em pleno período de negociações duras de composição do novo governo; e a característica natural de Naatz para o belecismo e não exatamente para engolir sapos.
Com isso, o deputado Ivan Naatz foi perdendo espaço. Não será o líder do seu partido na Alesc e já não é mais o mais cotado para ser o líder do governo na mesma Casa Legislativa. Ontem, ele publicou uma foto de campanha dele com o governador, comemorando a proposta de zeramento da fila de cirurgias.
O fedor do lixo. O prefeito de Tubarão e também ex-deputado, Joarez Pontecelli, PP, foi detido na operação “Mensageiro”. Agora já são sete os prefeitos detidos. Impressionante.
Marquetagem. A elaboração de uma simples rotineira sessão especial de comemoração dos 89 anos de emancipação de Gaspar, levou o presidente da Câmara, Ciro André Quintino, MDB, convidar entidades para discutir a pauta.
A diretoria de Trânsito de Gaspar – Ditran – é uma das maravilhas decorativas. Nesta manhã o semáfaro da Avenida das Comunidades com a Rua São Pedro entrou em curto. Um transtorno sem fim. Pouco metros adiante, outro semáfaro no cruzamento da Avenida Duque de Caxias e a Rua Doralício Garcia foi derubano no final de semana e tudo se agrava ainda mais. Nem um agente de trânsito para orientar.
E se não fosse pouco, vídeos nas redes sociais, mostraram motoristas se perdendo na lombada elevada, recém feita e sem sinalização horizontal na Francisco Mastella; a entrada do bairro Sete de Setembro pela rua Olga Wehmuth ainda sem a solução prometida, bem como caminhões manobrando e passando por canteiros no centro da cidade. Incrível! Acorda, Gaspar!
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AO FUNGIR DO RINGUE, CAMPOS NETO FORÇA LULA DIZER O QUER QUER ALÉM DA BRIGA, Josias de Souza, no UOL
Quando um quer, dois costumam brigar. Mas a entrevista de Roberto Campos Neto ao Roda Viva mostrou que Lula terá dificuldades para arrastar o chefe do Banco Central até o centro do ringue. Restaram ao presidente da República duas alternativas. Numa, mais simples, Lula espanca o vento. Noutra, mais trabalhosa, Lula apresenta os planos do seu governo para entregar três mercadorias que prometeu na campanha eleitoral: tranquilidade, previsibilidade e prosperidade. Nada disso será obtido sem resultados concretos na economia.
Chegou-se a um impasse. Sabe-se do que Lula não gosta. Falta saber o que Lula pretende. Ele considera a autonomia do BC “uma bobagem”. Mas a “bobagem” resulta de decisão do Congresso. Rodrigo Pacheco e Arthur Lira, presidentes do Senado e da Câmara, informam que é nula a chance de a lei ser modificada. Ou Lula testa sua musculatura no Legislativo ou muda de assunto. Acha que a meta de inflação deveria subir dos atuais 3,25% para 4,5%. Quem cuida desse assunto é o Conselho Monetário Nacional. Nele, o governo tem maioria. O colegiado se reúne nesta quinta-feira. Ou Lula aciona sua maioria ou vira a página.
A inflação oficial fechou o mês de janeiro a 5,77% no acumulado em 12 meses. Isso está acima do teto da meta, que é de 4,75%, considerando-se o intervalo de tolerância de 1,5 ponto percentual. A obrigação do BC é perseguir o cumprimento da meta. Sua ferramenta é a taxa de juros. Lula acha que a Selic anual de 13,75% é exorbitante. As torcidas do Flamengo e do Corinthians concordam. A questão é: como baixar? Trabalhando em harmonia, BC e governo podem chegar a algum lugar. Em desarmonia, chegarão à balbúrdia.
Com mandato até o final de 2024, Campos Neto afirmou que não cogita renunciar. Disse reconhecer a legitimidade da eleição de Lula. Prontificou-se a dar explicações no Congresso tantas vezes quantas forem necessárias. E revelou-se aberto ao diálogo com o presidente. Lula se queixa de que o presidente do BC é bolsonarista. O bolsonarismo não o enobrece. Ao contrário. Mas a preferência eleitoral não impediu Campos Neto de subir os juros na reta final da eleição, em resposta ao populismo fiscal do capitão.
Às voltas com o seu terceiro mandato presidencial, Lula sabe como poucos que, num regime presidencialista, a cara do soberano será sempre o rosto da crise. Retornou ao trono prometendo o melhor governo da história. Se não entregar a mercadoria, sua opinião sobre Campos Neto importará muito pouco. Talvez devesse levar um lote de projetos à vitrine e um semblante de tranquilidade à face.
