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A PESQUISA IPEC/NSC NÃO SURPREENDEU NINGUÉM. A PROPAGANDA OBRIGATÓRIA REVERTERÁ AS EXPECTATIVAS MARQUETEIRAS?

Na quinta-feira da semana passada, num mero exercício amador de premonição, fiz este título aqui: POR QUE AS PESQUISAS PARA O GOVERNO DO ESTADO SÃO TÃO AGUARDADAS QUANTO TEMIDAS?

Desta vez, a pesquisa de um Instituto atestado – o IPEC com os técnicos do antigo Ibope – e veiculada pela NSC e em parceria com o portal G1 – foi feita com todos oficialmente que estão na corrida pelo Centro Administrativo. Escrevi, antes dela estar nas ruas, que não havendo motivadores que levassem às surpresas de 2018, pois o novo de lá ficou velhíssimo, o pouco tempo para grandes mudanças era o grande conspirador dos competidores daqui até dois de outubro.

Bingo até para a não arriscada afirmação antecipada de que os players estariam juntos na mesma foto. Talvez seja possível mudanças. Há espaços para isso exatamente por estarem embolados.

A decepção ficou por conta de Décio Neri de Lima, PT (6%), provando mais uma vez, que a esquerda e o socialismo não combinam com o modelo catarinense. O amigão de Lula, ainda não aprendeu com ele. Décio continua com muito ranço e sede de vingança. Não empolga. Não constrói, nem mesmo entre os seus da esquerda.

Hoje começa o caro para os nossos bolsos, chato e medonho horário eleitoral. Ele será capaz de mudar o jogo? Por si só, penso que não e já escrevi sobre isto. Mas, repito: há três candidaturas emboladas, um quarto que ainda não disse a que veio e apenas duas vagas para o segundo turno.

Se há alguma coisa para encafifar os eleitores e eleitoras catarinenses, ela estará nas redes sociais e aplicativos de mensagens, principalmente no seu uso criminoso, maledicente e dissimulado. Valerá a pena arriscar e ser punido lá na frente? Esta é a questão. O outro comportamento influenciador por aqui, talvez, possa estar na disputa dos candidatos a presidente da República. Mesmo assim, só o Sete de Setembro e o acirramento provocador contra o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Alexandre de Moraes, poderá abrir esta brecha. E Alexandre parece que entrou na pilha.

Retomando. O certo é que o líder na pesquisa (23%), governador Carlos Moisés da Silva, Republicanos, está com pouca margem de erro daqui para frente. Vai testar a sua forma municipalista de governar que inventou depois de que salvou de dois impeachments arranjados pelas oligarquias perderam no voto em 2018 e uma CPI criada para holofotes e vinganças dos então adversários quase unânimes que o governador tinha na Assembleia Legislativa.

Serão os prefeitos das poucas grandes – como Blumenau -, e uma maioria de médias e pequenas cidades que poderão dar a proteção para Carlos Moisés estar no segundo turno. O retrato da desta e das pesquisas internas dos próprios candidatos mostram que haverá segundo turno em 30 de outubro.

A alta rejeição (27%) de Carlos Moisés detectada na mesma pesquisa está relacionada ao bolsonarismo. Ele o tem como um traíra. Ou seja, quem deve estar preocupado com isso é o senador Jorginho Mello, PL (16%). Ele não conseguiu capturar isso a seu favor até agora. E por quê? Porque o senador Esperidião Amim Helou Filho, PP (15%) está nadando na mesma faixa conservadora e que Jorginho nunca a foi de verdade. Gean Loureiro, União Brasil, (9%) que não terá Bolsonaro como garoto propaganda porque Jorginho cortou o barato, não deslancha, mas não permite que todos do mesmo espectro ideológico fiquem embolados nesta competição.

O mais fragilizado antes e depois das pesquisas, por erros táticos – como ter um senador que não a alavanca, minimamente – e devido ao radicalismo que o rodeia e se submete, é o senador Jorginho. Corre o sério risco de perder a vaga para o segundo turno para Esperidião. Por enquanto, não há debate e propaganda eleitoral que o salve. Esta foi a parte mais temida da pesquisa que saiu as ruas esta semana e que só cometei hoje.

