Atualizado às 10h02, de 31.12.22 – Aos meus leitores e leitoras, aos que incomodei e acomodei, um Feliz Ano de 2023. Sucesso. Agradeço a vocês, parte do meu. A charge do Amarildo, é política e tem endereço. Triste. Mas, o que ameaça vir pela frente no Brasil não é melhor. Triste, também. Eu não desisti do Brasil. E esta é a magia. Ela é feita não pelos que resistem, mas pelos que não desistem. Aqui não será uma trincheira da resistência, mas da insistência, com todos os reveses que sofro por décadas devido à minha independência e não depender das migalhas de políticos e empresários. A vida é como as tábuas das marés. A gente sabe que há um ciclo de baixa e alta, maior e menor dependendo a fase da lua, e nunca será igual uma a outra. E eu continuarei a olhar a maré de erros, sacadas e resultados dos políticos para a sociedade e a sua cidade. Acorda, Gaspar!
No artigo de quinta-feira eu disse que era o último do ano. E foi. Mas, uma observação ainda é necessária neste 31 de dezembro, em que Bento XVI morre aos 95 anos e que Pelé, morto, como rei, espera a posse de Luiz Inácio Lula da Silva, PT, para ser enterrado sem qualquer concorrência de súditos: a lista dos 37 ministérios dá à exata dimensão do inferno que Lula terá que administrar para não nos queimar nele. Uma parte é da ideológica e no atraso, uma parte é de gente manjada que não produziu nada, outra inexpressiva e uma outra, perigosa e gulosa, no Centrão. Eu exagero outra vez? Selecionei entre muitas leituras desta manha – e a razão da atualização para informar isso – e republiquei abaixo na área de comentários, a de Carlos Alberto Sardenberg. Leia-o. Ele é muito mais competente e assertivo do que eu neste assunto.
O MDB está no governo de Lula e o MDB de Gaspar se acha representado. O prefeito Kleber, evangélico, correu para as redes sociais dizendo que ele é MDB – por enquanto -, mas não é Lula. Hum! É porque antevê desastres, mas se der certo, será Lula de carteirinha. É sempre assim. Um olho no Brasil, outro em Gaspar e os empregos públicos depois de 2024. O PSD do novo prefeito de fato de Gaspar, o deputado Federal eleito, o evangélico Ismael dos Santos, é Lula. O deputado ainda está em silêncio. Em Brasília, o buraco é mais embaixo. Mudar de partido não pode. E Gilberto Kassab é o mandatário. Nada como um dia após o outro. E eu de alma lavada até no último dia do ano. Acorda, Gaspar!
6 comentários em “ADEUS ANO VELHO. FELIZ ANO NOVO. ELE PODERÁ SER TÃO VELHO QUANTO. DEPENDERÁ DE NÓS”
Matutando bem…
Melhor vazar para o tio Sam do que puxar 580 dias na cadeia!!! Né não, people???
…o futuro já começou. . .
Se o primeiro atentado da ‘Direita explosiva’ tivesse sido investigado e seus autores punidos na letra da lei e dos regulamentos, o Brasil, a Justiça e as Forças Armadas teriam lucrado
A DIREITA EXPLOSIVA QUIS VOLTAR, por Elio Gaspari, nos jornais O Globo e Folha de S. Paulo
As delinquências confessadas por George Washington de Oliveira Sousa, gerente de um posto de gasolina no Pará, militante acampado diante do Quartel General do Exército, em Brasília, mostram que ele pretendia praticar um ato terrorista na capital. Pelo plano, explodiriam um caminhão de combustível nas proximidades do aeroporto. Outra bomba interromperia o fornecimento de energia de Taguatinga. Assim, dariam “início ao caos que levaria à decretação do estado de sítio”.
Bomba num pátio, corte de energia, caos… Mark Twain já ensinou: A História não se repete, mas rima.
Oliveira Sousa está preso e revelou ter articulado o crime com pelo menos três pessoas. Esse atentado, impedido pela ação da polícia civil de Brasília, bem como inúmeras ameaças, injetaram tensão na festa da posse do presidente Lula.
Nos anos 60 e 70 do século passado, o país teve um terrorismo de esquerda, com o sequestro de quatro diplomatas estrangeiros e a morte de dezenas de pessoas. Foram executados um empresário, um delegado, um capitão do exército americano e um major alemão, confundido com um capitão boliviano. A ditadura enfrentou esse surto com desproporcional violência. A tortura tomou-se política de Estado e foi seguida por uma diretriz de extermínio.