UM PROBLEMA A MENOS, por Carlos Andreazza, no jornal O Globo
Fulanizarei: a autonomia do Banco Central existe para que Roberto Campos Neto não seja integralmente Roberto Campos Neto. Desenvolvendo: a autonomia do BC — autonomia, não independência — existe para que Roberto Campos Neto, presidente do BC, seja menos Roberto Campos Neto, o bolsonarista.
Fulanizei, mas a questão é impessoal. A autonomia do Banco Central serve para que o bolsonarismo de Sicrano, ou o petismo de Beltrano, seja esvaziado — minimizado — e tenha, pois, carga reduzida sobre a gestão da autoridade monetária.
A autonomia do BC consiste em solução que diminui o espaço para lambanças derivadas de escolhas, de pressões políticas. Atenção: não exclui a dimensão — os efeitos — da incompetência de seus dirigentes. Encurta a superfície em que paixões partidárias — e as influências, interferências, de líderes políticos — condicionam as tomadas de decisão.
A autonomia do Banco Central não é — nunca será — a panaceia da estabilidade e do poder de compra da moeda nacional, garantindo per se a fortaleza do sistema financeiro. É — e assim deveria ser entendida — instrumento, a ser constantemente aperfeiçoado, que compõe o esforço em defesa da impessoalidade na avaliação e no enfrentamento de riscos econômicos para o país. Apesar de Roberto Campos Neto.
Ou não terá o Banco Central, sob o bolsonarista Campos Neto, elevado rapidamente a taxa de juros, até a altitude corrente, como resposta ao vale-tudo fiscal inaugurado pela PEC dos Precatórios e escancarado com a PEC Kamikaze, por meio da qual o Estado, despejando bilhões na economia, financiaria — com aval do Parlamento — a tentativa de reeleição de Jair Bolsonaro?
Campos Neto estava — e discursou — na famosa reunião ministerial de 22 de abril de 2020. A transcrição do que disse então faz ver a palavra de um ministro de Bolsonaro — e ali, no entanto, estava o presidente do Banco Central. Que, mesmo já com o BC formalmente autônomo, advento de fevereiro de 2021, não se constrangeria — o presidente do Banco Central! — em acompanhar Bolsonaro a encontro com empresários e banqueiros.
E, ainda assim, o BC, sob Campos Neto, trabalhou — na forma de juros crescentes, 2022 adentro — por frear o impacto do pacote eleitoreiro de Bolsonaro sobre a inflação, freando também, por consequência, o estímulo da derrama bilionária no humor dos eleitores.
Campos Neto fala demais e cometeu desvios de politização que justificam as desconfianças de Lula e dos petistas contra si. Mas — sejamos justos — a resposta do Banco Central autônomo, no momento dramático em que Bolsonaro avançava no regime de engorda da bomba fiscal pela reeleição, foi dura. Trouxe-nos, a jato, aos atuais juros de 13,75%.
Resposta dura, dada sob Bolsonaro, contra os interesses de Bolsonaro, que não invalida a discussão, esticada por Lula, sobre a taxa — se poderia estar menor agora. O BC é autônomo. Autonomia, aliás, que deixa à vontade o presidente — mínima a sua influência sobre o banco — para lhe criticar as decisões. Com o que, creio, pretenderia armar defesa preventiva, atribuindo-distribuindo responsabilidades, ante possível recessão; intenção que não excluirá da jogada pendor pelo investimento na cisão de vezo populista — a elite financeira contra o povo trabalhador.
Independentemente das motivações de Lula, o BC é autônomo. Protegido contra as maiores mordidas dos arroubos políticos. Não — repito — contra erros de seus dirigentes.
O Banco Central, sob Campos Neto, antes e depois da autonomia, errou muitas vezes. Baixou os juros até 2%; em dada altura desse mergulho tendo perdido os parâmetros, a referência para o que seria o limite mínimo, ignorando mesmo a realidade brasileira, ademais engrossada pela geração de instabilidades e conflitos própria a Bolsonaro. E, depois, diante da escalada inflacionária, que terá julgado circunstancial, demorou a responder com a elevação da taxa, subestimando a força de permanência da pandemia, avaliando mal o caráter enraizado da inflação entre nós — e então, no susto, a correria. Errou. Muito. Pode estar errando de novo. Por que não?
Não sei dizer se a taxa de juros está em lugar adequado. Percebo que a inflação está aí, disseminada, arredia, e que o carrego de gastos projetado adiante é pesado. Aprendi que incertezas contratam proteções — inflação e resposta de juros prolongadas, no caso. E que brigas, ainda que legítimas, podem ser contraproducentes — o brasileiro rejeitou, nas urnas, o “nós contra eles”. Lembro que o governo tem poder para alterar as metas da inflação, talvez conseguindo baixar juros de curto prazo; que talvez caíssem mais consistentemente se o presidente e seu ministro da Fazenda apresentassem logo a nova âncora fiscal — fundamentada em controle de gastos.