TRAPICHE

Golpe baixo”. Foi assim que o vice-prefeito de Gaspar e candidato a deputado estadual, Marcelo de Souza Brick, Patriota, reagiu em uma “nota à imprensa” – e eu não sou da imprensa – ao pedido de impugnação da sua candidatura a deputado estadual feito por um advogado de Blumenau no Tribunal Regional Eleitoral. Ele estava filiado ao PSD e mudou de partido para concorrer, com mais chances por falta de votos no PSD, segundo ele mesmo vem declarando durante a campanha.

O certo, é que com a “nota” que não esclarece nada, o candidato Marcelo acusou o revés. E matreiramente, aproveitou para se transformou numa vítima. Na “nota”, Marcelo não disse quem supostamente estaria praticando este tal “golpe baixo” contra ele. Por outro lado, os mais os próximos a Marcelo, dizem ter este assunto o abalou de verdade. Tanto, que contratou uma banca forte de advogados de Florianópolis, especializada na área eleitoral, para defendê-lo. A decisão preliminar sai logo no início da semana que vem.

Marcelo e sua turma choram, mas eles deixaram dúvidas. Há um comportamento. Primeiro, o diretório do Patriota está desativado em Gaspar e seria normal estar funcionando e o Marcelo tê-lo sob controle. Segundo o prazo para mudar de partido era dia dois de abril. Marcelo só comunicou isso ao TRE no prazo fatal dia 12 de abril. E pressionado por aqui, Marcelo e os seus abriram o jogo sobre a jogada que concretizaram dias depois disso.

Acenderam, com isso, naturalmente, a luz amarela e consequentemente ficaram expostos às dúvidas pela falta de transparência deles próprios neste assunto que esconderam até o último minuto de todos. Não só dos gasparenses, mas dos que estavam no diretório do PSD de Gaspar. Ou seja, eles próprios provocaram o tal “golpe baixo”, e que na verdade, é um pedido para que tudo seja esclarecido pela falta de iniciativa de quem armou tudo para se dar bem.

Esse meio político não é feito de santos, mas de grossos interesses de poder, permeados com vaidades pessoais. Marcelo não é nenhum ingênuo, pois apesar de jovem, é um político profissional. Se elegeu uma única vez. Começou e passou a sua vida em gabinetes como comissionado. Então o tal” jogo baixo” está dentro do ambiente da disputa política, de espaços de poder e ao lado do próprio candidato. Marcelo sabe disso. E foi Marcelo quem deu lenha para esta fogueira arder contra ele mesmo.

Entre elas, está a do Marcelo aparecer numa ata da reunião do diretório do PSD de Gaspar depois do dia dois de abril, como se presidente ainda fosse do PSD de Gasparf e não um integrante do Patriota. Nesta ata, a primeira coisa que deveria estar lá com toda a clareza, era a sua saída da presidência do partido de Gaspar. Mas, não estava. Ao contrário.

E para ampliar ainda mais as dúvidas, sem a citação da exclusão do Marcelo do partido, sem nada dizendo que o diretório estava nas mãos do vice Rogério Olinger, o qual deveria ter praticado atos de desfiliação, sem nenhum documento de vacância, a ata mostra o que o PSD sob o comando de Marcelo estava fazendo em Gaspar e como estava se alinhando nos apoios eleitorais para deputado Federal.

Pior, a nova comissão provisória do PSD de Gaspar só foi constituída agora em junho, com o vereador e amigo de Marcelo, Giovano Borges, presidente, e o vice é o pau para todas as obras de Marcelo, Paulo Alfonso Wandalen. Giovâno é aquele que já saiu de mentirinha do PSD e foi para PSB ser vice de Marcelo na corrida pela prefeitura de Gaspar, mas voltou para o PSD depois de perderem das eleições.

Para os entendidos nesta área, Marcelo ia bem, estava driblando as desconfianças entre o prazo fatal do dia dois de abril e a comunicação oficial do dia 12, até surgir esta ata do PSD mostrando que ele estava na ativa no suposto ex-partido dando as cartas, inclusive com quem se aliar.

E se houver provas testemunhais destes episódios, ele vai para o saco. É o que Marcelo mais teme. Se teme não se trata de um “golpe baixo” de adversários, mas de uma manobra mal-feita, mal amarrada, arriscada, que não deu certo no limite e por detalhes. Em 2016 candidato a prefeito, Marcelo avançava em quem apontava a separação da ex-esposa. O dia da apuração foi um alívio. Não precisava mais negar o que toda a cidade sabia em detalhes.