Em 1981, extinto o surto terrorista e dois anos depois da anistia, explodiu uma bomba no colo de um sargento do DOI do I Exército (atual Comando Militar do Leste). Ele acompanhava um capitão, seu superior. Era o atentado do Riocentro. Se as coisas corressem como se supõe que havia sido planejado, aquela bomba explodiria no estacionamento enquanto outra, jogada na estação de energia, cortaria a luz do show que se realizava no pavilhão. O episódio do Riocentro provocaria um caos e, quem sabe, levaria à decretação de medidas de emergência.
(A bomba que explodiu no colo do sargento matou-o, ferindo o capitão. A da estação de energia falhou.)
Passaram-se 41 anos, o capitão foi para a reserva como coronel. Na cena da bomba atirada contra a casa de força estava o coronel da reserva Freddie Perdigão Pereira, lotado no Serviço Nacional de Informações. Na tarde de 31 de março de 1964, o então tenente Perdigão foi mandado ao Palácio das Laranjeiras com um tanque, para proteger o presidente João Goulart. Ele morreu em 1996 durante uma cirurgia. Até hoje prevalece a versão de que nenhum militar tinha a ver com as explosões.
A “EXPLOSIVA” DETONOU A DIREITA
A prisão de Oliveira e Sousa e sua confissão recomendam que se revisite o terrorismo de direita. Ele foi beneficiado pela impunidade, mas foi revelado, à fartura, por alguns de seus personagens. Nada melhor que a leitura de “A Direita Explosiva no Brasil”, de José Argolo, Kátia Ribeiro e Luiz Alberto Fortunato. Publicado em 1996, contém uma coleção de depoimentos, com o coronel Alberto Fortunato como um de seus principais personagens.
Fortunato esteve em inúmeros episódios da anarquia militar da segunda metade do século XX. Na década de 1960 ele participou de cerca de 30 atentados. Articulava-se com colegas, empresários e políticos.
Em 1962, Fortunato preparou uma bomba com dez bananas de dinamite, deixadas no pavilhão de São Cristóvão, onde havia uma exposição de produtos da União Soviética. Militares que souberam do plano temeram que morresse gente e avisaram ao governo do Rio. Seis anos depois, o coronel atirou uma bomba na porta do Teatro Glaucio Gil, em Copacabana. Nele realizavam-se assembleias de artistas.
A essa altura Fortunato ligara-se a oficiais que serviam no Centro de Informações do Exército, o CIE, e a Hilário Corrales, um comerciante de madeira do Estácio, que se tornaria um bom amigo do major Freddie Perdigão, então lotado no CIE.
Durante o ano de 1968, antes da decretação do Ato Institucional nº 5, o grupo em que estavam oficiais do CIE explodiu 20 bombas no Rio.
O coronel Luiz Helvécio da Silveira Leite, do CIE, recordou o atentado contra o teatro Opinião:
“Foi tentado deixar uma bomba de retardo dentro do teatro, para explodir após a sessão. Eles estavam com uma vigilância muito aguçada sobre nossos agentes, que nem podiam se mexer. Optou-se então pela destruição total. Numa madrugada de chuva, com algumas cargas ocas e coquetéis molotovs, destruímos o teatro.”
Em 1970, o núcleo terrorista onde estava Fortunato pôs duas bombas na casa onde funcionava a redação do semanário O Pasquim e depois disso adormeceu.
Acordaram em 1976. Sequestraram um bispo, explodiram bancas de jornais, puseram uma bomba na porta da CNBB e outra na casa do jornalista Roberto Marinho, dono das Organizações Globo.
Em 1980, uma carta-bomba matou a secretária do presidente da OAB e, no DOI, alguém teve a ideia de explodir a casa de força do Riocentro. O oficial que chefiava a seção de operações do destacamento vetou o projeto.
Em abril de 1981, a ideia renasceu e, segundo o coronel Fortunato, Hilário Corrales fez a bomba que explodiria no colo do sargento.
