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CORTA CAPIM. DEPOIS DE QUASE SEIS MESES DE DURAS CRÍTICAS E EXPOSIÇÃO, GOVERNO DE KLEBER E MARCELO CONTRATA EMERGENCIALMENTE EMPRESA PARA LIMPAR CIDADE NO MÊS DE 90 ANOS DE EMANCIPAÇÃO

Atualizado e modificado às 8h10min deste 08.03.2024 – A notícia é esta: depois de quase seis meses, o Samae sai mais uma vez em socorro do governo de Kleber Edson Wan Dall, MDB, Marcelo de Souza Brick, PP e do secretário de Obras e Serviços Urbanos, Roni Jean Muller, MDB, contrata empresa emergencialmente por mais de R$3,1 milhões para cortar o capim que tomava conta de Gaspar, infestada de dengue. 

O capim alto e adornando a cidade, ameaçava ser a principal atração da pobre programação dos 90 anos de emancipação de Gaspar de Blumenau, na segunda-feira, dia 18. Não será mais. Serão as entrevistas sem perguntas incômodas e que já começaram por Blumenau. Gaspar é linda! E um lugar feliz para se viver, como diz a propaganda oficial, depois que o Avança Gaspar se auto frustrou pelos próprios governantes

O que aconteceu ontem, quinta-feira? O início da roçada. Ela atraiu políticos, candidatos do núcleo governamental e seu entorno marqueteiro, sem qualquer vergonha e pedir desculpas a cidade, cidadãos e cidadãs. Eles, como o capim e outras ervas daninhas, tomaram conta das redes sociais e aplicativos de mensagens governamentais e particulares para anunciar e comemorar tal feito como fosse uma obra essencial espetacular de Kleber, Marcelo e da Bancada do Amém. Tudo sob os olhares de aprovação da imprensa. Na foto acima, a dimensão de meses de desleixo. As expressivas leiras de capim cortado num pequeno público. Impressionante!

Sobre o que levou a prefeitura a romper o contrato com a Ecosystem, de Curitiba, e cujas 15 mil páginas de documentos estão no Ministério Público e na Polícia, faz tempo, para averiguá-las, nem um pio até agora de ninguém. A imprensa também não quer saber disso.

O que o governo de Kleber, Marcelo – este vestido de candidato continuador do trabalho de mais de sete anos do prefeito Kleber – e Roni – instalado na secretaria vestido de candidato a vereador pela Margem Esquerda – não conseguem explicar é como erraram tanto, por tanto tempo, em algo tão simples, essencial, ainda mais em algo tão previsível diante da estação do verão, quente e chuvosa. Já escrevi várias vezes sobre isso e muito recentemente no 22 de fevereiro em O CAPIM, O LIXO, A DENGUE, A COVID, AS CONTAS E O DESESPERO DOS POLÍTICOS DIANTE DO CAOS QUE CRIARAM. NÃO CONSEGUEM DAR SOLUÇÕES EM ANO ELEITORAL. CULPAM QUEM OS EXPÕEM

Cortou-se o contrato – uma hora se diz que foi de comum acordo, em outra, diz-se que a empresa pediu para ir embora – porque nele tem bodes amarrados. E esses bodes não comem capim. E mesmo assim ficam gordos. Cortou-se o contrato porque a prefeitura sem caixa, precisava de uma folga para aliviar nos compromissos que estão sendo passados do ano passado para este ano. E só voltou a contratar uma nova empresa agora, e mais uma vez, em emergência, sem licitação, porque os que participaram da licitação, iniciaram uma briga entre eles por coisas não bem claras no edital. E aí a prefeitura aproveitou para fazer mais uma contratação de emergência, uma especialidade da casa.

Sabe quando foi lançado esta contratação com dispensa de licitação? No dia Primeiro de março. Julgado e homologado no mesmo dia. Sabe qual o valor dela? R$3.196.133,20. Sabem quantas empresas participaram? Uma. Então quem ganhou foi a Sanitary Serviços de Conservação e Limpeza Ltda. CNPJ 22.669.103/0001-81. Quem fez esta contratação? O Samae. Em Gaspar, tudo é emergência como a coleta de lixo, o transporte coletivo, a…

Finalmente, às vésperas das eleições, o governo de Kleber e Marcelo possuem uma obra para apresentar ao povo: a roçação de praças, trevos e vias públicas. A empresa ainda vai ganhar um bom trocado se fizer silagem e vender aos criadores de gado da região para equilibrar o custeio dos produtores rurais em tempos de vacas magras. Quem ficou triste foi o mosquito da dengue, zika e chicungunha, além dos advbersários que perderam um mote de discurso que mostra a falta contumaz da simples manuteção da cidade. Acorda, Gaspar!

TRAPICHE

A eleição da deputada de Chapecó e que por lá nem vereadora conseguiu se eleger, Caroline de Toni, PL, para a presidência da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara Federal – a principal da Casa -, além de um fato histórico para Santa Catarina, mostra vários significados importantes na atual conjuntura política e em ano de eleições municipais.

Mostra que o PT está enfraquecido e desarticulado no Congresso Nacional. Que a esquerda do atraso terá um ano difícil. Que o PL bolsonarista está mais forte que o moderado. Que o presidente da sigla, Valdemar da Costa Neto, lavou as mãos após ser preso por ação direta e exagerada do STF. Que Arthur Lira, PP, deu um troco em Luiz Inácio Lula da Silva, PT, e mandou dizer com todas as letras que ainda mantem o controle da Câmara.

A família jura que sim. A prefeitura está em silêncio. Mas, Gaspar já teria a primeira vítima de dengue. Um femenino de 24 anos que estava internado no Hospital de Gaspar.

Oficialmente, a prefeitura de Gaspar, como acontecia nos casos de Covid, que matou 222 moradores de Gaspar, ela só admite, até a publicação deste artigo, a comfirmação de 41 casos da doença e 250 em investigação, além de 265 focos do mosquito.