Na nota, Marcelo acentua que “me filiei ao Patriotas dentro do prazo exigido pela lei e simplesmente participei de uma reunião do meu partido anterior, o PSD. Tudo de forma legal e ética, como são todos os meus atos como homem público”.

Enquanto Marcelo se estrebucha em explicações e documentações para provar que está certo, os outros dois candidatos por Gaspar, Mara Lúcia Xavier da Costa dos Santos, PP, e Pedro Celso Zuchi, PT, receberam o sinal verde do Tribunal no registro das suas candidaturas a deputado estadual. A diferença? É que o PP e o PT são partidos que cuidam dos detalhes para que não haja nenhum “golpe baixo” do fogo amigo e dos supostos adversários. Acorda, Gaspar!

Sobre a entrevista do candidato Luiz Inácio Lula da Silva, PT, ao Jornal Nacional há muito xororô da militância adversária. Lula apenas deu uma aula de comunicação e oportunismo. Ciro Gomes, PDT, já tinha ensaiado e enveredado pelo mesmo caminho. Surpreendeu. Jair Messias Bolsonaro, PL, acostumado a provocar e arrumar brigas em qualquer coisa, negando-se a ser orientado por quem entende do assunto, ficou refém do seu próprio estilo. Como não brigou, também não apareceu, não causou, não gerou memes e audiência posterior.

E se não for aos debates para animar os seus como mandou avisar, vai ficar fora do card principal desta luta e poderá até ser no primeiro round. É realidade, e não torcida. É técnico. A diferença é abissal.

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4 comentários em “A PESQUISA IPEC/NSC NÃO SURPREENDEU NINGUÉM. A PROPAGANDA OBRIGATÓRIA REVERTERÁ AS EXPECTATIVAS MARQUETEIRAS?”

  1. LULA USA TOM AGRESSIVO NO JN E SEGUE COM BOLAS DE FERRO DA CORRUPÇÃO, por Elio Gaspari, nos jornais Folha de S. Paulo e O Globo

    As regras das entrevistas ao Jornal Nacional não permitem que a fala dos candidatos venha pela voz de um dublador, mas ele teria ajudado a Lula. O candidato que disse ser necessário “pacificar este país”, que política “se faz conversando” e que “adversário não é inimigo” temperou suas respostas com um tom agressivo, algumas oitavas acima do que pede um estúdio.

    Ecoava mais o líder sindical falando no estádio de Vila Euclides no milênio passado do que o Lula presidente de 2003 a 2010.

    Lula resolveu seguir na campanha carregando as bolas de ferro da corrupção instalada no seu governo. Primeiro a do mensalão, depois a sua responsabilidade, ainda que indireta, nas propinas cobradas em obras públicas, sobretudo na Petrobras.

    Erros (“equívocos”, nas suas palavras) quem cometeu foi a sucessora, Dilma Rousseff. Logo ela, que tentou limpar a Petrobras e não conseguiu. Ele, repetiu, foi considerado o melhor presidente que o país já teve.

    Nos primeiros meses de seu mandato, áulicos atribuíam aos seus poderes a remissão do câncer de um amigo. O perigo mora na possibilidade de ele acreditar nisso, mesmo sabendo que o amigo morreu meses depois.

    Lula mostrou-se disposto a reverter o rumo da economia e repetiu uma receita que já deu errado.

    A estridência do candidato estragou a resposta em que tratou do agronegócio. A aliança de Bolsonaro com os agrotrogloditas só trouxe constrangimento para os agroempresários.

    Ele diz a verdade quando afirma que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra de hoje é outro. Isso, contudo, não é apanágio dos governos petistas. Já não corresponde aos fatos a afirmação de que o MST só invadia terras improdutivas. Invasores cobravam até resgate para não ocupar fazendas vizinhas.

    As bolas de ferro da corrupção continuam presas aos tornozelos de Lula e serão sentidas durante os debates. Sergio Moro foi um juiz parcial, o Ministério Público fez barbaridades e os delatores continuam endinheirados. Isso não elimina o fato de que, de dez roubalheiras denunciadas, nove eram reais, bem como a metodologia empregada.

    O sítio de Atibaia, bem como as obras que a Odebrecht fez graciosamente por lá, não apareceu, pelo limite de tempo da entrevista. Aparecerá.

    Faltou a Lula, como faltou a Bolsonaro em maior escala, a grandeza de Juscelino Kubitschek: “Não tenho compromisso com o erro”.

