Alterado título, texto e foto de abertura e acrescentado um vídeo ao final às 12h26min deste 07.09.2023. Havia um zum-zum. Pressão daqui. Sugestão de lá. Pimba. Do nada, a prefeitura de Gaspar saiu com esta “nota oficial” com ares de autoridade – que nunca teve até agora – no ambiente meteorológico. “A Prefeitura de Gaspar informa que o Desfile Cívico agendado para esta quinta-feira, dia 7, está cancelado devido a alta probabilidade de chuva. Segundo informações computadas pela Defesa Civil, através da consulta de órgãos oficiais da região e do Estado, a possibilidade de chuva é alta e constante [ no dia Sete de Setembro].
Meu Deus! Nem uma gota, até o momento desta publicação, horário em que deveria estar se encerrando o desfile cívico. E consultei vários leitores e leitoras em cada canto da cidade – a super-estruturada Defesa Civil de Gaspar não possui este tipo de serviço em tempo real -, não só no Centro, onde seria o desfile.
O comunicado deveria ser este: a dona prefa – o apelido marqueteiro que ela mesmo se deu depreciativamente, diante dos pedidos por mais um feriadão (na Educação é contado como dia normal e não feriado o Sete de Setembro), para não arrumar confusão com os que querem o desfile e os que não querem, resolveu liberar geral, para que todos aproveitem parte inicial do feriadão que não terá chuvas, conforme indicam os serviços de meteorologia da Epagri-Ciram e do AlertaBlu – mais próximo, confiável e inspirador -que relatavam o seguinte:
“no Extremo Oeste e Oeste, condição de chuva no decorrer do dia, atingindo o Meio-Oeste a partir da tarde. No Planalto Sul e Litoral Sul, sol com aumento de nuvens. Na Grande Florianópolis e norte do Estado, mais nuvens e chuva fraca isolada devido a circulação marítima.” Ou o AlertaBlu que tinha esta previsão: “nesta quinta-feira, sem mudança nas condições do tempo. O transporte de umidade do oceano vai seguir direcionado para o leste de SC, mantendo o céu variando entre nublado a encoberto com condição para chuva fraca e isolada a qualquer momento do dia.
A foto original de desfiles de Sete de Setembro no Centro em tempos que a chuva era um motivo de preocupação, mas não de cancelamento prévio foi substituída. E por quê?Parece que o Distrito do Belchior não faz parte de Gaspar e o prefeito que tirou autonomia financeira de lá e a tornou refém da comprovada inoperante secretaria de Obras e Serviços Urbanos, fez o desfile cívico. Não se trata de rebeldia. Tratam-se apenas de incoerências e balelas permanentes da gestão administrativa de Gaspar. A foto é do próprio vice que agora reside por lá. E ela mostra além do desfile como o asfalto está mal cuidado pela secretaria de Obras.
Então não vou discutir o ato político e ideológico envolvido nesta decisão, muito menos de ser a Defesa Civil de Gaspar loteada para interesses políticos partidários do poder de plantão, sem a característica técnica necessária. É evidente, que a um líder, a motivação política para esta decisão devia estar clara para a cidade. Deveria ser parte da transparência dele para com os cidadãos e cidadãs. Transparência? Hum! Outro artigo de luxo entre a cidade e seus políticos de há muito tempo. Mais. Se ela estivesse presente neste caso específico, simplesmente valorizaria o político, o gestor, com todos os riscos embutidos à decisão dele. Mas, aqui, dá-se o tapa e se esconde a mão. Impressionante!
Foi isso que não fez, por exemplo, o prefeito de Chapecó, João Rodrigues, PSD: dar o tapa e esconder a mão, mais uma vez, diga-se. Matou a cobra e mostrou a cabeça dela. Por isso, ele, sejam quais os defeitos que ele os tenha, é uma referência na sua região e até em Santa Catarina.
Em Chapecó, por exemplo, todos os mapas meteorológicos apontam chuvas fortes, as mesmas que assolaram e voltarão assolar o Rio Grande do Sul neste final de semana segundo as previsões disponíveis em todas as fontes que se consulte.
Rodrigues, aproveitando-se desse ambiente de possível adversidade meteorológica, antecipou-se não deu chance para a esquerda fazer o seu discurso e ao mesmo tempo, ao cancelar o desfile cívico na sua cidade, disse com todas as letras, que fazia isso para se posicionar ao seu modo de ver as coisas neste ambiente ainda conturbado e dividido. Assumiu uma posição e os riscos. Rodrigues vai ser criticado e aplaudido por isso. Nem mais, nem menos. E não pela invenção de desculpas amarelas aos olhos de todos como as de Gaspar.
Os políticos e gestores de Gaspar arrumaram desculpas esfarrapadas e se esconderam. Liderança zero. Exposição ampliada deles e pelo pior viés. Os vizinhos de Gaspar, incluindo Ilhota, não entraram nesta ambiguidade. Assumiram o risco. Perceberam a diferença.
Este é o retrato permanente e acabado da administração de Kleber Edson Wan Dall, MDB, e Marcelo de Souza Brick, Patriota, ou PL, talvez, ou PP, sei lá, o que estava no desfile do Distrito do Belchior.
É um erro tático atrás do outro. São disfarces que não colam, de tão primários e mal elaborados que são. A cidade inteira comentando, entupindo as redes sociais (pró e contra) e se comunicando por aplicativos de mensagens – como o que reposto abaixo -, desgastando a dupla de administração municipal (Kleber, Marcelo, MDB, PP, PSD e outros) que acha que, o ato do cancelamento, não foi mais uma exposição de fraqueza dela. Inacreditável. Quem orienta mesmo esta gente?