Se o PT de Gaspar correu para fechar qualquer alternativa para além de Pedro Celso Zuchi, PT, tentar o seu quarto mandato, a vaga vice que parecia estar nas mãos de Rui Carlos Deschamps, ex-PT e agora no PSB, micou. Oficialmente, alega-se que Rui, aconselhado pela família, foi obrigado a voltar atrás. No PT, todavia, há outra história: Zuchi está à procura de uma mulher e quer esperar o quadro de disputa em Gaspar se aclarar mais.

O cargo de vice na chapa do PT de Gaspar será usado de duas formar: ou para agregar mais partidos e com rostos novos, e Rui Carlos Deschamps, não dava esta resposta, por estar plenamente identificado com o PT. Ou então para dar sinais de inclusão. Dai a preferência por mulheres.

Gaspar parece ser a cidade das pesquisas. A impressão é que há dinheiro sobrando ou todos estão muito inseguros no campo conservador.  É uma atrás da outra. Foram três nos últimos 15 dias. Uma outra está para entrar em campo. E a maioria dos patrocinadores esconde-as até dos próximos. Os resultados, por enquanto, não são os esperados. Qual é a encrenca? Um tal de Oberdan Barni, Republicanos. Se tiram ele da lista de pré-candidatos, ele aparece na espontânea. Se colocam ele, o nome dele continua resistente entre os primeiros numa cidade que possui donos e cartas marcadas com o atraso.

Está no forno, mais gravações inéditas e editadas do irmão de templo ex-faz tudo de Kleber Edson Wan Dall, MDB, ex-secretário de Fazenda e Gestão Administrativa, ex-secretário interino de Planejamento Territorial, ex-presidente da Comissão de Intervenção do Hospital de Gaspar, e ainda presidente do PSDB daqui, Jorge Luiz Prucino Pereira. Elas virão a conta gotas.

Como funciona. O prefeito Kleber Edson Wan Dall, MDB, voou para Brasília. Informou que representava a Fecam num evento de municípios, como se Gaspar fosse um exemplo para isso. E de lá, gravou um vídeo com o novo prefeito de fato de Gaspar, deputado Ismael dos Santos, PSD, morador de Blumenau, para dizer que ele estava liberando uma emenda parlamentar de R$ 5 milhões para a infraestrutura e pavimentação da Vidal Flávio Dias, no Belchior Baixo, Distrito de Belchior. Ajuda, mas ela vai precisar de mais outros R$15 milhões.

Estamos em ano de eleições. Esta parte da Vidal Flávio Dias é promessa de Kleber Edson Wan Dall, MDB, e Luiz Carlos Spengler Filho, PP, na sua eleição de 2016. Em 2017 o governo de Kleber conseguiu aprovar a autorização da Câmara – sob chantagem – do empréstimo para ela e outras como a Rua Itália e a da estrada do Macucos. Na eleição de 2020, levou todos no bico. Agora, esta obra só sairá com emendas parlamentares. O papelinho para o empréstimo está no BRDE, mas não está andando no ritmo desejado. É que a prefeitura está sem lastro para tomá-lo. Mesmo que a obra comece agora, provavelmente não ficará pronta até outubro para palanque e discursos com oito anos de atraso.

Perguntar não ofende. Este contrato com a CISAMVI para implantar o “Alô Saúde” em Gaspar não precisaria de autorização legislativa? Falta a prefeitura de Gaspar explicar como funciona esta relação dela com a Top Med, de Cleones Hostins e a CISAMVI, de Fernanda Vanessa Schmitt. É preciso dizer à cidade qual o custo desta operação e quanto tempo isso vai durar. Transparência zero. Marquetagem 100.

O governo de Kleber Edson Wan Dall, MDB, e Marcelo de Souza Brick, PP, está claramente perdendo o jogo das redes sociais. Basta olhar a área de comentários. E a imprensa, timidamente, também começa a fazer escolhas. Isto ficará mais claro depois de julho e com as pesquisas publicadas.

O cachorro e o rabo. Há várias sessões, o vereador Giovano Borges, PSD, vem insistindo num tal de saco amarelo para se distinguir, estimular, acondicionar e dar destino correto ao lixo reciclável em Gaspar. Aqui ainda estamos na era do saco preto. Ele é usado tanto para o lixo orgânico ou chamado de molhado, como para o reciclável. Quem gerencia isto é o Samae de Gaspar e o seu presidente Jean Alexandre dos Santos, MDB. Quem recolhe e dá destinação, sob emergência é a também gasparense Saay’s Soluções Ambientais.

Esta confusão – de embrulhar tudo em saco preto – não faz bem nem para o bolso, nem para a nossa evolução, nem para a conscientização e educação em si, muito menos para o meio ambiente. O vereador tomou  conhecimento da utilidade para diferencia o tipo de lixo com o saco amarelo, que nem sabia a razão dele existir, como ele próprio revelou e está gravado, como se uma novidade mundial fosse, numa cidadezinha do Alto Vale. Isto por si só mostra o atraso em que estamos metidos em quase tudo.

Vamos por parte. O que de verdade mostra isto? O quanto o Samae de Gaspar está atrasado neste assunto. Lixo reciclável é grana no caixa que deveria abater o o preço de quem produz o lixo orgânico, mas vai para um caixa de mil e uma utilidades do Samae, como, por exemplo, na mais recente e exposta no artigo principal de hoje, a roçação e que é obrigação da prefeitura. Lixo orgânico, é custo para quem o produz. O que mostra isto? O quanto a Saay’s – apesar de ter na denomominação social “soluções ambientais – está comprometida com um mundo atrasado e poluído. E pagamos mais por isso.

O que mostra isso, por derradeiro? O quanto os nossos vereadores estão descomprometidos com a sua comunidade. Ao invés de mendigar o conhecimento e a implantação de uma ideia que já vigora numa cidadezinha – e muitas outras maiores de Santa Catarina – para não falar nas europeias há décadas, o vereador Giovano Borges, PSD, deveria estar estudando penalizar o Samae por estar por pelo menos com 50 anos de atraso por aqui neste tipo de assunto. Ah, mas Giovano não pode porque é do poder de plantão? Entende-se esse compadrio contra o nosso futuro. Mas, os de oposição? Ah, não existe, pelo jeito. Acorda, Gaspar!