Sei que, nesse complexo todo, a autonomia do Banco Central representa um problema a menos.
CLIMA DE BARATA-VOA, por Eliane Cantanhede, no jornal O Estado de S. Paulo
Se o alvo até a semana passada foi o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, que se assumiu bolsonarista, o desta semana passa a ser o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, lulista, petista e candidato à Presidência pelo partido uma vez. Mas o tiroteio é com boatos e ciumeiras, não com balas, e muito menos uma bala de prata.
O presidente Lula atirou no BC, admitiu intervir na autonomia da instituição, desdenhou de Campos Neto como “esse cidadão”, mirou os juros altos e evoluiu para uma negociação para alterar a meta da inflação que, quase consensualmente, é irrealizável. Mas alterar para quanto? E isso baixa a taxa de juros?
“Braço armado” de Lula, o PT reforça o ataque, enquanto ministros tentam uma bandeira branca. Dois exemplos: presidente do partido, Gleisi Hoffmann ataca; ministro da articulação política, o petista Alexandre Padilha diz que o fim da autonomia do BC não está na pauta e não há “fritura e fervura” de Campos Neto. E é nesse clima de barata-voa que os presidentes da Câmara, Arthur Lira, e do Senado, Rodrigo Pacheco, avisam que não contem com eles contra o BC.
Com mercado, economistas e Congresso contra, o PT fica isolado com uma parte da esquerda contra quem tem mandato e com quem Lula vai ter de conviver metade do governo. Melhor seria desviar o foco para um debate, que é razoável, sobre a meta irreal de inflação e o efeito deletério de juros a 13,75%. O PT, porém, não quer discutir, quer atiçar a guerra.
Ontem, o Diretório Nacional do partido votou a favor da convocação de Campos Neto pelo Congresso. Hoje, Haddad reúne a equipe e vai depois a Lula. Na quinta, o Conselho Monetário Nacional (CMN), integrado por ele, Campos Neto e Simone Tebet (Planejamento), abre o debate sobre a meta de inflação.
E por que Haddad está no alvo? Porque Lula e o PT mordem e ele assopra (para os que cobram responsabilidade fiscal e rumos claros). Por mais que o jogo do presidente e do ministro seja combinado, a calibragem de Haddad não é simples. Nem pode ir contra o chefe nem sinalizar aos agentes econômicos e à sociedade que é só paumandado de Lula e PT.
Para complicar, o presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, velho assessor econômico de Lula, entrou na guerra, articulando seminários internos e externos sobre BC, juros e inflação, temas da Fazenda. Dada a notícia, pela jornalista Malu Gaspar, todo mundo entrou em campo para organizar a bagunça. Se a política econômica de Lula fosse transparente como a política externa, nada disso aconteceria. Em vez de atacar, que tal Lula mostrar os rumos da macroeconomia? •
PARA LARA RESENDE, EQUIPE CONCLILIATÓRIA EXPÕE LULA FRENTE AO BC, por Maria Cristina Fernandes, no jornal Valor Econômico
A proposta do novo regime fiscal deveria ter aberto a pauta econômica do governo no Congresso. A proposta de reforma tributária do governo é boa, mas está na praça há algum tempo e enfrenta muita resistência. Para aprová-la, o governo corre o risco de queimar cartuchos que podem lhe faltar no debate do regime fiscal.
Ao se expor nesta contestação aos métodos do atual governo, sem aviso prévio aos titulares da economia, André Lara Resende não aceita a visão de que esteja a atropelar o Ministério da Fazenda, instância responsável pela condução do debate com o Congresso. “Não sou governo, mas torço pelo bem do Brasil e não sou obrigado a concordar com tudo”, diz, em conversa de vídeo com o Valor na tarde desta segunda-feira (13).
Integrante da equipe da transição na economia, ao lado do ministro Fernando Haddad, Lara Resende foi insistentemente convidado para integrar a Pasta, mas preferiu compor um comitê consultivo do BNDES que discute estratégias de desenvolvimento.
Resolveu se manifestar de maneira mais contundente porque vê uma equipe econômica conciliatória enquanto o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que deveria atuar como mediador, fica excessivamente exposto no debate.
Não entende como Lula passou a ser visto como um radical 40 dias depois de ter escolhido não apenas Haddad como Simone Tebet para o Planejamento e o vice-presidente Geraldo Alckmin para o Ministério da Indústria e Comércio. “Ele montou um ministério conciliador que não estava enfrentando a arrogância do Banco Central e ele foi obrigado a sair a campo”.
Não há tema na economia em que se veja impedido. Vai da Fazenda – “Haddad não precisa concordar comigo. O ministro é ele. Tem opiniões divergentes dentro do governo, dirá fora” – ao Planejamento – “Simone disse que o déficit é insustentável e que o país deve evitar gasto desnecessário. Se alguém propôs gasto desnecessário não deveria ser ministro”.