Os “çábios” agora em Gaspar também entendem de chuvas. Na imprensa, só a nota lacônica da “dona prefa”. E ela diz não saber o porquê estão colocando-a no mesmo barco dos políticos sem rumo. Acorda, Gaspar!
12 comentários em “CHUVA FORTE E QUE CAUSOU PREOCUPAÇÃO GERAL NA CIDADE SUSPENDEU O DESFILE CÍVICO NO CENTRO DE GASPAR. BELCHIOR NEM LIGOU PARA A TORMENTA. OS “ÇÁBIOS” DA PREFEITURA ACERTARAM MAIS UMA VEZ”
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O BRADO RETUMBANTE DE TOFFOLI, por Elio Gaspari, nos jornais O Globo e Folha de S. Paulo
Com o seu brado retumbante, classificando a prisão de Lula como “um dos maiores erros judiciários da história do país”, o ministro Dias Toffoli alistou-se na categoria criada pelo jornalista americano Murray Kempton para os editorialistas: “O serviço deles é descer da colina depois da batalha para matar os feridos”.
Com um voto de 134 páginas, Toffoli anulou as provas do acordo de leniência da empreiteira Odebrecht e produziu uma catilinária contra a Operação Lava-Jato. Transbordando os limites do que se julgava, chamou-a de “armação”, “ovo da serpente” e “pau de arara”. Se o documento viesse assinado pelo atual ministro Cristiano Zanin, que à época defendia Lula e recorria das decisões enviesadas do então juiz Sergio Moro, seria o jogo jogado.
O brado de Toffoli é tardio e pouco original. Depois de ter sido reprovado em dois concursos para a magistratura, ele se tornou advogado do Partido dos Trabalhadores e foi nomeado no Supremo Tribunal em 2009, por Lula. Viu a Lava-Jato passar sem maiores manifestações. Os pontos de sua fala que mais chamaram atenção — “erro judiciário”, “tortura” e “ovo da serpente” — estão em falas antigas do ministro Gilmar Mendes, que combateu as práticas da República de Curitiba desde o primeiro momento. O voto de Gilmar pela suspeição do juiz Sergio Moro é de 2021.
Em 2019, quando Jair Bolsonaro estava no Planalto e Lula na cadeia, os tempos eram outros. Em janeiro, morreu Genival Inácio da Silva, o Vavá, irmão mais velho do então ex-presidente. Lula pediu permissão para ir ao velório. Durante a ditadura, o delegado Romeu Tuma, autorizado pela Auditoria Militar, havia levado o petista, preso, ao funeral de sua mãe.
Os tempos eram outros. A Polícia Federal explicou que não poderia levá-lo de Curitiba para São Bernardo. Deltan Dallagnol dizia que sua presença provocaria “um tumulto imenso” e o Ministério Público se opôs. A juíza Carolina Lebbos negou o pedido. Lula recorreu, e o desembargador de plantão, Leandro Paulsen, voltou a negar-lhe a permissão. (A favor na ocasião, sem que o caso fosse de sua alçada, só o vice-presidente Hamilton Mourão.)
Num novo recurso, o caso chegou às mãos do ministro Dias Toffoli, no STF.
A essa altura, Vavá já havia sido sepultado. Sem saber disso, o ministro autorizou Lula a “se encontrar exclusivamente com os seus familiares, em Unidade Militar na Região, inclusive com a possibilidade do corpo do de cujos ser levado à referida unidade militar, a critério da família”.
Mais: “Vedado o uso de celulares e outros meios de comunicação externos, bem como a presença de imprensa e a realização de declarações públicas”.
Lula recusou o oferecimento e não o esqueceu.
Em dezembro passado, durante a cerimônia de diplomação de Lula, Toffoli encontrou-o. Conforme o relato da repórter Mônica Bergamo, disse-lhe:
“O senhor tinha direito de ir ao velório. Me sinto mal com aquela decisão, e queria dormir nesta noite com o seu perdão”.
UMA NOVA PIZZA PARA A AMERICANAS
A rede varejista Americanas tem à venda três tipos de pizzas. Seus sabores são: calabresa, quatro queijos e frango com Catupiry. Custam entre R$ 16,99 e R$ 18,99. Desde a semana passada, quando a CPI de seu escândalo encerrou suas atividades sem identificar um só responsável pela ruína, a Americanas bem que poderia oferecer a Pizza CPI, sem nada, só com a caixa de papelão.
A fraude cometida na Americanas resultou num pedido de recuperação judicial com uma dívida declarada de R$ 43 bilhões junto a bancos e cerca de 15 mil fornecedores, com prejuízo para pelo menos 146 mil acionistas individuais. É, de longe, a maior quebra corporativa já ocorrida em Pindorama, e a CPI acabou em coisa nenhuma.
Tancredo Neves sempre ensinou: “Esperteza, quando é muita, come o dono”.
A CPI caminhava para seu triste desfecho, quando veio uma surpresa: o ex-CEO da Americanas Miguel Gutierrez enviou-lhe uma carta na qual diz que “me tornei conveniente ‘bode expiatório’ para ser sacrificado em nome da proteção de figuras notórias e poderosas do capitalismo brasileiro”.
Fulanizando, os três grandes acionistas da Americanas são: Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira. Na última lista da revista Forbes eles foram colocados como as 3ª, 4ª e 5ª pessoas mais ricas do Brasil. Juntos, somam US$ 34,3 bilhões. Segundo Gutierrez, os acionistas sabiam da má situação da empresa e Sicupira acompanhava suas vendas. Não há registro do que soubessem das fraudes.