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10 comentários em “CORTA CAPIM. DEPOIS DE QUASE SEIS MESES DE DURAS CRÍTICAS E EXPOSIÇÃO, GOVERNO DE KLEBER E MARCELO CONTRATA EMERGENCIALMENTE EMPRESA PARA LIMPAR CIDADE NO MÊS DE 90 ANOS DE EMANCIPAÇÃO”

  1. Pingback: COMEÇOU A CAMPANHA EM GASPAR. POLÍTICOS DISPUTAM ANÚNCIOS DE "R$ MILHÕES" DAQUILO QUE NÃO SE SABE VEM E NEM ONDE FICARÁ A OBRA - Olhando a Maré

  2. CRIME DROGA, DROGA E O PRESTÍGIO DE LULA, por Vinicius Torres Freire, no jornal Folha de S. Paulo

    A partir do final do ano passado até agora, a avaliação de Luiz Inácio Lula da Silva piorou muito em várias áreas, em especial em segurança pública, combate à corrupção e em controle de gastos, lê-se em pesquisa Atlas feita entre 2 e 5 de março.

    Aumentou a preocupação do eleitorado com criminalidade e tráfico de drogas e com corrupção, assuntos citados como os principais problemas do país para quase 60% dos entrevistados. “Pobreza, desemprego e desigualdade social”, pior problema citado por 20,6%, e “economia e inflação”, por 15%, ora estão longe no ranking das aflições.

    Esses números podem ajudar a explicar a baixa da popularidade de Lula. O aumento do salário médio, dos benefícios sociais, do número de empregos e a queda da inflação não bastaram para compensar outras insatisfações (talvez mais reverberadas em redes sociais e de mensagens).

    A melhora socioeconômica bastou ainda menos para alterar o fato de que a maioria do eleitorado se divide em opiniões opostas sobre quase qualquer aspecto do governo ou do país, a depender do voto em 2022 (em Lula ou em Jair Bolsonaro).

    O prestígio de Lula passou a declinar de modo relevante a partir de setembro, segundo dados de outras duas pesquisas divulgadas na semana passada, a da Quaest e a do Ipec. Nos números da Atlas, desde o início do governo as fatias do eleitorado que dão “ótimo/bom” e “ruim/péssimo” para o presidente estiveram em níveis bem próximos; o declínio da avaliação positiva ficou mais significativo a partir de janeiro.

    Mas a degradação do prestígio de Lula causou mais impressão com a divulgação dessas três pesquisas, realizadas entre 25 de fevereiro e 5 de março. Nas três, ora há empate na proporção de eleitores que dão as melhores ou piores notas para Lula, dada a margem de erro. Isto é, 35% de “positivo” ante 34% de “negativo” na Quaest; 38% de “ótimo/bom” ante 41% de “ruim/péssimo” na Atlas; 33% de “ótimo/bom” ante 32% de “ruim/péssimo” no Ipec.

    O grosso da perda de pontos de Lula ocorreu entre seus eleitores de 2022, de primeiro ou de segundo turno, até porque praticamente o presidente não tem mais o que perder entre quem votou em Bolsonaro; os demais são minoritários.

    Lula era “ótimo/bom” para 82,8% de seus eleitores de segundo turno em julho de 2023, caindo para 70,6% em março de 2024, na pesquisa Atlas. No Ipec, a baixa foi de 70% para 61%.

    Quanto à avaliação de aspectos do governo, a piora mais significativa ocorreu em “segurança pública”, dado da Atlas. O desempenho era tido como “ótimo/bom” para 43% em novembro; em março de 2024, para 24%. No caso de “justiça e combate à corrupção”, passou de 49% para 28%. Em “responsabilidade fiscal e controle de gastos” de 48% para 30%.

    As declarações de Lula sobre Israel e, bem menos, Venezuela foram assuntos lembrados nas análises do declínio do prestígio de Lula. Em “relações internacionais”, o governo passou de 53% de “ótimo/bom” em novembro para 38% em março.

    A avaliação da economia também piora, mas menos.

    Confirma-se a disparidade quase inamovível de opiniões entre lulistas e bolsonaristas. A “situação econômica do Brasil”, por exemplo, é “boa” para 51,5% dos que votaram em Lula no segundo turno de 2022 e para 2,1% dos eleitores de Bolsonaro (Atlas). Para quem votou branco ou nulo, 22,9%; para quem não votou, 24,9%.

    Por acaso ou sintomaticamente, a média da opinião positiva de lulistas e bolsonaristas é próxima daquela dos eleitores que não escolheram candidato a presidente na eleição passada.

    É difícil avaliar a popularidade de Lula em categorias como renda, anos de estudo e mesmo gênero e religião. Há diferenças relevantes de números entre as pesquisas; de resto, nesses casos, as margens de erro são maiores.

  3. O LULOPETISMO TEM UM PROBLEMA, LULA 3.0, por Elio Gaspari, nos jornais O Globo e Folha de S. Paulo

    As pesquisas do Ipec e da Quaest revelaram que entre agosto e março a aprovação do desempenho de Lula caiu enquanto a reprovação cresceu.

    As duas linhas se aproximaram, e o resultado confirmou a pesquisa do Ipec de dezembro, que mostrava a boca do jacaré aberta: 50% dos entrevistados não confiavam nele, contra 48% que confiavam. A diferença cabia na margem de erro. Em março, não cabe mais: 51% não confiam, contra 45% que confiam.

    Alguma coisa está funcionando mal no governo de Lula 3.0. Não se pode dizer que seja a economia. Anda-se de lado, mas anda-se. Também não é a política, pois, em mais de um ano de governo, aprovou-se a reforma tributária e levou-se o andor sem escândalos.

    Lula restabeleceu a relação civilizada com governadores filiados a partidos da oposição e enfrentou uma crise militar com um desempenho capaz de causar inveja ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e a Nelson Jobim, seu ministro da Defesa.

    Para quem já teve um presidente que falava em “meu Exército” e anunciava que não compraria a vacina adquirida pelo governador paulista João Doria, isso não é pouca coisa.

    Num país ainda dividido, seria razoável que algum mau juízo persistisse, mas não precisava crescer. Uma possível explicação para esse crescimento está no próprio Lula. Ele foi o motor da vitória eleitoral, mas há um ano despreza o arco democrático que o elegeu, supondo que foi uma frente de políticos.