    LULA E A CHINA
    Lula não tem sorte quando fala da China. Ele disse ao JN que “não tem polarização num partido comunista chinês”.

    O Grande Timoneiro Mao Tsé-tung e sua mulher, Jiang Qing, fizeram a Revolução Cultural e encarceraram o presidente comunista Liu Shaoqi, metendo-o numa enxovia, onde morreu em 1969.

    Depois da morte do Timoneiro, em 1976, Madame Mao foi posta na cadeia e condenada à morte. Teve a pena comutada e mudada para prisão perpétua. Enforcou-se num hospital em 1991.

    Em 1989, às vésperas da repressão aos manifestantes da praça da Paz Celestial, o primeiro-ministro Zhao Ziyang foi deposto e acabou em prisão domiciliar. Ralou nesse regime por 15 anos, até sua morte, em 2005.

    HEITOR FERREIRA

    Morreu na quarta-feira (24) Heitor Aquino Ferreira. Vivia num modesto apartamento em Copacabana, fazia traduções e era um senhor de poucas palavras. Havia sido uma das figuras mais poderosas da República e tinha duas paixões: a política e a História. Traduziu “A Revolução dos Bichos”, de George Orwell, e “O Mundo Restaurado”, de Henry Kissinger.

    Foi assistente do general Golbery na criação do Serviço Nacional de Informações e deixou o Exército como capitão. Tornou-se assistente do general Ernesto Geisel na presidência da Petrobras e em 1974 foi para Brasília como seu secretário particular. Em 1979 o presidente João Baptista Figueiredo manteve-o na posição até 1983.

    Na política, Heitor meteu-se nos anos 50 ainda como cadete da Academia Militar das Agulhas Negras. Com a História, estava metido já em 1960, quando acompanhou o candidato Jânio Quadros para uma entrevista à rádio Guaíba, em Porto Alegre. Jânio levava uma cola para a conversa, onde escreveu “energia, transportes, agricultura, crédito” e deixou o papel sobre a mesa. O tenentinho de 25 anos guardou-o.

    Era o início de um monumental trabalho de preservação da memória nacional. Resultaria num diário que soma mais de 1.500 páginas, num arquivo de cerca de 5.000 documentos e centenas de horas com gravações.

    Golbery, que acompanhava a vida dos outros, dizia que não tinha arquivo. Era meia verdade. Ele tinha uma caixa ao lado da mesa, na qual jogava os papéis que passavam por lá. Heitor recolhia as caixas. Geisel também não tinha arquivo, mas Heitor guardava até seus rabiscos.

    Em 1973, com o conhecimento e autorização de Geisel e Golbery, Heitor passou a gravar as conversas que tinham no Rio de Janeiro e também os telefonemas do presidente eleito. Era uma preocupação voltada exclusivamente para a preservação da memória, pois passou-se mais de meio século sem que Heitor jamais abrisse as caixas ou consultasse o material.

    Na política, Heitor foi um soldado da abertura promovida por Geisel. Com Humberto Barreto, o poderoso assessor de imprensa do presidente, combatia a censura. Com Golbery, incentivava Geisel para que demitisse o general Sylvio Frota, ministro do Exército. Incentivava com tanta insistência que numa manhã o presidente atirou-lhe um telefone.

    Coube a Heitor uma ação pitoresca. Em 1977 fez circular uma pergunta na cúpula do Planalto: O que acontecerá se o Ato Institucional nº 5 for revogado? A resposta: Nada. No dia 31 de dezembro de 1978 o AI-5 caducou e nada aconteceu.

    O poder de Heitor Ferreira era tamanho que muitos ministros conversavam com ele forçando o tratamento de “você” e viam-se devolvidos à formalidade do “senhor”.

    Como Humberto Barreto, Heitor deixou o poder recolhendo-se ao silêncio e a uma vida frugal, sem grande patrimônio. Numa de suas crises de saúde, as despesas foram cobertas por Paulo Maluf, cuja candidatura à Presidência apoiou nos anos 80, causando-lhe a saída do governo. Ele, que esteve no SNI em 1964, era vigiado pelo Serviço em 1983.

    A fábrica que produzia figuras como Barreto e Heitor Ferreira não existe mais.

    Em tempo: O signatário teve o privilégio da convivência e da amizade de ambos. Com o consentimento de Golbery, Heitor deu-lhe a guarda de parte de seu arquivo.