Gutierrez está na Espanha e é provável que de lá não saia. Ele não depôs na CPI, e na sua carta repete que não sabia das fraudes. No caso da Americanas, ninguém sabia de nada. O doutor sabia que em 2022 a empresa ia mal e nada viu de anormal, mas transferiu a propriedade de três imóveis para familiares e, em pelo menos uma troca de mensagens, deixou em segredo cifras das dificuldades. Durante o segundo semestre de 2022, diretores da empresa venderam 14,1 milhões de ações, num montante de R$ 241,1 milhões, dos quais R$ 150 milhões teriam sido negociados por Gutierrez.
A Pizza CPI pressupõe que a plateia pague pela massa e coma o papelão. Há investigações em curso, até mesmo com delações, e a carta de Gutierrez acendeu um alerta. Não dá para se acreditar que um buraco de R$ 43 bilhões seja coisa de um só bode. Isso é coisa de rebanho.
Diretores da Americanas debocharam da CPI e, quando apareceram, ficaram mudos. Um deles recusou-se a confirmar a autoria de uma mensagem na qual dizia que falar do endividamento da empresa seria “morte súbita”.
O mercado de capitais americano é robusto porque de vez em quando estoura um escândalo e alguns maganos vão para a cadeia. Até agora, o caso das Americanas mostra o predomínio da prepotência. Fornecedores perderam dinheiro, acionistas perderam suas economias, e ninguém sabia de nada.
Aos poucos, parece que Gutierrez saberia de tudo. Ele sabia muito mais do que diz saber, mas muita gente, dentro e fora da companhia, sabia de alguma coisa.
Num espeto de R$ 43 bilhões há chifres demais para um só bode.
A PAROLAGEM NA FILA DO INSS
Lula assumiu referindo-se à “vergonhosa fila do INSS, outra injustiça estabelecida nestes tempos de destruição”.
Passaram-se algumas semanas, e o ministro da Previdência, Carlos Lupi, anunciou que ao fim deste ano a análise dos pedidos seria feita em até 45 dias.
Em abril a fila havia crescido e tinha mais de um milhão de pessoas.
Em agosto deu-se uma mágica e sumiram da fila 233 mil segurados.
Para resolver o mistério, o governo criou um grupo de trabalho.
Assim, há agora mais uma fila, a das pessoas que esperam as conclusões dos doutores.
Faltam alguns meses para que Lupi possa exibir o cumprimento da meta de análise dos pedidos em até 45 dias.
REFORMA TRIBUTÁRIA, por Marcos Lisboa, economista, presidente do Insper e ex-secretário de Política Econômica do ministério da Fazenda (2003/05) no governo Lula, para o jornal Folha de S. Paulo
Anda difícil o debate sobre a Reforma Tributária no Senado. Grupos de interesse demandam regras especiais para pagar menos impostos, por vezes se valendo de argumentos que contam apenas parte da história.
O receio é que essas pressões sejam bem-sucedidas, o que vai aumentar a carga tributária a ser cobrada dos demais bens e serviços. Privilégios para alguns implicam prejuízos para o restante da sociedade.
Setores da agricultura pedem benefícios ainda maiores do que os obtidos na tramitação na Câmara. O mesmo ocorre com a aviação. A eles se somam advogados e profissionais liberais.
Por que mesmo essas empresas devem ter tratamento privilegiado, obrigando os demais a pagar uma carga tributária maior?
Cabe destacar outros pontos, pouco enfatizados pelos grupos que demandam tratamento privilegiado.
Primeiro, a reforma deixa de fora o regime do Simples, que contempla pequenas empresas.
Isso significa que a demanda por menor carga tributária decorre de grupos com elevado faturamento, acima de R$ 4,8 milhões de reais por ano.
Em segundo, muitos parecem não entender os detalhes da reforma. Ela beneficia muitas empresas que vendem para outras empresas.
No regime atual, o gasto com diversos fornecedores não pode ser deduzido da base de cálculo da tributação das empresas que adquirem esses itens ou serviços. Com a reforma, todos as despesas com fornecedores passarão a poder ser deduzidas da base a ser tributada.
Logo, para as empresas à frente na cadeia produtiva, comprar desses fornecedores ficará mais barato, podendo o vendedor cobrar um preço mais alto.
Os grupos de pressão frequentemente ignoram o chamado “resíduo tributário”. Eles apresentam o quanto diretamente pagam de tributos e o quanto vão pagar após a reforma.
Mas essa comparação não conta a história inteira. Os bens e serviços comprados pelas empresas estão inflados por tributos que incidem sobre os bens e serviços que compram. A comparação teria que considerar todos os tributos pagos pelos fornecedores, e dos fornecedores dos fornecedores, e assim por diante.
A atual carga tributária que incide sobre as empresas é bem maior do que os grupos de pressão argumentam.
Com frequência, a defesa por regimes tributários privilegiados afirma que eles trariam benefícios sociais. Esse é o caso da cesta básica. Existe a dificuldade óbvia de definir o que seria uma “cesta básica”, e os exemplos anedóticos das distorções têm sido temas da imprensa.
Peixe entra na cesta básica, e salmão é peixe. O benefício acaba por afetar igualmente ovas de peixe. Existe um problema adicional. A desoneração da cesta básica beneficia todos que os adquirem, sejam pobres ou ricos.