    A diferença entre o arco e a frente pode ser fulanizada: o ex-ministro Pedro Malan esteve no arco, mas não está na frente.

    Afora esse enguiço, Lula tem verdadeira paixão por duas cascas de banana. Uma é a falecida Operação Lava Jato, coisa de dez anos atrás. Outra são as encrencas internacionais, uma logo ali, na Venezuela, outra, a milhares de quilômetros, na Faixa de Gaza.

    Sua insistência, em ambos os casos, aliena parte do eleitorado que teve ou poderá vir a ter. As bandeiras de Israel na campanha presidencial de Bolsonaro eram presepada. Já as que foram levadas para a avenida Paulista há duas semanas tinham real significado.

    A República de Curitiba foi primitiva, onipotente e parcial, isso está entendido. Contudo a Lava Jato detonou roubalheiras documentadas e confessadas. Quando Lula fala dos seus defeitos e esquece o que houve de virtuoso, prega para os convertidos, sejam eles petistas ou empreiteiros, mas agride parte do eleitorado, que não aprova o que soa como uma indulgência com os corruptos.

    As duas cascas de banana pouco têm a ver com o desempenho do governo. São inutilidades a serviço de uma espécie de autoglorificação presente no Lula 3.0.

    Nos dois governos anteriores, Lula foi um presidente que mostrava interesse em dar certo. Afinal, como ele mesmo dizia, quando um ex-operário chegou à Presidência, não tinha o direito de errar.

    O terceiro Lula comporta-se de outra forma. Não mostra a humildade de quem quer acertar porque está convencido de estar certo, a respeito de seja lá o que for, da oposição venezuelana à importância do governo americano na exposição das roubalheiras ocorridas na Petrobras.

    Num juízo sereno, a reprovação do governo de Lula não deveria ter crescido, pois nada ocorreu de reprovável, salvo o congelamento de expectativas que eram apenas expectativas. Talvez Lula não tenha percebido, mas como profeta está maltratando o eleitorado.

    GENERAIS INCOMODADOS

    Aqui e ali reverberam sinais de desconforto de alguns militares com as investigações da Polícia Federal para desvendar a trama golpista de Bolsonaro. Chefes militares depondo por horas na Polícia Federal bem como vazamentos irregulares podem explicar a contrariedade, mas não a justificam.

    Os tribunais militares de todos os países vivem debaixo de uma desconfiança sintetizada pelo presidente francês Georges Clemenceau (1841-1929): “A Justiça Militar está para a Justiça assim como a música militar está para a música”.

    A Justiça Militar brasileira carrega uma pesada mochila. Ela acreditou que Vladimir Herzog e Manuel Fiel Filho suicidaram-se, que Rubens Paiva fugiu e que a dupla do DOI nada teve a ver com a explosão da bomba do Riocentro no colo do sargento.

    Na outra ponta, o Superior Tribunal Militar aliviou para dois capitães: Jair Bolsonaro, que rabiscou um projeto para detonar a adutora do Guandu, e Ailton Guimarães Jorge, que arrepiava cargas de contrabandistas no Rio de Janeiro.

    Em tempo: o capitão Guimarães, posteriormente alistado na artilharia do jogo do bicho, nunca foi acusado de contrabando, mas de confiscar as muambas.

    Na madrugada de 14 de maio de 1971, com uma tropa da 1ª Companhia do 2º Batalhão da Polícia do Exército, ele saqueou uma casa do subúrbio de Campo Grande onde se guardava uma carga de milhares de calças jeans, caixas de uísque e perfumes. Os contrabandistas eram policiais civis e militares. Depois do arrepio, ele teria tentado vender a carga de calças jeans e perfumes à própria vítima.

    Enquanto circulam as notícias de desconfortos, no Superior Tribunal Militar trata-se do caso da patrulha do Exército que matou dois cidadãos em 2019, numa cena em que foram disparados 257 tiros e circula a tese da legítima defesa.

    Toda corporação tem um espírito de corpo. A questão está em saber para onde ele aponta. Há bons e maus espíritos. Muitos militares esquecem-se de que a própria corporação deu exemplos de grandeza e justiça. Tome-se o caso do general Peri Bevilacqua.

    Em 1961, durante a crise da renúncia de Jânio Quadros, ele comandava a 3ª Divisão de Infantaria e foi decisivo para permitir a posse de João Goulart. Quando Jango dobrou à esquerda, apoiado pelos “Generais do Povo”, Peri desafiou o governo e perdeu o comando da tropa de São Paulo.

    Deposto Goulart, Peri foi para a chefia do Estado-Maior das Forças Armadas. Ele dizia o que pensava, passou a incomodar o governo e foi mandado para o Superior Tribunal Militar. Como votava a favor da libertação de presos, continuou incomodando. Um de seus votos derrubou uma denúncia contra o professor Fernando Henrique Cardoso. Pior: em 1966 ele defendeu uma anistia.

    Em 1967, Peri aparteou um voto de outro ministro, o tempo fechou e os dois chegaram a levantar-se. O outro chamava-se Ernesto Geisel.

    Nesses dias, Peri comentou em casa: “Estão preparando a sementeira do ódio”.

    Em dezembro de 1968 veio o Ato Institucional nº 5 e Peri Bevilacqua foi demitido do STM. Pura malvadeza, pois faltavam poucos meses para que caísse na compulsória. Foram além, confiscando-lhe as condecorações militares que havia recebido. Era um sinal para outros generais prestigiosos que ousassem sair da linha.

    Peri filiou-se ao MDB e passou a defender a anistia. Morreu em 1990, aos 91 anos. Em 2002 a família do general foi informada de que, caso requeresse, as condecorações seriam devolvidas. Seu filho, um coronel da reserva, recusou-se a pedir.

    Meses depois, o presidente Fernando Henrique Cardoso assinou o decreto que restabelecia as condecorações de Peri.