Corrales fugiu para São Paulo, voltou ao Rio e morreu em julho do ano seguinte. Seu caixão foi levado por dois generais reformados e um oficial fez um inflamado discurso à beira do túmulo. No fim da vida, Corrales foi assistido pelo coronel Freddie Perdigão
O livro “A Direita Explosiva no Brasil” lista 32 atentados praticados entre 1968 e 1980 pelos grupos do coronel Fortunato e dos oficiais do CIE. Com o do Riocentro, são 33.
Nenhum desses atentados teve a autoria desvendada, mas tratava-se de um segredo de Polichinelo. Em três meses, o detetive particular Bechara Jalkh identificou a origem do explosivo e os autores do atentado à casa de Roberto Marinho. Comandantes militares da época e generais do Palácio do Planalto sabiam quem fazia o que. Uns achavam que lhes convinha, outros acreditavam que aquilo passaria, pois era coisa de “radicais sinceros”. (Uma carta identificando o automóvel do qual saiu o cidadão que explodiu uma banca de jornais foi engavetada.)
As bombas do Riocentro abalaram o regime e a disciplina das Forças Armadas. Foram necessárias décadas para recolocar a imagem dos militares no devido lugar.
Se o primeiro atentado da “Direita Explosiva” tivesse sido investigado e seus autores punidos na letra da lei e dos regulamentos, o Brasil, a Justiça e as Forças Armadas teriam lucrado.
2023
Depois de quatro anos de tensões inúteis e administração errática, o Brasil vive hoje a festa da democracia com a posse do presidente eleito.
A qualidade de um governo só se avalia quando ele começa a funcionar. Como ensina o professor Delfim Netto:
“Hoje começa a lua de mel do novo presidente com o poder. Amanhã, segunda-feira, ele terá que abrir a quitanda às nove da manhã com berinjelas para vender a preço razoável e troco na caixa para atender a freguesia.
Pelos próximos quatro anos a rotina essencial será a mesma: abrir a quitanda, com berinjelas e troco.
Todos os desastres da economia brasileira deram-se quando deixou-se de prestar atenção na economia da loja.”
As grandes perderam participação no PIB; já as pequenas continuam pobres e dependentes. É lá, distante, sem transparência, sem imprensa, sem instituições vigilantes, que estão os currais dos políticos, a roubalheira e sangria dos cofres públicos via Brasília…
A PANDEMIA MUDOU O PIB DAS CIDADES, editorial do jornal O Estado de S. Paulo
A pandemia provocou a queda do Produto Interno Bruto (PIB) dos grandes centros urbanos e, consequentemente, fez cair sua participação no PIB nacional. Essas cidades, cujas economias são mais dependentes de serviços, sofreram mais os impactos das medidas necessárias para a contenção do avanço da covid-19. O consequente aumento proporcional da participação de outras localidades na economia nacional resultou numa forçada desconcentração econômica.
A queda da participação das grandes cidades no PIB nacional é uma das informações mais reveladoras sobre a situação dos municípios apresentada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em seu estudo PIB dos Municípios. Trata-se de um levantamento preciso da situação econômica das municipalidades. O Município de São Paulo, por exemplo, que respondeu por 9,8% do PIB nacional em 2020, perdeu 0,5 ponto porcentual em relação ao ano anterior. Outras grandes cidades também perderam fatia expressiva do PIB entre 2019 e 2020. Rio de Janeiro perdeu 0,4 ponto; Brasília, 0,2; Curitiba, 0,1; e São José dos Pinhais (PR), 0,1%.
O fato de nove municípios responderem por quase 25% do PIB nacional mostra forte concentração de riqueza. Nessas localidades vivem 15,3% da população brasileira. A concentração, no entanto, é bem menos acentuada do que a observada há cerca de duas décadas. Em 2002, apenas quatro municípios (São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e Belo Horizonte) respondiam por praticamente um quarto de tudo o que se produzia no País. Cinco localidades foram acrescentadas à lista.
O estudo do IBGE mostra também uma das fragilidades financeiras do sistema federativo brasileiro. Trata-se da dependência de boa parte das cidades às atividades ligadas à administração pública. Em 2020, 2.620 municípios (ou 47% dos 5.570 existentes) tinham administração, defesa, educação e saúde públicas e seguridade social como principal atividade econômica.