Se a preocupação é proteger os mais pobres, bem mais eficaz é tributar a cesta básica e transferir os recursos arrecadados para os mais pobres, por exemplo, ampliando o Bolsa Família. Segundo estimativa do Ministério da Fazenda em 2017, essa alternativa traz uma redução na desigualdade de renda 12 vezes maior que a criada pela desoneração da cesta básica.
Esse é um fato bem documentado nas pesquisas com microdados em diversas áreas. A política social por meio do gasto é bem mais eficaz para cuidar dos grupos carentes do que distorções na tributação sobre consumo.
Os mais pobres frequentam escolas públicas e utilizam o SUS. Os mais ricos podem descontar seus gastos com educação e saúde do Imposto de Renda. Mesmo assim, hospitais e escolas privadas demandam ficar fora da tributação sobre consumo.
Muitos dos serviços consumidos pela classe média estão no regime do Simples, que não será alterado.
A reforma cria uma estrutura simples de tributação após a transição. O Imposto de Valor Agregado (IVA) tem por objetivo cobrar a mesma alíquota sobre qualquer decisão de consumo.
O IVA é um tributo cobrado ao longo da cadeia produtiva. No jargão adotado em outros países, as firmas recolhem progressivamente o imposto que é devido pelos consumidores.
A cada etapa, cobra-se a mesma alíquota sobre o valor adicionado, essencialmente folha de pagamentos e lucros. Pode-se demonstrar que isso é equivalente a cobrar a mesma alíquota sobre a decisão final de consumo das famílias.
Uma das vantagens dessa forma de cobrança é desestimular a sonegação. Em cada etapa, as firmas calculam a diferença entre todas as notas fiscais do que vendaram e deduzem todas as notas fiscais do que compraram. A alíquota incide então sobre a diferença, que é precisamente o valor que foi adicionado naquela etapa.
O IVA tem outros benefícios. Primeiro, se adequadamente implementado é bastante simples, ao contrário das complexas regras de tributação sobre consumo que temos atualmente.
Em segundo, ele é justo. Todos os setores da economia são igualmente tributados ao vender bens e serviços para o consumo das famílias.
Em terceiro, trata-se da regra de tributação sobre consumo que menos prejudica a produtividade e o bem-estar da maioria. Esse ponto foi discutido no artigo “Reforma Tributária resolve problemas crônicos de ineficiência “, publicado nesta Folha em 7 de julho deste ano.
Semana passada, a Comissão de Assuntos Econômicos do Senado aprovou a isenção de IPI para caminhões destinados à agricultura. O objetivo é estimular o setor. Só esquecem que a conta será repassada para as demais atividades produtivas, prejudicando-as.
A regra tributária sobre o consumo deveria ser a mesma para todos os setores. Cabe à política social, por meio dos seus gastos, cuidar das famílias mais vulneráveis.
O Senado poderia ser menos suscetível à pressão de grupos organizados de empresários e de profissionais liberais. Alguns não sabem bem do que estão falando. Outros sabem e estão apenas tentando obter um privilégio a mais.
O DEVER DO STF DE RESPEITAR O CIDADÃO, editorial do jornal O Estado de S. Paulo
Com sua decisão, Dias Toffoli lança as piores suspeitas sobre o Supremo.
Diz-se, com inteira razão, que todos os cidadãos têm de respeitar o Judiciário e cumprir suas decisões. O funcionamento livre da Justiça é aspecto essencial do Estado Democrático de Direito. Mas infelizmente, algumas vezes, parece que o Judiciário se esforça para não ser respeitado, para não ser levado a sério, para ser visto como um órgão político, submisso às circunstâncias do poder do momento.
Na quarta-feira, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli aproveitou o ensejo de um despacho – no qual anulou todos os atos da Justiça tomados a partir do acordo de leniência firmado pela Odebrecht – para fazer um revisionismo histórico. Segundo ele, a prisão do presidente Lula foi um dos “maiores erros judiciários da história do País”; “uma armação fruto de um projeto de poder de determinados agentes públicos em seu objetivo de conquista do Estado”; “uma verdadeira conspiração com o objetivo de colocar um inocente como tendo cometido crimes jamais por ele praticados”; “o verdadeiro ovo da serpente dos ataques à democracia e às instituições”.
De fato, a Justiça, depois de um longo vai e vem, entendeu que o princípio da presunção da inocência impede o início da execução da pena antes do trânsito em julgado. De fato, a Justiça, depois de longos anos, entendeu que a 13.ª Vara Criminal Federal de Curitiba não era competente para julgar os casos envolvendo Lula, anulando as condenações correlatas.
Mas nada disso obnubila a obviedade mais cristalina. De uma forma ou de outra, com mais ou menos intensidade, o STF participou de todos esses atos, tanto os que conduziram Lula à prisão como aqueles que o tiraram de lá. E igualmente se pode dizer dos atos que retiraram a elegibilidade de Lula e dos que a devolveram. Se, como disse Toffoli, os processos contra Lula foram “uma verdadeira conspiração com o objetivo de colocar um inocente como tendo cometido crimes jamais por ele praticados”, o STF participou integralmente dessa conspiração.
Não há nenhum problema em que a Justiça corrija seus erros. Na verdade, é seu dever primário. Mas que o faça em tempo razoável e, principalmente, de forma honesta, sem politizar os assuntos. No entanto, quando Dias Toffoli profere uma decisão como a de quarta-feira, produz-se uma grave inversão. As revisões da Justiça, que deveriam servir para fortalecer a confiança no Poder Judiciário – explicitando que não há compromisso com o erro –, perdem seu caráter pedagógico, gerando a impressão contrária. Para a população, parecem confirmar-se seus piores temores: uma Justiça parcial e instável, preocupada em estar alinhada com os ventos da política.