  4. O ENIGMA, por Merval Pereira, no jornal O Globo

    Uma tempestade perfeita parece estar se formando sobre o Palácio do Planalto, com a perda de força política do governo em relação ao Congresso, e com a queda de popularidade do próprio presidente Lula diante da opinião pública, revelada por diversas pesquisas recentes. O mais estranho é que os resultados econômicos estão vindo, com crescimento do PIB, aumento no rendimento médio dos trabalhadores e melhoria do PIB per capita, o que não acontecia há muito tempo.

    É provável que os resultados econômicos resultem na reversão, ou pelo menos na neutralização, desse quadro negativo, mas é preciso que o governo Lula atue em outros campos, pois tudo indica que hoje já não basta a situação econômica estar equilibrada para preencher as aspirações de uma ampla massa de eleitores, que já atinge até mesmo os moradores do nordeste, que continua sendo uma barreira inexpugnável ao pessimismo em relação ao governo petista.

    Mas já foi melhor para Lula a situação. Muito porque os avanços dos programas sociais já se desligaram do petismo, pois todos os governos mantiveram a sistemática, o que incorporou na realidade desse público o automatismo desses benefícios, seja qual for a tendência do governo.

    A relação do governo com o Congresso, por sua vez, depende muito da sua força popular, o que não está se refletindo no momento a seu favor. O PL tem o controle do Congresso, é o maior partido, e o PT, um dos menores. Os dois atuam atualmente em disputa direta, o partido de Bolsonaro avançando para controlar as principais comissões da Câmara, como a de Constituição e Justiça e a de Educação, enquanto o PT tenta defender algumas de suas fronteiras, para impedir que o bolsonarismo consiga deter avanços econômicos.

    Os petistas conseguiram proteger algumas comissões que afetam a economia, para tentar controlar o avanço da oposição. Mas as mais importantes – Constituição e Justiça e Educação estão com Bolsonaro e com o PL, com seus representantes mais aguerridos e radicais. Esta divisão reflete a força do PL e a fraqueza do PT. Esta é a realidade do país. O Congresso predomina diante do Executivo, e quem predomina no Congresso é o PL, com o Centrão, que não é tão radical à direita como o PL, mas é um grupo de centro direita que tende para o bolsonarismo na disputa política.

    O governo está sem saída, não tem maioria no Congresso e está perdendo também nas pesquisas de opinião. A situação não está nada boa para o PT. A questão é que a esquerda brasileira é muito atrasada, ainda está no século passado nas relações de trabalho e nas relações humanas. Lula perde tempo com Maduro e Venezuela, uma vergonha.

    Enquanto não se atualizarem, não entenderem que o mundo mudou e que não é assim que a “banda toca”, vão ficar em minoria. Não estão entendendo o que está acontecendo com a sociedade; não estão compreendendo que a maneira como faziam política há 20 anos não funciona mais. Teriam que mudar a cabeça para tentar enfrentar essa disputa muito dura com esta direita que saiu do armário em 2018 e continua muito mais ativa.

    Esse aggiornamento da esquerda brasileira dependerá muito da atuação pessoal do próprio presidente Lula, que continua sendo o grande líder popular do país. Assim como Bolsonaro, apesar de toda sua radicalização política, ainda consegue juntar liberais de diversos teores em seu entorno, também Lula precisa manter um centro político em sua volta, para que o espírito de um governo de união nacional permita ampliar seu apoio para fora da esquerda.

    Mas Lula parece mais empenhado no momento em falar para os seus, especialmente quando escolhe Maduro para seu protegido e Israel para seu inimigo preferencial, sem tomar cuidado com as consequências. As pesquisas começam a mostrar que Lula perde apoio entre não petistas que votaram nele contra Bolsonaro, e mesmo no nordeste o apoio vem enfraquecendo, embora lentamente.

  5. PETROBRÁS MAIS INCERTA, editorial do jornal Folha de S. Paulo

    Com a decisão de pagar menos dividendos, a Petrobras amargou uma perda de valor de mercado na casa de R$ 55 bilhões em apenas um dia, com queda de 10,6% das ações no pregão de sexta (8).

    A estatal lucrou R$ 124,6 bilhões no ano passado, cerca de um terço a menos que em 2023. A queda da rentabilidade já era esperada e não difere do padrão de outras grandes petroleiras mundiais, que também foram impactadas pelos menores preços do petróleo no mercado global.

    O que surpreendeu foi a conduta a respeito da distribuição dos lucros aos acionistas, que se resumiu aos pagamentos ordinários previstos no estatuto da empresa. Não houve desta vez o desembolso dos chamados dividendos extraordinários, acima do mínimo.

    A posição do conselho da companhia segue a preferência do governo, que quer mais recursos para investimentos —em descompasso com a recomendação da diretoria, que era a favor de pagamento maior aos investidores.

    Não é novidade que o Planalto tem pretensões de reviver um ciclo de obras e projetos liderados pela estatal em outras áreas além da exploração e produção de petróleo.

    Nesses planos há um pouco de tudo, de mais refinarias a energia renovável, passando por fertilizantes e distribuição de combustíveis, áreas que no passado levaram a perdas bilionárias e a um estratosférico endividamento.

    É fato que a melhoria na governança da empresa, os olhos atentos da sociedade e o maior escrutínio de órgãos de controle tornam improvável uma repetição dos desmandos e da corrupção na escala do último período de euforia.

    Mesmo assim, há risco considerável de mau uso dos recursos retidos. Em 2023, a nova direção da Petrobras foi cautelosa e promoveu mudanças graduais, não raro sob protestos e ensaios de intervenção não pouco sutis de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

    Temas como os preços dos combustíveis, a política de investimentos e até mesmo a distribuição de dividendos foram tratados com cautela. Mas acumulam-se pressões políticas capazes de degradar a gestão da gigante estatal.

  6. UMA BANDEIRA A REERGUER: A ANTICORRUPÇÃO, por Carlos Alberto Sardenberger, no jornal O Globo

    O tiro fatal contra a Lava-Jato foi disparado pelo juiz símbolo da operação — Sergio Moro, quando aceitou ser ministro da Justiça de Bolsonaro. Sendo generoso, havia atenuantes favoráveis à escolha de Moro. O então futuro presidente entregara tudo, o controle da Polícia Federal, de todo o sistema de segurança pública e das movimentações financeiras. Mais a garantia de apoio aos ambiciosos projetos de combate à corrupção.