Embora o IBGE não aponte como essas atividades são sustentadas, outros estudos mostram a tremenda carência da maior parte dos municípios por recursos transferidos a eles pela União e pelos Estados. Na grande maioria das prefeituras, mais de três quartos dos recursos orçamentários disponíveis resultam dessas transferências. No caso da União, essas transferências representam parcela de tributos federais que, por lei, devem ser rateados com Estados e municípios.
“O rateio da receita proveniente da arrecadação de impostos entre os entes federados representa um mecanismo fundamental para amenizar as desigualdades regionais, na busca incessante de promover o equilíbrio socioeconômico entre Estados e municípios”, justifica o Tesouro Nacional. Na prática, porém, a automaticidade dessas transferências estimulou, no passado, a criação de municípios sem condições de se sustentar financeira e administrativamente, e que se tornaram quase totalmente dependentes desses recursos. É a conta que se paga no presente, e continuará a ser paga no futuro, por aventuras políticas do passado.
O DESASTRE BATE À PORTA, por Hélio Schwartsman, no jornal Folha de S. Paulo
Se você ficou patologicamente animado com o fim do governo Bolsonaro e a chegada de uma administração não extremista, um bom antídoto literário é “Megathreats” (mega-ameaças), de Nouriel Roubini.
Ainda que tenhamos escapado por um triz (1,8 ponto percentual dos votos) do pior, o Brasil é só um pedaço não muito importante de um mundo bastante interconectado que está, na visão do autor, profundamente encrencado.
Nos dez primeiros capítulos, Roubini identifica dez problemas e mostra por que são mega-ameaças. No caso de vários deles, como mudança climática, crises de endividamento, estagflação, guerra fria EUA-China, os perigos são mais ou menos autoevidentes, o que não impede Roubini de descrever, com riqueza de detalhes, algumas das piores implicações.
Há itens, como o avanço da inteligência artificial, a desglobalização e a redução das taxas de natalidade, que muitos aplaudiriam, mas o autor mostra que eles podem ter efeitos bastante perversos sobre a organização econômica e a vida das pessoas.
Se você está começando a sentir-se deprimido, ainda não viu nada. Roubini reserva o penúltimo capítulo para mostrar como cada uma dessas ameaças pode alimentar outra, formando círculos viciosos que nos levariam à miséria. Numa espécie de concessão ao otimismo arrancada a fórceps, ele afirma, no último capítulo, que, se formos extremamente competentes no gerenciamento desses problemas —uma hipótese que ele considera remota—, o desastre que nos aguarda nos próximos anos será apenas moderado.
Roubini, para quem não conhece, é provavelmente o mais pessimista dos economistas em atividade. Seu apelido é Dr. Doom (apocalipse). O problema é que, de vez em quando, suas previsões se confirmam, como foi o caso da crise financeira de 2008. E pessimistas não precisam estar certos mais do que 10% das vezes para que já valha a pena ouvir o que eles têm a dizer.
EU VI O REI, por Carlos Alberto Sardenberger, no jornal O Globo
Vi Pelé jogar. E concordo com Nélson Rodrigues. Pelé sabia que era o Rei. Mais: os que jogavam a seu lado ou contra ele também sabiam que ali estava o melhor de todos, capaz de jogadas impossíveis para os mortais. Mais ainda: a torcida sabia. Todas as torcidas. No estádio, era um espetáculo. Quando Pelé dominava a bola no meio-campo e virava o corpo na direção do gol adversário, as pessoas se levantavam na expectativa.
Reparem: Pelé estava a meio campo do gol, vários adversários à frente, e a torcida já de pé. Quando ele partia em velocidade, as pessoas já estavam comemorando. Mesmo que não saísse o gol, a gente podia dizer: eu vi.
Meu gol preferido é da Copa de 1958, contra o País de Gales. Pelas circunstâncias. Zero a zero, jogo eliminatório, segundo tempo. Pelé está dentro da área, de costas para o gol. Pede a bola. Recebe no peito, deixa cair, um toquezinho sobre as pernas do marcador e coloca no canto.
Ele faria outros gols espetaculares e decisivos. Mas a gente já sabia que era o Pelé. Em 1958, era um rapaz de 17 anos que se apresentava ao mundo. E todos entenderam, era muito mais que um gol de Copa. Ou se poderia dizer: vocês ainda não viram nada.