O habeas corpus de Lula foi impetrado no Supremo em 2018. Se eram tão graves e evidentes os elementos indicando a parcialidade do juiz, por que houve tanta demora em seu julgamento? No caso da decisão pela incompetência do foro, o Judiciário tardou sete anos. Toda essa história é longa e tem muitos aspectos. Mas os fatos não podem ser negados. Por causa dessa flagrante incompetência da Justiça – no sentido corriqueiro do termo: a incapacidade de aplicar o Direito em tempo razoável e de forma estável –, os casos contra Lula prescreveram, os indícios de corrupção reunidos perderam sua serventia processual e o mérito dos processos nunca foi julgado por um magistrado competente e imparcial, como deveria ter ocorrido.
As palavras de Dias Toffoli devem servir, por contraste, de alerta a todo o Judiciário; em especial, ao STF. Respeitem o cidadão e sua memória. A Justiça tem de ser funcional. Ninguém deseja – não é isso o que prevê o Estado Democrático de Direito – um Judiciário voluntarista, instável, histérico ou politizado.
Fala-se que o STF, por ser o órgão de maior hierarquia do Judiciário, tem o direito de errar por último. A afirmação é um tanto cínica, a desprestigiar o próprio Supremo. Na verdade, nenhum órgão estatal tem o direito de errar. De toda forma, tenha ou não esse direito, é mais que hora de reconhecer que o STF tem abusado da possibilidade de errar.
NO ESCURINHO DO CONGRESSO, por Dora Kramer, no jornal Folha de S. Paulo
O nome é bonitinho —minirreforma—, mas o caráter é ordinário no sentido rodriguiano do termo. Assim postas, no diminutivo, as mudanças propostas por suas altezas parlamentares nas regras para valer já na eleição de 2024 parecem inofensivas, embora sejam totalmente ofensivas ao eleitorado.
A começar pelo prazo exíguo: 12 dias, descontados fins de semana, segundas e sextas-feiras, para discussão, votação, aprovação (nas duas Casas) e sanção até o próximo 5 de outubro. A intenção de apresentar semelhante projeto no afogadilho do prazo legal é evidente: passar a boiada sem dar tempo para um exame detido que suscite contestações.
Uma legítima árvore de jabutis onde se acomodam afrouxamentos variados: da Lei da Ficha Limpa, das regras das federações, das normas de prestação de contas dos partidos, das cotas das chamadas minorias, das balizas para propaganda eleitoral. Há até a proibição de bloqueio do dinheiro porventura utilizado com intenções outras além do hoje permitido.
Isso sem contar a mão do gato prestes a incorporar na leva a tal da anistia a R$ 40 milhões em débitos devidos por decisão do Tribunal Superior Eleitoral. O presidente da Câmara, Arthur Lira, já incluiu essa hipótese assim como quem não quer nada, mas querendo muito mais que o aceitável.
Esse é o lado B do Parlamento. Enquanto congressistas aprovam medidas de interesse público (marco fiscal) e defendem reformas no lado A, na encolha se dão ao desfrute de legislar no próprio benefício em regime de urgência e por votação simbólica, como será com essa dita minirreforma.
A despeito do evidente desrespeito à representação popular, a proposta vai passar. Há anos os partidos figuram nos últimos lugares em pesquisas sobre o grau de confiança dos brasileiros nas instituições.
Além de não se dedicarem a mudar a impressão negativa, têm se esforçado para que não haja a menor chance de melhorar.
O QUE FAZER COM O DINHEIRO? por Carlos Alberto Sardenberg, no jornal O Globo
O que a Petrobras fará com os R$ 6,28 bilhões que recebeu de empresas e executivos, inclusive da própria estatal, a partir dos acordos de leniência firmados no âmbito da Operação Lava-Jato? Se foi tudo uma “armação”, se os pagamentos foram indevidos, a Petrobras tem de devolver esses bilhões.
Parte do dinheiro pago pela Odebrecht foi para o Departamento de Estado dos Estados Unidos e a Procuradoria-Geral da Suíça. Colaboraram nas investigações que chegaram ao famoso sistema Drousys, usado pelo setor de Operações Estruturadas da empresa para controlar os pagamentos de propina a autoridades e políticos.
Mas, se não aconteceu nada disso, os acionistas da Odebrecht têm o direito de reclamar de volta esse dinheiro enviado para os gringos.
A Petrobras teve de pagar indenizações a acionistas que negociavam seus papéis na Bolsa de Wall Street. Foi um acordo por meio do qual a estatal brasileira reconheceu a má gestão — ou, mais exatamente, a corrupção, o petrolão —, circunstância que, obviamente, influiu negativamente no valor de suas ações.
Mas, se foi “armação”, todas essas indenizações foram indevidas. E então, que órgão do governo brasileiro organizará as cobranças aqui e lá fora?
Ou vai ficar tudo por isso mesmo?
Ocorre que o ministro Dias Toffoli encaminhou outras providências. Determinou que todos os órgãos envolvidos nos acordos de leniência sejam alvo de investigação para apurar eventuais danos à União. É uma longa lista. Vai da Lava-Jato de Curitiba até a Advocacia-Geral da União, Ministério Público e mais — centenas de gestores.
Um deles está ali mesmo, ao lado de Toffoli, numa cadeira do Supremo. Trata-se de André Mendonça, ex-chefe da AGU. O órgão foi parte ativa nos acordos de leniência, como o próprio Mendonça confirmou e elogiou numa entrevista em abril de 2019. Disse ainda que a AGU continuava patrocinando outros acordos.