    A República de Curitiba, tão temida por boa parte da elite política, se instalaria em Brasília.

    Avaliação equivocada de Moro. Primeiro, Bolsonaro já não era de confiança, mesmo porque ele e seus filhos tinham rolos na Justiça e na polícia. Seu comportamento nunca foi de um republicano, mas de desconfiança em relação às instituições, a começar pelo Judiciário. Não demorou muito para Bolsonaro reclamar da PF de Moro e conseguir uma PF para chamar de sua.

    Em segundo lugar, dava para desconfiar: a elite política aceitaria tanto poder nas mãos de Moro?

    Temos a vantagem de olhar para trás. Mas falemos francamente: a Lava-Jato, gostando ou não seus outros integrantes — e muitos não gostaram —, tornara-se bolsonarista. Isso num país rachado ao meio.

    Sim, havia as conversas grampeadas entre os procuradores e Moro, mas dificilmente levariam à aniquilação da Lava-Jato de Curitiba e, depois, de tudo o que fosse combate à corrupção. Em entrevista ao Valor, publicada na última quarta-feira, o procurador aposentado Carlos Fernando dos Santos Lima, uma das lideranças da operação, comentou que esse tipo de conversa é rotineiro na Justiça.

    Correto. Acrescentamos: rotineiras também são as conversas de advogados com os juízes, prática, aliás, que permanece intacta. Todo mundo familiarizado com os meios jurídicos de Brasília sabe o que é um “embargo auricular”, não raro praticado em jantares, recepções e viagens.

    Houve também acusações de desvio de recursos devolvidos por delatores, mas nada disso foi provado. Dallagnol não foi cassado por isso. A Justiça Eleitoral aceitou o argumento de que ele renunciara ao cargo de procurador para escapar de sindicâncias que poderiam levar a processos, que poderiam levá-lo ao afastamento da Procuradoria. Poderiam? Moro pode ser cassado por gastos na pré-campanha eleitoral para presidente. Não acharam nada mais forte que isso?

    Se fosse aplicado o mesmo rigor às contas de tantos outros candidatos, sobraria pouca gente. Lembram-se da chapa Dilma-Temer, absolvida pela Justiça Eleitoral “por excesso de provas”, na expressão imortal de Jorge Moreno?

    Estão aí exemplos do que o ministro Gilmar Mendes, também em entrevista ao Valor, chamou de “leituras políticas”. E as defendeu. A decisão de voltar à regra de prisão só depois do último trânsito em julgado — em vez de prisão após condenação em segunda instância — decorreu, disse o ministro, justamente de uma leitura política. Livrou Lula e abriu caminho para sua volta. Também tinha sido leitura política a de outro momento que levara à prisão de Lula.

    Repararam que nada se fala de letra da lei, de interpretação jurídica sustentada? Repararam que ninguém fala dos atos concretos de corrupção, das confissões e, sobretudo, do dinheiro devolvido? Anula-se tudo por questões formais.

    De Sérgio Cabral — das lanchas, joias, mansão em Mangaratiba, farras em Paris —, foram anulados uns 40 anos de penas. Seria inocente? Não se tratou disso. O Tribunal de Justiça “descobriu”, tantos anos depois, que o ex-governador fora julgado numa vara errada. Teria de começar tudo de novo. Mas, bobagem, não vai dar tempo.

    Devolverão a lancha e as joias leiloadas?

    Certa elite política e judiciária entendeu que o povo não estava mais preocupado com isso de corrupção. Logo, anule-se tudo antes que o povo perceba. Pois parece que está percebendo de novo: 59% dos entrevistados colocaram a corrupção entre os dois maiores problemas do país (o primeiro é a segurança), segundo pesquisa Atlas/Intel. Quem poderia levantar de novo essa bandeira? Certamente, ninguém do lado de Lula ou de Bolsonaro.

  7. NO JOGO DA RAÇÃO, por Demétrio Magnoli, no jornal Folha de S. Paulo

    Cerca de dez anos atrás, um candidato ao ensino superior que teve sua autodeclaração racial negada por um tribunal racial (“comissão de heteroidentificação”, segundo a novilíngua da burocracia identitária) solicitou meu auxílio para reverter a sentença. Neste ano, 204 candidatos à USP recorrem contra negativas similares, inclusive o pardo Alison Rodrigues, que perdeu a vaga em medicina e ingressou com ação judicial.

    Nenhum deles fez contato comigo, mas atualizo a resposta pessoal que ofereci no passado. Talvez ela interesse a dezenas de milhares de jovens, Brasil afora:

    Prezado candidato, não posso ajudá-lo. Você entrou num jogo com regras subjetivas, arbitrárias. É impossível comprovar objetivamente sua raça, pois raças humanas não existem.

    Políticas de preferências raciais exigem uma nítida definição da raça de cada indivíduo. Nos EUA, as leis de segregação racial do início do século 20 solucionaram o “problema”: negro é quem tem uma “gota de sangue” negro. No Brasil, graças à ausência histórica de leis semelhantes, reconheceu-se a mistura: miscigenação biológica e mestiçagem cultural. Por isso, quando se introduziram as (mal) chamadas ações afirmativas raciais, tornou-se necessário criar tribunais raciais: bancas que decidem visualmente quem é “branco” e quem é “negro” ou “indígena”.

    Os autodeclarados pardos formam 45% da população. Nas estatísticas oficiais, junto com os autodeclarados pretos, compõem a categoria “negros”. Com base nessa falsificação estatal, os identitários proclamam que os “negros” somam 55% da população. A alegação só vale na esfera da propaganda: na hora H, plim plim!, os tribunais raciais transformam os pardos em “brancos”. Eles serão “brancos” para efeito de cotas, mas “negros” para finalidades discursivas.

    O movimento identitário argumentou, originalmente, que as cotas raciais contribuiriam para a redução do racismo. Hoje, 20 anos depois, segundo eles, o racismo é mais intenso do que nunca. Daí, não concluem que o “remédio” fracassou, mas que é preciso dobrar a dose, torná-lo permanente e, sobretudo, difundi-lo para além das universidades. Atualmente, o interesse verdadeiro dos ativistas identitários é implantar cotas no Judiciário, no Legislativo e no aparato da administração pública. Ou seja: abrir atalhos para suas próprias carreiras profissionais.