Haddad ficou de apresentar o regime fiscal até abril e aposta na tramitação conjunta. Lara Resende não apenas descrê disso como vê o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), tramando para queimar os cartuchos do governo. Na inexistência da proposta de regime fiscal, deu prioridade à reforma tributária, onde há contestações encasteladas como a dos escritórios de advocacia.
Alinha-se, no regime fiscal, ao que propõe o ex-economista chefe do FMI, Olivier Blanchard, hoje professor no Massachussetts Institute of Techology (MIT), que reputa como o melhor economista da atualidade. Em artigo de 2021, Blanchard diz o seguinte: “Padrões, ao contrário de regras, distingue o bom e o mau comportamento fiscal em termos qualitativos e não numéricos”. Frouxo demais? O autor diz que não: “A Comissão Europeia deve bloquear orçamentos não condizentes com os padrões fiscais”.
Lara Resende migra com muito mais contundência para a política monetária quando diz que só o Brasil continua fixado na ideia de que juro combate inflação. Retoma o argumento do último artigo publicado no Valor (“O precipício fiscal e a realidade”, 07/02/2023), quando diz que entre 2021 e 2022, a elevação da taxa de juros pelo BC teve um impacto fiscal equivalente ao triplo da PEC da transição.
E apesar de tudo isso, diz, o Brasil fez superávit de 1,3% e tem uma relação dívida/PIB de 73%. Seu artigo despertou reações e mobilizou argumentos como o de que isso só foi possível porque o Brasil cresceu mais no ano passado do que se prevê que cresça este ano. E também que o país contou com dividendos de estatais, o que não acontecerá em 2023, ou, ainda, que haverá reajuste real do salário mínimo e do funcionalismo.
Mal ouve a contraposição, acusa os proponentes de “terroristas fiscais” movidos pela má-fé: “Só gosto do debate inteligente, não do indigente”. Não aceita, por exemplo, que os mesmos que preveem crescimento menor advoguem a manutenção da taxa de juros reais em 8%, “o dobro da segunda maior do mundo (México e Chile)”.
Cita o balanço dos bancos e a crise do varejo como sinais da gravidade da contração de crédito e evidências pela redução do juro. Recorre ao economista americano Jeffrey Sachs, que, em passagem recente pelo Brasil, se mostrou inconformado com as razões pelas quais um país saneado fiscalmente e com dívida quase integralmente nas mãos de residentes, tenha taxas de juros tão altas.
Credita ao “pânico das expectativas” a posição do Brasil, em ratings de investimento, inferior a Peru e Turquia. É “patético” diz, que a expectativa seja ditada pelo mercado e não pelo formador de preços.
Diz que o BC está capturado pelos interesses que deveria regular. Vê o rentista se financiar lá fora e aplicar na taxa de juro brasileira três vezes maior e sem risco cambial. Não vê embate com o mercado que o banco não possa enfrentar com reserva e derivativo.
“Deixa eu sentar lá pra ver se o mercado vai encarar”. A frase leva à óbvia constatação de que aceitaria a presidência do BC. “Isso é pergunta que se faça? Qualquer pessoa competente que sente lá não ficaria refém do mercado”.
Partidário da autonomia do BC, Lara Resende vê-se numa preleção pedagógica. Diz que Campos Neto deve permanecer no cargo. “Ele não é o único voto no Copom e está submetido ao Conselho Monetário Nacional. Basta que ele, inteligente como é, não confronte um governo legitimamente eleito”.
Atribui o silêncio dos empresários contra os juros, solitariamente rompido pelo presidente da Fiesp, Josué Gomes, nesta segunda, ao encolhimento da indústria e ao desaparecimento, na finança, de grandes banqueiros que também foram homens públicos, como Olavo Setúbal e Walter Moreira Salles. “Hoje o sistema financeiro é o lúmpen de assets”.
Surpreende, portanto, que, indagado sobre o voto que daria na reunião do CMN, diz que não mudaria a meta. “Só gera ruído. Não se deve ser condescendente com inflação. Você pode explicar se não atingir a meta. O que está errado é a taxa de juro”.
Lembrado que Lula elegeu-se por uma coalizão de forças que extrapola a esquerda, diz que o presidente só pode liderar a reconciliação do país e a reconstrução de um centro político se colocar o país na rota do crescimento.
A um amigo que o acusou de ser anti-establishment, disse: “Sou establishment. Minha cruzada é contra a burrice e o dogmatismo suicida”. E se despede citando o ex-ministro Pedro Malan, que, ao vê-lo exaltado, lembrou-lhe de um político inglês. Em trechos de seu discurso, ele anotava: “Aumentar o tom de voz porque o argumento é fraco”. No seu caso, espera que o tom só reflita a indignação.