No total, os acordos de leniência levaram a pagamentos de R$ 25 bilhões a diversas empresas estatais e instâncias de governos estaduais e federal. Também há complicação no âmbito do Judiciário. Em 23 de abril de 2019, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu por unanimidade manter a condenação de Lula no caso do tríplex do Guarujá. O mesmo STJ permitira a prisão de Lula, em abril de 2018, com base no entendimento de que o réu poderia começar a cumprir a pena depois da condenação em segunda instância. E o plenário do STF, em 4 de abril daquele ano, negara habeas corpus que livraria Lula da prisão. A decisão foi apertada, 6 a 5, mas tomada pelo plenário. “Armação”?
A recente decisão de Dias Toffoli foi monocrática, assim como fora a de Edson Fachin, quando, em 8 de março de 2021, anulou todas as condenações de Lula na Lava-Jato. Argumentou que o processo deveria ter sido aberto em Brasília, e não em Curitiba — “descoberta” feita cinco anos depois da abertura do caso. A decisão foi confirmada pelo plenário do Supremo — o que denota um tipo de corporativismo. Você não mexe na minha sentença, eu não mexo na sua.
Depois disso, o então ministro Ricardo Lewandowski tomou várias decisões monocráticas anulando as delações da Odebrecht nos processos de Lula. Toffoli completou o serviço, anulando toda a delação. Então ficamos assim: um erro processual, primeiro, e uma sequência de decisões monocráticas, depois, determinaram que as delações foram irregulares, o que dispensa, nessa grande “armação”, a verificação das provas. Quer dizer: aqueles computadores e programas da Odebrecht não existem, foi tudo uma ilusão.
Tudo considerado, há uma conclusão que se pode tirar para preservar a democracia e a segurança jurídica. Como já sugeriu o advogado, jurista e ex-ministro da Justiça José Paulo Cavalcanti Filho, as decisões monocráticas deveriam ser simplesmente vetadas. Abolidas. Do jeito como está, não temos uma Corte, mas 11 capitanias que decidem cerca de 90% dos casos. Dá nisso.
Agora, quem quiser saber a história real, está no livro de Malu Gaspar “A organização: a Odebrecht e o esquema de corrupção que chocou o mundo”.
Suas Excelências deveriam ler.
São os números analfabetos petistas e economistas doentes da esquerda do atraso
O MUNDO E O BRASIL DISTRAÍDOS, por Vinicius Torres Freire, no jornal Folha de S. Paulo
China e Alemanha não têm estado lá muito bem depois da epidemia. O PIB da China é o segundo maior do mundo; o da Alemanha, o quarto. Os problemas chineses e alemães parecem um tanto luxuosos. Afinal, vivemos em um país semipobre e de baixo crescimento faz 40 anos.
Ainda assim, uma crise chinesa maior teria repercussão global, grande aqui. As dificuldades, por assim dizer, alemãs deveriam ser mais um motivo para pensarmos o que fazer da alteração da ordem econômica mundial.
Considerada a taxa média de crescimento da última década e extrapolando tal ritmo para o futuro, o PIB da Índia deve ultrapassar o da Alemanha e o do Japão em cinco anos. 2027. Ali na esquina. O conflito sino-americano, entre outros motivos, influencia mudanças em investimentos internacionais e em definições de tecnologia.
Tudo isso é sabido, mas em geral encarado como ruído de fundo por aqui, sem que a percepção dessas tendências se traduza em medidas práticas.
Sim, temos visto a importância que a diplomacia luliana dá ao “Sul Global”, ao “Brics Plus”, a uma moeda que abale o dólar e coisas assim. O que temos feito, porém, a fim de aproveitar logo capitais sobrantes no mundo e as reorientações geográficas de investimento? A fim de tirar algum proveito do novo peso relativo das economias? De tentar uma abertura maior para comércio e investimento, dadas essas mudanças?
Não costuma ser uma conversa do Brasil, um país que mora longe e, na prática, alheio às mudanças do mundo. Até que elas arrombem a nossa porta.
A China tenta manter a taxa de crescimento em ao menos 5% ao ano, ritmo que, para nós, seria uma graça dos céus. Tem de lidar com o risco de crise maior, talvez financeira também, pois houve superinvestimento no setor imobiliário. Seu crescimento, baseado em muita poupança, investimento, pouco consumo e escassa proteção social, talvez precise ser revisado.
“Talvez”. Os prognósticos para a China têm estado errados faz uns 20 anos. Desde a crise que explodiu em 2008, de matriz americana, o PIB (renda) per capita chinês cresceu 145%. O do Brasil, 7,3%. O da Índia, quase 92%. Coreia do Sul, 41%. EUA, 16,7%. Alemanha, 12,4%.
A economia alemã recuperara-se bem da crise de 2008-2012, mas passou a fraquejar em 2017. Não saiu bem da epidemia. Em relação a 2019, o PIB per capita alemão regrediu 0,6% (até fins de 2022); o da eurozona (Alemanha inclusive) cresceu 1,8%; o da União Europeia, 2,9%; o dos EUA, 3,6%.
A Alemanha padeceu especialmente com a crise mundial de energia que começou em 2021 e piorou com a guerra de Vladimir Putin. Ainda assim, o PIB per capita alemão, mesmo em paridade de poder de compra, é 3,5 vezes o do Brasil, 7,5 vezes o da Índia e o triplo do chinês.