    A elite política concorda, da extrema esquerda à extrema direita, com as políticas de cotas raciais no ensino superior. É que as preferências raciais cumprem a função crucial de mascarar a paisagem cronicamente desastrosa de nosso sistema público de educação básica. As crianças e jovens pobres não têm direito a uma escola decente –mas, em troca, as universidades concedem vagas segundo critérios raciais aos que tiveram a sorte de cursar escolas públicas melhores. Pão e circo.

    Você, candidato excluído, é irrelevante para a política identitária. Os tribunais raciais são constituídos por militantes do movimento identitário. Por definição, atribuem marcadores de raça de acordo com suas impressões, sob a justificativa metafísica de que refletem o “olhar da sociedade”. Na melhor das hipóteses, você será visto como inevitável dano colateral no caminho que conduz à redenção. Na pior, como um perjuro: um falseador de sua raça.

    As políticas de “cotas sociais” –isto é, a reserva de vagas para alunos de escolas públicas– não devem ser condenadas. Idealmente, seriam emplastros provisórios utilizados enquanto o Estado promove uma reforma radical no ensino público. Contudo, o sistema de cotas raciais separa, pelo critério da cor da pele, estudantes que cursaram as mesmas escolas públicas, residem nos mesmos bairros e provêm do mesmo estrato social. Aí encontra-se o efeito mais perverso e duradouro dessas políticas: elas espalham o gás tóxico do racismo no meio do povo.

  8. A IMORALIDADE DE LULA, editorial do jornal O Estado de S. Paulo

    O presidente Lula da Silva está mesmo empenhado em se credenciar como o guia genial do tal “Sul Global” contra os “imperialistas” americanos. Para antagonizar os Estados Unidos, fustigar o Ocidente e proclamar sua vocação de salvador dos pobres e oprimidos na geopolítica internacional, Lula manda às favas o histórico da diplomacia brasileira de prudência, neutralidade e respeito à democracia, e arrasta consigo o Brasil e sua política externa. Combina a habitual fala sem filtros em temas espinhosos dos quais nada entende com a defesa obscena de ditaduras e ditadores. A Lula pouco importa o que autocratas fazem contra a democracia e os direitos humanos – basta que se insurjam contra os Estados Unidos.

    A recente declaração de Lula sobre a Venezuela é só mais um exemplo desse pensamento deletério. Lula se disse “feliz” com a definição da data para a eleição presidencial venezuelana – a eleição que Nicolás Maduro controla com mão de ferro, pelo domínio que tem sobre a Justiça e sobre as regras do sistema eleitoral do país, o que tem lhe garantido sufocar a oposição, atentar contra a imprensa independente e perpetuar a ditadura chavista.

    Questionado se acreditava que a eleição seria justa, Lula alegou ter recebido informações do próprio companheiro Maduro, ora vejam, de que observadores internacionais serão convidados a monitorar o pleito. E, num misto de grosseria e misoginia, sugeriu à oposição da Venezuela “não ficar chorando”, referência clara ao fato de que a mais forte candidata oposicionista, María Corina Machado, foi impedida pela Suprema Corte chavista de disputar as eleições. Para Lula, bastaria à oposição escolher outro candidato – como se María Corina não tivesse sido vítima de flagrante perseguição e como se qualquer outro candidato pudesse concorrer livremente num ambiente totalmente controlado por Maduro.

    Não foi uma gafe ou um escorregão retórico movido pelo improviso. Trata-se de um padrão e, como tal, um atestado de suas convicções. É longa a sua coleção de declarações em favor de ditaduras, a começar pela própria Venezuela, um país “democrático” até demais, segundo Lula, por realizar “mais eleições que o Brasil”. Relativizando as barbaridades promovidas por Maduro, o presidente brasileiro afirmou que o “conceito de democracia é relativo”. Para Lula, democracia não é a soberania popular, a garantia das liberdades de expressão e de imprensa, a intransigência com qualquer forma de arbítrio de tiranos. Em seu relativismo, os ditadores companheiros são “democratas” porque se julgam intérpretes das aspirações do “povo”.

    Lula é cruel com aqueles que ousam enfrentar os ditadores companheiros. Em 2010, por exemplo, ele defendeu a “Justiça” cubana e criticou presos políticos que ali faziam greve de fome contra o regime dos irmãos Castro. Na sua diplomacia da imoralidade, equiparou os valentes dissidentes cubanos aos presos comuns no Brasil.

    Há muitos outros casos em que a indecência lulopetista se manifestou dessa maneira. Recorde-se que Lula defendeu o ditador Daniel Ortega inúmeras vezes, a despeito das escancaradas violações de direitos humanos cometidas pelo nicaraguense – e, numa reunião do Conselho de Direitos Humanos da ONU em março do ano passado, o Brasil se recusou a acompanhar os mais de 50 países que denunciaram a prática de crimes contra a humanidade pela tirania de Ortega.

    Lula saltou do abismo moral para se alinhar ao que há de mais retrógrado e autoritário. Ao fazê-lo, descredenciase como líder global digno de respeito internacional e debilita a política externa brasileira, obliterando suas oportunidades de integração econômica e de cooperação para a paz, a democracia e as liberdades fundamentais. Sua política externa está ancorada num princípio absoluto e maniqueísta: a hostilidade ao Ocidente e o alinhamento automático a tudo o que é antagônico aos valores ocidentais. Quando esse sectarismo ideológico substitui a visão de Estado, o voluntarismo ignora a decência e a diplomacia é feita com cacoetes de esquerdismo infantil, não há jeito. Não há mais o que esperar de Lula senão essa imoralidade sem limites.

  9. CALDEIRÃO FERVENTE, por Eliane Cantanhede, no jornal O Estado de S. Paulo

    Assim como o governo prometeu e dificilmente entregará o déficit zero em 2024, vai ficando cada vez mais difícil, deslizando para o improvável, a votação da regulamentação da reforma tributária. Tão louvada, a reforma pode chegar incompleta a 2025 e a culpa é tanto do governo quanto do Congresso, que insiste em guerrear também com o STF e contra a própria imagem.