    DIPLOMACIA DE GESTO

    Diplomacia se faz também com gestos.

    Portugal emprestou ao governo brasileiro o coração de D. Pedro 1º. Quem trouxe a urna foi o chefe da polícia portuguesa, fardado. Veio acompanhado pelo presidente da Câmara da cidade do Porto, que guarda a peça.

    Sem uma palavra, municipalizou-se o gesto.

  2. URNAS SEM DEUS, por Demétrio Magnoli, geógrafo e sociólogo, no jornal Folha de S. Paulo

    Michelle Bolsonaro proclamou que o Palácio do Planalto era “um lugar consagrado a demônios” e liderou um culto evangélico na sede do governo. Jair, seu marido que ainda finge governar, isentou os pastores de contribuição previdenciária, violando o princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei e inaugurando uma via expressa para negócios camuflados de religião. São atos tão anticonstitucionais quanto pregar o fechamento do STF. Mas funcionam.

    Sondagem do Datafolha confirma a larga dianteira de Bolsonaro entre os eleitores evangélicos. Mesmo na faixa dos mais pobres, o presidente empata com Lula, em resultado contrastante com o do conjunto do eleitorado. A “guerra santa” é o único terreno favorável ao golpista que ocupa o Planalto. Lula, Ciro e Simone Tebet não ousam formular a resposta certa à armadilha político-religiosa.

    Tebet participou da Marcha para Jesus, em São Paulo, veiculando a mensagem de que também caminha com Deus. Lula convocou um pastor evangélico para viajar com ele e produzir conteúdo de campanha destinados a afastar os fiéis da “bolha bolsonarista”. Mais: apesar de criticar a “guerra santa”, proclamou que “Bolsonaro usa Deus e Deus usa o Lula”. A disputa por Deus serve, exclusivamente, para normalizar a cruzada bolsonarista.

    Lula não deixou de defender a laicidade estatal. Explicou que não é “candidato de uma facção religiosa”, rejeitou estabelecer “rivalidade entre as religiões” e enfatizou o lugar da religião “é para cuidar da nossa fé, da nossa espiritualidade, não para fazer política”. Contudo, atestando sua perplexidade diante do tema, insinuou uma crítica descabida aos fiéis: “Quando quero falar com Deus, não preciso ter padre ou pastores; posso me trancar no meu quarto e conversar com Deus quantas horas quiser”.

    Ciro foi à raiz do problema, associando a proteção da liberdade religiosa ao Estado laico e a manipulação da religiosidade ao fundamentalismo autoritário. Mesmo assim, não conseguiu sair da defensiva.

    O artigo 19 da Constituição veda aos governos federal, estaduais ou municipais “estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança”. A determinação dupla está deliberadamente expressa numa única sentença.

    Quando o Estado alia-se a uma denominação religiosa ou igreja, discrimina contra todas as outras, violando a liberdade de religião. É precisamente isto que faz o governo Bolsonaro, sem ser incomodado pelo Ministério Público ou pelo Congresso.

    A política pertence à esfera pública; a religião, à esfera privada. Só o Estado sem religião propicia a liberdade religiosa às mais diversas crenças. Os fiéis de todas as religiões, inclusive evangélicos, são capazes de entender a encruzilhada —com a condição de que os candidatos assumam, nítida e ofensivamente, o discurso da laicidade.

    O tema pode ser abordado na linguagem da religião: “Não tomarás em vão o nome do Senhor, o teu Deus, pois o Senhor não deixará impune quem tomar o seu nome em vão”. Pode, ainda, ser traduzido no idioma da política: todas as igrejas têm os mesmos direitos – e, por isso, o governo está proibido de interferir no domínio da religião. No lugar de marchar em procissões ou participar de cultos, os adversários da “guerra santa” precisariam mobilizar lideranças religiosas para explicar o valor da laicidade estatal.

    A política identitária está na moda, pela direita e pela esquerda. “Evangélico vota em evangélico”; “negro vota em negro” – inexiste diferença de natureza entre a proposição bolsonarista e a racialista. A distinção encontra-se, porém, na eficácia. A bandeira racialista circula numa bolha quase irrelevante de ativistas profissionais. Já o estandarte da “guerra santa” tem impacto nacional. É hora de confrontá-lo.