A Alemanha também padece por causa da China, seu segundo maior mercado, que fraqueja um tanto e que também passa a vender mais carros, um grande negócio de exportação alemão. A Alemanha enfrenta ainda problemas como envelhecimento, falta de mão de obra qualificada, burocracia excessiva e tecnologicamente envelhecida.
Não, a Alemanha não vai entrar em parafuso. Nem tem importância direta maior para a economia brasileira. Ainda assim, merece atenção. Ignoramos também a distante Índia, que logo será tão grande quanto a Alemanha. Não prestamos atenção ao México, que nos últimos 30 anos conseguiu ter um desempenho econômico ainda pior que o do Brasil, mas que pode se beneficiar da “reocidentalização” de investimentos americanos, por exemplo.
Falamos de ocupar um lugar fixo no comando da ONU. Mas não temos meios nem de ajudar a vizinha Argentina. Muito pior, não temos um plano de ter um assento permanente de destaque na economia mundial em mudança rápida.
CORRUPÇÃO ESTIMULADA, editorial do jornal Folha de S. Paulo
Havia um padrão nacional nas investigações de corrupção do passado. Policiais e procuradores levantavam indícios de crime e percorriam as etapas iniciais da persecução até que, provocadas por luminares da advocacia, as altas cortes derrubavam tudo.
O processo do mensalão, a evolução dos órgãos de controle e o advento de inovações legais como a delação premiada e o acordo de leniência em meados da década passada mudaram essa perspectiva —ou assim pareceu durante algum tempo, ao menos.
Coloca essa impressão em xeque a sucessão de eventos recentes que convergem para a aniquilação da Operação Lava Jato. Decisões esdrúxulas como a do ministro Dias Toffoli, que na quarta (6) praticamente fulminou o acordo com a Odebrecht, oferecem aos pessimistas o argumento de que aquele padrão do passado não se alterou.
Os termos da ordem do magistrado do Supremo Tribunal Federal caberiam num libelo militante, jamais numa manifestação da corte máxima. Toffoli dá mostras de implorar pelo perdão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) —em 2019, o ministro inviabilizou a visita do então custodiado Lula ao funeral de seu irmão.
Essa trajetória errática ilustra o que ocorreu com a institucionalidade brasileira nesse período. Gestos do mesmo Toffoli quando presidente da corte na direção do bolsonarismo, como chamar o golpe de 1964 de “movimento”, compõem essa passagem pouco inspiradora.
A decisão do tribunal constitucional que em 2016 permitiu o cumprimento da prisão após condenação em segunda instância recheou-se de ironias sobre como o sistema carcerário poderia melhorar com a presença de detentos ilustres. A Lava Jato e a maioria do STF estavam em congraçamento.
A vara de Curitiba tinha aval para acumular uma diversidade de casos sob sua alçada, mesmo que não relacionados aos desfalques na Petrobras. O argumento que, quando os ventos políticos mudaram, anulou as condenações de Lula esteve desde cedo escancarado, mas as cortes deixaram passar.
Não teriam sido necessários os grampos das inaceitáveis combinações entre procuradores e Sergio Moro nem a aventura do juiz na política bolsonarista para os tribunais terem podado os excessos.
Exagerou-se na louvação de vingadores no passado. Exagera-se agora na tentativa de apagar as provas consolidadas de corrupção generalizada que foram levantadas pela Lava Jato. Vai-se embora a criança com a água do banho.
Que não reste dúvida sobre o sinal para o mundo da política. A corrupção na alta administração voltou a ser crime de punição improvável —voltou a ser estimulada.
ENFRAQUECER A LEI DA FICHA LIMPA SERIA UM ERRO COM CUSTO ELEVADO, editorial do jornal O Globo
Em 13 anos de vigência, a Lei da Ficha Limpa (LFL) tem sido uma barreira eficaz à entrada no Legislativo e no Executivo de candidatos condenados em segunda instância por violações no exercício da vida pública ou fora dela — desde delitos contra administração e patrimônio públicos, meio ambiente ou saúde pública, até crimes como tráfico de drogas, lavagem de dinheiro ou participação em organização criminosa. A LFL surgiu não de proposta parlamentar, mas de um projeto de iniciativa popular que reuniu assinaturas de 1,6 milhão de cidadãos. Por suas características, é alvo frequente de tentativas de alteração.
A mais recente está embutida na “minirreforma eleitoral” em tramitação no Congresso, cujos objetivos incluem flexibilizar normas que regem a publicidade em campanhas e simplificar a prestação de contas de candidatos e partidos. Para a LFL, a proposta é mudar a forma como são calculados os oito anos de inelegibilidade estabelecidos para os políticos condenados em segunda instância. A ideia é retirar da lei a determinação de que sejam contados a partir do final do cumprimento da pena a que foi condenado o candidato e que passem a valer desde a condenação.
A justificativa alegada é a mudança de entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2019, restabelecendo que o cumprimento das penas precisa esperar o julgamento de todos os recursos, situação jurídica conhecida como “trânsito em julgado”. A alteração já foi aprovada na Câmara e está no Senado.
Com a inelegibilidade contando desde a condenação, o político com ficha suja se beneficiaria, pois o prazo correria em paralelo ao andamento de seu processo por todas as instâncias do Judiciário. Na prática, como os oito anos equivalem a dois mandatos, ele poderá até ser eleito enquanto ainda tem dívidas na Justiça. Fazer cumprir as duas penas concomitantemente equivale, portanto, a reduzir a eficácia da lei.