    O governo tem culpa por ter perdido o timing. Fernando Haddad, da Fazenda, ficou confrontando o Congresso com a MP que reonerava a folha de pagamentos e o setor de eventos, foi obrigado a recuar dos dois e negligenciou a regulamentação da reforma tributária. Agora, Haddad promete enviar os projetos de regulamentação da reforma até o fim de março, mas…

    Depois da abertura do ano legislativo, veio carnaval, agora vêm Semana Santa, janela para troca-troca de partidos sem punição e desincompatibilização de prefeitos e ministros candidatos em outubro. E tem mais: festas de São João em junho e julho, atraindo bancadas inteiras, principalmente do Nordeste, e começa o recesso de julho.

    E quando votar? Se não for agora, no segundo semestre vai ficar tão ou mais difícil, justamente por causa das eleições. Assim, a reforma, se andar, será entre o segundo turno e o Natal. Isso, claro, se houver boa vontade dos presidentes da Câmara, Arthur Lira, do Senado, Rodrigo Pacheco, e dos líderes.

    O governo errou com a demora e o Congresso faz birra, como aprovar a deputada considerada mais radical da oposição, Caroline de Toni (SC), para a presidência da “mãe das comissões”, a CCJ, e o deputado e “influencer” Nikolas Ferreira (MG) para a de Educação. Lira lavou as mãos, usando uma comparação que fez para Lula na última conversa olho no olho: a de que age como um presidente de sindicato (que Lula conhece bem) e tenta convencer os “sindicalizados”, mas é obrigado a acatar decisões e regras: o PL tem o maior número de deputados, logo, direito a escolher as comissões.

    Objetivamente, sim, mas Lira, quando quer, é muito convincente e soube atrair o Centrão para a aprovação da pauta econômica do governo no ano passado. Como vai sair da presidência em 2025 e não abre mão de fazer o sucessor, agora está mais preocupado em atrair PL e Centrão para seus próprios projetos do que para a pauta do governo. E exige o fim do veto às emendas de comissão.

    O Congresso está um caldeirão fervendo, com a Câmara nomeando nomes absurdos para postos-chave e pressionando Lula, enquanto o Senado confronta o STF pela distinção entre porte e tráfico de maconha. A pauta econômica está em risco e a vítima não é Haddad, Lula ou o governo, mas o País.

  10. LULA ESTÁ COM UM FOCO, E O POVO, COM OUTRO, por Vera Magalhães, no jornal O Globo

    Uma das piores coisas que podem acontecer a um governo é um presidente experimentado, que passou a vida sendo louvado pelo tino político e pela forma intuitiva como governa, se ver defendendo pautas e prioridades completamente desconectadas daquelas que a população considera mais importantes.

    É o que parece estar acontecendo com Lula, sobretudo neste início de ano. Outro fator que agrava a situação e atrapalha a possibilidade de o governo corrigir a rota é haver poucos expoentes do entorno próximo do presidente com senioridade e coragem para dizer a ele que está errando e deveria rever o rumo.

    No primeiro mandato, o círculo próximo ao petista era composto de pessoas que tinham intimidade com ele e autoridade política para confrontar algumas de suas decisões. Independentemente do que aconteceu com eles em investigações posteriores, Luiz Gushiken, José Dirceu e Antonio Palocci, entre outros, tinham cacife para confrontar as certezas sempre veementes que fizeram Lula chegar aonde chegou na política, mas nem sempre são o melhor caminho no exercício da Presidência.

    O mesmo não se pode dizer do atual grupo de ministros. O único que teria peso suficiente para dizer a Lula que as coisas não vão bem seria Fernando Haddad, mas nem sempre os planos do ministro da Fazenda parecem convergir com os do presidente.

    Tanto é verdade que bastou a arrecadação de janeiro e fevereiro crescer — fruto de fatores que podem ser sazonais, em razão de medidas adotadas pela Fazenda no ano passado, como a taxação de offshores e fundos exclusivos — para o presidente esfregar as mãos e sair defendendo mais gastos, como se o problema da percepção não tão positiva da população em relação a seu governo decorresse da falta de obras, entregas de casas ou outros projetos tradicionalmente defendidos por ele.

    As pesquisas divulgadas nesta semana pelos institutos Quaest e Atlas, se forem analisadas detalhadamente e sem negacionismo pelo governo, mostram que a população não percebe o bom momento da economia e vê a corrupção e a segurança pública como os principais problemas do Brasil.

    Além disso, as recentes incursões de Lula em temas de política externa se mostraram completamente dissociadas das prioridades internas e mesmo da percepção que a maioria da população tem a respeito dos temas que ele aborda de improviso segundo um viés ideológico próprio, não submetido a crivos técnicos do Itamaraty, que parece ter virado um apêndice da influência do assessor especial Celso Amorim.

    O levantamento do Atlas aponta, com larga margem de diferença para os demais, corrupção e segurança pública como temas que mais preocupam os brasileiros. Eis uma pista que deveria ser seguida para entender o mau momento da avaliação de Lula. São dois assuntos a que o petista não tem se dedicado em discursos e agendas e sobre os quais sua administração não tem nada a apresentar.

    Pelo contrário: os dois debates são travados do ponto de vista ideológico e, no que concerne à corrupção, o desmonte do arcabouço de transparência, como os acordos de leniência, e a reversão de decisões judiciais a granel pela Justiça estão associados, no debate público, a uma ação coordenada com a esquerda e o governo.

    Simplesmente ignorar essa percepção e achar que é disseminado no conjunto da sociedade o entendimento de que todas as condenações da última década eram perseguição e uma tentativa de “criminalizar” a política é querer provar a quadratura do círculo e moldar a realidade às próprias crenças.

    O mesmo que Lula faz, aliás, ao propagar aos quatro ventos a veia democrática de Nicolás Maduro e declarar uma crença, que soa infantil para alguém tão experimentado, na realização de eleições limpas no país vizinho. Neste ano, o presidente resolveu falar a seus convertidos mais à esquerda e, aparentemente, a mais ninguém.

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