GOVERNO LULA
Voltando à nossa seara, vamos dar por entendido que o governo Lula terá dificuldades com:
1. cenário externo desfavorável, num mundo com inflação elevada, juros altos e desaceleração da atividade econômica;
2. cenário interno complicado nos mesmos itens, inflação, juros, desaceleração;
3. formação de maiorias na Câmara e no Senado.
Não é pouca coisa, mas cabe acrescentar uma dificuldade menos comentada: a administração interna do governo. Burocracia, gestão — não é assunto tão interessante, mas crucial.
Um ministério tem secretarias, coordenadorias e departamentos. Como acomodá-las nos 37 ministérios, sobretudo depois do vendaval de incompetência e má-fé do governo Bolsonaro?
Fernando Haddad e Simone Tebet têm óbvias diferenças no pensamento econômico. Daí deriva uma questão prática: como se entenderão na gestão do Orçamento?
Com base em formatos já aplicados em diversos governos, o Ministério do Planejamento tem a Secretaria de Orçamento, que prepara o projeto de Orçamento enviado ao Congresso e, depois de aprovado, acompanha sua realização. A Fazenda tem a Secretaria do Tesouro, o caixa do governo, que faz os pagamentos aos ministérios, que gastam nos programas e obras. Se um ministro quer liberar uma verba, passa primeiro no balcão do Planejamento, onde apanha a autorização, depois na Fazenda, para receber o dinheiro.
Por trás do roteiro burocrático, está a escolha de prioridades: gastar mais em pessoal ou em obras? O que vem na frente, os recursos da Funai ou da Sudam? Isso é economia e política — ministros fortes politicamente sempre arranjam mais dinheiro. Se foi difícil para Lula dividir o ministério, como ele disse, será ainda mais complicado arbitrar as demandas dos ministros e da ampla coalizão.
Sim, Lula já fez isso, mas as circunstâncias mudaram. A questão principal neste início de governo será arranjar a burocracia: onde fica esta ou aquela secretaria? Em qual prédio? Com que recursos (assessores ou cargos comissionados)? Pode parecer coisa pequena, mas sem essa organização o governo simplesmente não anda. Além dos grandes arranjos, a nova administração pode encalhar em disputas burocráticas.
Para continuar no tema da política econômica: sempre que houve a divisão entre Fazenda e Planejamento, a primeira foi dominante. Não se gasta um centavo sem passar pela poderosa Secretaria do Tesouro. Isso significa que Simone Tebet terá de arranjar funções e poderes em áreas não relativas à política econômica. Gestão das estatais costumava ser uma função do Planejamento. Mas a ministra terá autoridade sobre uma Petrobras, gigante dirigida por um petista?
Lula foi praticamente obrigado a montar um governo amplo e diverso. Conseguiu. Agora começa a parte mais trabalhosa: colocar a geringonça para funcionar.
PELÉ, RESPEITO À HIERARQUIA, Ascânio Seleme, no jornal O Globo
Jornalismo é também hierarquia. Não fosse ela, não haveria manchete nos jornais, e as notícias seriam amontoadas pela ordem de chegada. Nos primórdios da internet, era assim nos sites noticiosos. Mas, mesmo o ambiente digital rendeu-se à autoridade da relevância. O mais importante vem antes, tem mais destaque, ganha caixas altas e, se possível, brilha e pisca. É o caso de Pelé. Sua morte atraiu todas as atenções do dia 29 de dezembro. O anúncio dos derradeiros ministros de Lula, os preparativos para a sua posse e a prisão de bolsonaristas radicais foram praticamente ignorados nas TVs e nos jornais digitais durante toda a tarde. A morte de um rei é muito mais notícia do que a assunção de um presidente.
E não estamos falando de um rei qualquer, de um filho nobre que herdou a coroa que pertencia ao seu pai ou a sua mãe. Não. Pelé foi um self-made-king, um rei que se construiu, que desenhou a coroa que mereceu usar em cada um de seus 65 anos de reinado. Pelo seu gigantismo e pioneirismo, Pelé foi o principal assunto dos noticiários de TV e destaque em todas as primeiras páginas dos jornais brasileiros e mundo afora. O GLOBO deu quatro primeiras páginas ao rei. Lindas, mais do que primeiras, são capas que ilustram a estatura do atleta. O jornal foi superlativo com Pelé, ele próprio sinônimo de superlativo.