No mundo político, há muita gente com condição de contratar advogados capazes de protelar uma condenação por oito anos, tempo da pena estabelecida pela LFL. Ou por muito mais. O texto aprovado pelos deputados abre margem a situações esdrúxulas, em que condenados pela Lei da Ficha Limpa começarão logo a cumprir a pena de inelegibilidade, enquanto protelam processos até um futuro indeterminado.
Em mais de uma década, a Lei da Ficha Limpa afastou de cargos eletivos criminosos de todo tipo. Não pode ser enfraquecida. Não apenas em nome do combate à corrupção, mas também porque hoje facções criminosas e milícias tentam se aproximar da política para defender seus interesses. Quando mais se precisará da lei, mais ela fará falta.
ROUBALHEIRA E VERGONHA, por Willian Waack, no jornal O Estado de S. Paulo
Injustiça histórica é um termo relativo, empregado por quem quer o domínio da narrativa. Raramente tem a ver com fatos. Ao empregar essa expressão para anular a Lava Jato, o STF está se dedicando ao embate político.
Não chega a ser surpresa. O STF é hoje uma instância política, que toma decisões políticas, calculando o efeito e consequências políticas. Portanto, passível de ser visto por um ou pelo outro lado do embate de forças políticas como o supremo emanador de injustiças. Sabe-se lá qual será o domínio da narrativa no futuro.
A questão de credibilidade da instituição se torna especialmente aguda quando suas decisões surgem para enorme parte da sociedade como tentativa de apagar fatos graves e incontestáveis: a imensa roubalheira revelada pela Lava Jato. Sob o comando do partido que hoje está de volta ao poder.
É possível debater do ponto de vista “técnico-jurídico” quantas regras foram infringidas pelos que se dedicaram a combater os crimes de corrupção. A alegada “injustiça histórica” pelo STF, porém, supõe que tudo não passou de uma articulação de forças políticas contrárias às que voltaram a governar o País.
O grau de desvio de dinheiro público e de uso de estatais como a Petrobras para enriquecer agentes públicos e sustentar um projeto de poder político reforçou um enorme sentimento de indignação em vastos setores da sociedade brasileira. Mas não é ele que necessariamente colou na política a pecha de “jogo sujo”.
O fenômeno social e político associado à campanha anticorrupção não é o único e talvez nem sequer o fator mais importante para entender como uma vertente de extrema direita se consolida na figura de dirigentes políticos boçais e deságua nas cenas deprimentes do 8 de Janeiro. O grande caldo de cultura subjacente é o de uma sociedade desordeira, sem grande apego a valores de comunidade, carente de lideranças abrangentes e profundamente desconfiada dos sistemas político e de governo.
No fundo, o que revela a decisão do STF ao reparar a “injustiça histórica” é uma sucessão acabrunhante de fracassos de quem cometeu crimes para combater crimes, dos órgãos de supervisão e controle (como o próprio Supremo e seus ziguezagues), das forças políticas que prometem mudanças enquanto mantêm e prosperam no ambiente de mais do mesmo, não importa como se intitulem.
Há quem enxergue na reparação da tal injustiça histórica um país sendo resgatado para o futuro. Na verdade, parece preso a mazelas políticas, econômicas e sociais de sempre. Fica uma espécie de sentimento de vergonha de se constatar que não há mais vergonha. •
Sinistro! Muito sinistro!
Será que “o próprio Supremo e seus ziguezagues” estão para a Democracia assim como estão os PeTralhas e seus penduricalhos?
O OPININADOR GERAL, editorial do jornal Folha de S. Paulo
“Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade” —é o que determina o artigo 93 da Constituição de 1988. A regra estipula que decisões judiciais sejam abertas à sociedade, exceto em caso de defesa da intimidade ou interesse social.
Já o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) declara que os votos dos ministros do Supremo Tribunal Federal devem ser mantidos em sigilo. A opinião irrefletida decerto não resultará em alterações na prática, mas seu tom obscurantista vai de encontro à busca por transparência que caracteriza as democracias liberais.
“A sociedade não tem de saber como vota um ministro da Suprema Corte. Não acho que o cara precisa saber. Votou a maioria, não precisa ninguém saber”, defendeu o petista na terça-feira (05).
O contexto —de críticas da esquerda às decisões do ministro Cristiano Zanin, ex-advogado de Lula e por ele indicado ao STF— ainda piora o comentário, ao permitir ilações sobre tentativa de proteção do magistrado.
A reação negativa à fala foi a previsível, em meio a pressões pela próxima escolha para o Supremo.
O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), disse que uma eventual mudança no sentido sugerido pelo presidente da República contrariaria o princípio da transparência. Os próprios integrantes da principal corte do país, decerto, não se animariam a defender a tese descabida.
Ao imbróglio adiciona-se ainda desinformação. Flávio Dino, ministro da Justiça, afirmou que nos Estados Unidos se “delibera exatamente assim”. Não é verdade. Na Suprema Corte americana, a deliberação não é pública, mas a autoria e o teor dos votos são.
Esses se dividem em majoritários e dissidentes (quando não há unanimidade) e, como no Brasil, as decisões coletivas são assinadas por ministros, de modo que se identifiquem as posições, majoritária ou não —só há sigilo em situações excepcionais.
Eliminar a transparência implica diminuir a capacidade da sociedade de acompanhar e avaliar o trabalho dos ministros. Criticar decisões do STF é parte da liberdade de expressão dos cidadãos submetidos a elas —e não deve ser confundido com ataque à instituição.
Cortes secretas e votos discricionários não têm lugar em regimes democráticos, e o presidente da República deveria saber disso.