  3. NÃO SEI SE LULA SERÁ ELEITO, MAS ENTREVISTA JÁ É HISTÓRICA E DIGO POR QUÊ, por Reinaldo Azevedo, no portal UOL

    Goste-se ou não, a verdade é que o ex-presidente Lula fez uma exibição de gala no Jornal Nacional. Foi bem mais do que uma entrevista no que lhe disse respeito: uma exibição de destreza discursiva como raramente vi. E não! William Bonner e Renata Vasconcellos não colaboraram para a performance brilhante do candidato – não como “parceiros”, quero dizer. Fizeram o seu trabalho, com perguntas duras e contraposições que buscavam confrontar o interlocutor com escolhas pregressas e dificuldades futuras se eleito.

    Ocorre que Lula estava preparado e não se deixou acuar em nenhum momento. Ultrapassou com extrema habilidade a bateria lava-jatista. E disse algumas coisas óbvias: houve corrupção. Há confissões e devolução de dinheiro. Lastimou, e também lastimo, que delatores tenham se dado bem e saído com o bolso cheio de grana. Mas ele próprio, hoje livre de processos, e o PT não interferiram nem no MPF ou na PF. Verdade ou mentira? Lamentou os desvios politiqueiros da operação. Sergio Moro virou ministro de Jair Bolsonaro e hoje é candidato a cargo eletivo, junto com Deltan Dallagnol. Acertou ao dizer que países investigam corrupção sem quebrar empresas. Fato? Fato.

    Sem precisar se estender, evidenciava-se um MPF que hoje se subordina aos interesses do Planalto e uma PF que vive sob constante assédio. E não se conta aqui nenhuma novidade. O jornalismo, com efeito, pode virar os seus arquivos do avesso e não encontrará interferência do PT nas investigações. Lula até listou, de cara, medidas que seu partido patrocinou contra a corrupção. Eu, por exemplo, na contramão de quase toda a imprensa, não gosto da Lei da Leniência como está e da Lei das Organizações Criminosas (a das delações) – 12.846 e 12.850, respectivamente. As medidas citadas são verdadeiras

    MENSALÃO E ORÇAMENTO SECRETO
    Quando o mensalão foi levado à mesa, sempre sem defender desmandos, Lula contrapôs o chamado “Orçamento Secreto”. Qualquer pessoa que saiba um tantinho do riscado sabe que o primeiro é folguedo infantil perto do segundo. Nada menos de R$ 16 bilhões neste ano; há R$ 19 bilhões reservados para o ano que vem. Renata chegou a falar nas “moedas de troca” para governar, e o candidato fez um contraponto cirúrgico: “Não é moeda de troca; é usurpação de um Poder”. E emendou que Bolsonaro hoje não governa, tornando-se um “bobo da corte”.

    Na mosca! E governa? Hoje, Ciro Nogueira e Arthur Lira estão mais desesperados do que o próprio Bolsonaro. Governam o Brasil sem precisar vencer eleição. A quem os empresários e banqueiros realmente procuram? Se alguém tem alguma demanda importante que requeira mobilização do governo, tem de falar com quem? Com Bolsonaro? Ele estará muito ocupado a sonhar com golpe de estado, pregando luta armada “em nome da nossa liberdade”. Lira e Nogueira cuidam do cofre.

    Mas Lula é experimentado e sabe que não se governa o país sem o Congresso. Logo, lembrou que é preciso se entender com os partidos. Acertadamente, observou que o Centrão não é um deles. Sim, terá de ser com o tal “presidencialismo de coalizão”. Mas isso não expõe o governo ao risco da corrupção?, quiseram saber. Ora, sendo livre a investigação, toca-se a vida. O que não é possível é governar sem os partidos.

    PGR
    Lula não disse se indicará o futuro procurador-geral da República a partir de uma lista tríplice – COISA QUE A CONSTITUIÇÃO NÃO PREVÊ – ou se apelará a algum outro modelo. E fez muito bem. Como já escrevi aqui, Rodrigo Janot, da lista, jogou o país no buraco. Augusto Aras, fora da lista, aprofunda o desastre. “Males distintos e combinados”. É preciso, disse ele, que seja alguém que respeite as leis e o povo brasileiro.