Lula não mereceu sequer uma linha nas quatro capas do GLOBO a dois dias da sua posse. O Estadão também dedicou inteiramente a sua primeira ao rei, com um título brilhante: “Pelé morreu, se é que Pelé morre”. A Folha ainda deu no pé da página pequenas chamadas para os novos ministros, a volta de Marina ao Meio Ambiente e a ação policial contra os radicais. Os principais jornais, telejornais, blogs e sites de notícias de todo o mundo também deram a ele espaços abundantes.
Mesmo os grandes jornais especializados em economia, como o Valor Econômico, no Brasil, o Wall Street Journal, dos Estados Unidos, e o britânico Financial Times deram chamadas importantes e rasgaram fotos de Pelé em suas capas. Não havia como esconder o falecimento do maior atleta do Século XX. Todos os grandes líderes globais lamentaram a sua morte. Todos os grandes atletas e artistas, os mais importantes e laureados cientistas, pesquisadores, escritores e professores renderam homenagem ao maior brasileiro de todos os tempos.
Em vida, Pelé foi procurado e tietado por presidentes, primeiros-ministros, reis e rainhas. Numa entrevista à GloboNews, o jornalista Juca Kfouri contou um episódio que testemunhou quando conversava com Pelé em seu escritório. A secretária do rei entrou na sala e disse que o então presidente dos EUA, Bill Clinton, estava ao telefone. Pelé atendeu, conversou uns três minutos e agradeceu, mas não podia atender ao convite para uma visita ao presidente na Casa Branca. Abismado, Kfouri indagou: “Você recusou convite do Clinton?”. Pelé respondeu: “Já conheci muitos presidentes americanos. O convite é para a mesma data das minhas férias. Prefiro ir para a praia”.
Parece arrogante? Pode parecer, mas não foi arrogância. Pelé era assim mesmo. Ele sabia muito bem o tamanho que tinha. Mas nem por isso se negava a dar um autógrafo, a conversar com um fã, a se deixar fotografar. Pelé pediu amor, pediu pelas crianças, invocou justiça social. Errou ao dizer em plena ditadura que o brasileiro não estava preparado para votar, “por falta de educação e porque se vota mais por amizade nos candidatos”. Mas mesmo os reis erram.
É tão grande e relevante a perda de Pelé, que a sua generosa família resolveu fazer seu funeral e sepultamento depois da posse de Lula, para não ofuscar a festa de inauguração do terceiro mandato do presidente eleito. Claro que para o destino do Brasil e dos brasileiros o novo governo importa muito mais do que a morte do rei. A atenção de jornais e jornalistas terá de ser amplamente dedicada aos primeiros movimentos do novo comando do país que assume amanhã. Mesmo assim, as exéquias de Pelé competirão pela atenção da mídia com as primeiras medidas do governo.
Por isso tudo, pela enormidade de Pelé, esta coluna de política não podia mesmo tratar de outro assunto.
REPÚBLICA CONCILIATÓRIA
Começa amanhã uma nova era na nossa história. Com pouco mais de cinco séculos desde o seu descobrimento, o Brasil teve sete etapas na sua vida política reconhecidas por historiadores: Colônia, Império, Primeira República, Estado Novo, Quarta República, Ditadura Militar e Nova República. Depois do breve Jair Bolsonaro, que tentou matar e enterrar todas as premissas da Nova República, o país retoma a trajetória democrática em busca do bem-estar coletivo, da prosperidade e da felicidade. Não cabe a jornalistas nomear eras, mas se fosse me dada esta prerrogativa, batizaria esta nova etapa de República da Conciliação ou República Conciliatória. É gigantesco o esforço que o presidente Lula está fazendo para conciliar o país. Politicamente, o salto dado com a nomeação dos 37 ministros é digno do nosso recordista João do Pulo. Todos os setores estão ali contemplados. Mesmo alguns dos mais próximos do bolsonarismo raiz, aparentemente autoritário e intransigente, foram acomodados no novo governo. Um pessimista olharia a lista de nomeados e diria “não vai dar certo”. O otimista observaria que por trás das indicações há uma boa intenção.
