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POR QUE ESQUERDISTAS APOIAM PUTIN? (*)

(*) Lygia Maria, mestre em Jornalismo pela Universidade Federal de Santa Catarina e doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, originalmente publicado no jornal Folha de S. Paulo

A Rússia invadiu a Ucrânia e, por aqui, vimos a teoria da ferradura em ação: bolsonaristas e parte da esquerda defendendo o ataque covarde a um país soberano. A defesa se faz a partir da seguinte justificativa: a Ucrânia estava prestes a se juntar à Otan e a Otan ameaça a segurança da Rússia. Porém a Ucrânia é um país livre, soberano e tem o direito de fazer as coalizações políticas, econômicas e militares que deseja. Então, como a esquerda —que se orgulha de estar do lado do bem, a favor dos desvalidos e da liberdade— pode apoiar esse tipo opressão?

Tudo começa lá em Rousseau, que inventa um conceito paradoxal e perigoso de liberdade. Para ele, o homem é um ser livre e racional; é da sua natureza. O problema começa quando indivíduos resolvem pensar livremente e querer o contrário do que Rousseau, ou qualquer outro ideólogo, quer. O indivíduo que vai contra o que o povo (a “vontade geral”) quer não está sendo racional nem livre; está pensando errado, desejando algo que é ruim para si, e o homem não é livre para ser irracional nem para se escravizar porque isso atenta contra a natureza humana. Logo, a solução irracional de Rousseau é: devemos obrigar o indivíduo a ser livre. Está lá, com todas as letras, em “O Contrato Social”: “quem se recusar a obedecer à vontade geral será obrigado a fazê-lo por todo o corpo: o que não significa outra coisa senão que ele será forçado a ser livre”.

“Nós, a militância, sabemos o que é melhor para você mais do que você mesmo.” Essa postura de parte da esquerda vale tanto para o pobre que, nas eleições, vota em políticos de direita, quanto para a Ucrânia, que não sabe que a Otan representa o Ocidente capitalista malvado. Ambos são alienados que precisam ser salvos, que precisam ser forçados à liberdade. Ou seja, são objetos. Desde a Revolução Francesa, todos os regimes totalitários, de esquerda e de direita, usaram essa noção paradoxal de liberdade e é a partir dela que reacionários e ditos progressistas se abraçam.

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