    Tenho natureza anticorporativista. A ANPR é um sindicato. Um governo não tem de se subordinar a uma entidade sindical de procuradores. De resto, o procurador-geral é chefe do Ministério Público da União, não apenas do MPF. No meu modelo, o PGR não precisa nem mesmo pertencer aos quadros do Ministério Público, a exemplo do que se dá nos Estados Unidos, querida imprensa brasileira. O cargo mais importante da República não pode derivar de uma corporação de ofício. Foi o MPF de Janot que nos jogou num vale de fascistoides ensandecidos. Vamos com calma.

    GOVERNO DILMA
    Lula deixou claro que não joga os seus ao mar. Reconheceu virtudes, mas também erros de condução no governo Dilma e lembrou que, se eleito, é ele quem volta a governar, não a ex-presidente – que, reitero, mereceu tratamento digno. E William Bonner lembrou os números ruins da gestão, que Lula circunstanciou, mas sem bater boca.

    Aliás, note-se que o ex-presidente estava calmo e seguro, com discurso fluente, sem repetir palavras e sem grunhidos de hesitação de quem está à procura do melhor vocábulo. Mostrava-se muito seguro no papel e, como se costuma dizer, “muito presidencial”, para tristeza, certamente, de muita gente. Conseguiu até expressar uma leitura virtuosa do “nós contra eles”, apelando, como já fez outras vezes, ao jogo de futebol.

    Em mais um acerto, disse que o Brasil era melhor, no que respeita aos embates ideológicos, quando PT e PSDB pareciam ser os, agora digo eu, “extremos possíveis”. Mas, por óbvio, as coisas não são assim hoje em dia. Tenho respeito por aqueles que não jogam os seus ao mar diante da primeira dificuldade ou da primeira oportunidade. De resto, Dilma sofreu um processo de impeachment sem que pese contra ela nem suspeita remota de corrupção. E caiu pelas mãos dos que engendraram o Orçamento Secreto de R$ 19 bilhões.

    HUMOR
    Se Lula guarda algum rancor, então esconde muito bem. Calmo, sereno, tranquilo. E se sabe que comeu o pão que o diabo amassou. Alguns acham que isso é coisa corriqueira. Penso que não. Lembro das perdas que sofreu desde que caiu em desgraça e acho que é preciso ter uma têmpera especial para suportar tantos desaires, incluindo 580 dias na cadeia, numa condenação sem provas, arquitetada por alguém que agora implora migalhas de atenção da “reacionaria” bolsonarista. Em nenhum momento se deixou desestabilizar. Equilíbrio emocional é importante a um político. Alguém viu ali o líder que estaria disposto a mandar os empresários para a guilhotina, como Ciro Nogueira, o dono do centrão, tenta vender por aí? É claro que não. É que Nogueira não quer perder o comando do governo, cargo para o qual não foi eleito por ninguém.

    Coube, aliás, ao próprio Lula desarmar uma arapuca óbvia: ao exaltar a divergência e a pluralidade, não precisou que outros citassem. Ele próprio deu como exemplos de monolitos incompatíveis com a democracia o PC Chinês e o PC Cubano. A partir dali, estava pronto para responder à questão da pluralidade e da democracia.

    E, no acerto dos acertos, deixou claro que, se eleito, tocará o governo em parceria com Geraldo Alckmin, exaltado mais de uma vez ao longo da entrevista. “É mentira! Lula está enganando você. Ele fala do Alckmin para parecer um social-democrata, mas é um comunista carnívoro…” É mesmo, Ciro Nogueira?

    Se um dia a social-democracia, com esse nome, vier a tomar corpo no Brasil, que tenha o discurso de Lula. Se eleito e se fizer porcaria, que arque com as consequências que isso pode ter num regime democrático. Repudio é gente que apela às armas para silenciar ou resolver as divergências.

    Pior: os bolsonaristas nem poderão dizer que William Bonner e Renata Vasconcellos foram “bonzinhos” com o petista. Não foram, não! Mas é a velha história: uma entrevista é obra de quem pergunta, claro!, mas é sobretudo o produto de quem responde.

    Lula não foi ao Jornal Nacional para que seus seguidores produzissem memes. Foi porque quer a Presidência da República.

  4. Miguel José Teixeira

    Bingo!
    “Lula apenas deu uma aula de comunicação e oportunismo.”
    Interpretou bem o seu papel de “mentiroso”.
    Jogou bem com as palavras e como disse Caetano:
    “Foi arrebatador”!
    Acho melhor o “pentiunvirato bolsonaro” ir preparando as malas. . .

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