ENGOLINDO SAPOS
Obviamente Lula quer acertar, quer cumprir sua promessa de garantir três refeições diárias a todos os brasileiros. Quer terminar o seu terceiro mandato em condições de se reeleger ou de apoiar um candidato vencedor. E ninguém atende estas promessas e percorre esse longo caminho sem engolir sapos. Os primeiros já têm nome. São os anuros Juscelino Filho e André de Paula, indicados para os ministérios das Comunicações e da Pesca. Ambos votaram pelo impeachment de Dilma Rousseff, e Juscelino festejou publicamente a prisão de Lula. Duro? Chato? Claro que sim. Mas não há como governar um país tão dividido sem que haja pelo menos um pouco de jogo de cintura.
FILHOS, NETOS, COMPANHEIROS
Escrevi aqui em novembro de 2020 que a história eleitoral brasileira é repleta de casos de filhos e netos que se apropriam do nome e do capital político do patriarca da família para pedir votos e quem sabe passar o resto da vida pagando suas contas com dinheiro público. No Ministério de Lula, há dois casos clássicos, Renan Filho e Jader Filho. Renan tem mais tempo de estrada, já se construiu politicamente à sombra do pai, chegando a governador de Alagoas. Jader Filho é novato. O primeiro herdeiro da família Barbalho é seu irmão Hélder, governador do Pará. O filho de Jader Barbalho que leva o seu nome só agora começa a fazer “política”. Quem sabe em quatro anos ocupe a cadeira do pai no Senado. Lula o anunciou assim: “O Ministério das Cidades vai ser ocupado por um companheiro, filho de um companheiro, irmão de um companheiro, o companheiro Jader Filho”.
BRIMOS
Simone Tebet, que no segundo turno da campanha presidencial pediu que as pessoas usassem branco nas manifestações pró-Lula de que participava, usou blusa vermelha no dia em que foi nomeada para o Ministério do Planejamento. Vestiu vermelho e sua sorte então mudou? Bobagem, Simone não é supersticiosa, mas acredita que origem comum ajuda. “Somos de origem libanesa, não tem como dar errado”, disse a nova ministra sobre seu entendimento com o “brimo” Haddad.
MEC
O Ministério da Educação perdeu há mais de trinta anos a Cultura, que passou a ter pasta própria, mas ainda assim manteve o C da sua sigla antiga de Ministério da Educação e da Cultura. Agora, que ele foi entregue ao grupo do ex-governador Camilo Santana, a sigla volta a fazer sentido. Como Camilo nomeou para a Secretaria Geral a sua sucessora, Izolda Cela, e para o FNDE, Fernanda Pacobahyba, ex-secretária da Fazendo do seu estado, o MEC passa a ser conhecido como Ministério da Educação do Ceará.
DO LADO DE DENTRO
No documentário “Visita, presidente”, de Julia Duailibi, aprende-se que a Polícia Federal estava infiltrada no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, onde Lula se encontrava com militantes, assessores, parlamentares e companheiros petistas no dia da sua prisão. Agora, com a primeira ação policial contra os bolsonaristas radicais que atacaram Brasília nos últimos dias, sabe-se que a PF não tinha ninguém no acampamento em frente ao QG do Exército, que o novo ministro da Justiça, Flávio Dino, chamou de “incubadora de terroristas”.
AS MENTIRAS FINAIS
Ontem, no seu penúltimo dia no poder, Jair Bolsonaro quebrou o silêncio e pregou suas últimas mentiras. Uma delas foi quase ofensiva. Ele disse que os manifestantes das portas de quartéis defendem a democracia e, pasmem, a imprensa. Sim, a imprensa, que estes mesmos manifestantes enxotaram sempre que puderam, mesmo a imprensa amiga. Depois, afirmou que nos seus quatro anos trabalhou “de domingo a domingo”, com poucas folgas para os passeios de jet-ski e para as motociatas. Francamente, todo mundo conhece o pavor que este homem tem do trabalho. Bolsonaro foi o mesmo, embora a iniciativa tenha um sentido diferente. Sua live teve o objetivo de blindá-lo juridicamente. Por isso, desautorizou os terroristas de Brasília. Tarde, mas antes tarde do que nunca.
ASSESSORIA BAIXO CLERO
Bolsonaro já escolheu os assessores que tem direito de manter com recursos públicos na condição de ex-presidente da República. São oito. Um civil (um advogado) e sete militares, quase todos de baixo coturno: um coronel, um capitão, dois tenentes, um suboficial e dois sargentos. Com todo respeito aos praças e jovens oficiais, mas as escolhas mostram bem do que nos livramos.