O que deu entrada na Câmara de Vereadores de Gaspar? Um Projeto de Emenda à Lei Orgânica do Município combinado com um Decreto de Resolução do Legislativo. Um é tão raro, que recebeu o número 1/2024, o outro de 3/3024 quando já estamos caminhando para o final do ano. Resumindo: o que quer este PE à LOM e DL? Acabar com o voto secreto dos vereadores para cassar ou punir o prefeito ou o vice (caso da PE à LOM) ou livrar eles próprios do voto secreto em caso de pedidos cassação de mandato, ou qualquer tipo de punição, por alegada falta de decoro parlamentar.
Nada contra a iniciativa dos vereadores Alexsandro Burnier, PL; Dionísio Luiz Bertoldi, PT; Ciro André Quintino, MDB; Cleverson Ferreira dos Santos, PP; Francisco Hostins Junior, PL e da atual própria mesa da Câmara que referendou Decreto Legislativo. Ao contrário, penso. Louvável. Finalmente, depois de anos de escuridão, os políticos resolveram colocar luz em algo que não é mais admissível: o voto secreto – para a cidade, os cidadãos e cidadãs – de políticos representantes do povo, neste caso, os vereadores, para punir ou livrar outros políticos – vereadores, prefeito e vice – alvos de vinganças, chantagens, ou levados a acertos no escurinho das negociações de poder político, sem que se tenha uma prestação e debates públicos com quem os elegeu, o povo.
Mas, primeiro a água envenenada precisou chegar ao nariz (a expressão seria outra) dos políticos gasparenses. E então, eles precisaram salvar a sua própria vida política. E começou lá em 2019 com a revisão geral do Regimento Interno da Câmara que acabou com a eleição por voto secreto para a mesa diretora da Câmara de Gaspar. E isto aconteceu só porque dois episódios marcantes, literalmente, deixaram os poderosos de plantão nus, desesperados, derrotados, sem chão nas armações políticas ilimitadas para se manter no poder sem respeitar os seus próprios pares e acordos entre eles próprios. E agora, esta proposta vem a reboque de outra lapada para se estabelecer na vingança rasteira.
O VOTO SECRETO COMO ARMA DE ARMAÇÕES ILIMITADAS
Para recordar à razão da revisão (Decreto Legislativo 3/2019) que acabou com o voto secreto para a eleição da presidência e os demais cargos da mesa diretora da Câmara. Final de 2017, a Câmara se reuniu para eleger a primeira mulher presidente da instituição: Franciele Daiane Back, PSDB – hoje está no MDB. Quem era o cabo eleitoral dela? Indevidamente, o prefeito Kleber Edson Wan Dall, MDB. Esqueceram de combinar com os inimigos. Todos lá. Discursos da vitória prontos. E o resultado veio secretamente: Silvio Cleffi, então no nanico PSC, da base de Kleber, irmão de templo, eleito presidente da Câmara. Foi usado. E pagou caro, ainda mais por ser neófito no assunto e no início do primeiro mandato.
Todos estupefatos. Chororô. Acusações. E começava ali dois fatos: a perseguição implacável do poder de plantão a Silvio Cleffi e que foi para o ostracismo político no poder que vislumbrou por atalhos que lhe ofereceram – quando o santo é demais … para estar no centro das decisões e a recomposição de forças na Câmara, cuja a oposição sistemática e ferrenha era liderada por Roberto Procópio de Souza, então no PDT e hoje no MDB.
Roberto se tornou da noite para o dia de opositor no mais ferrenho a defensor de Kleber e tudo mudou. E como recompensa foi lhe prometido a presidência da Câmara. Novamente, o voto secreto derrubou o combinado entre os poderosos de plantão. E para que nada mais ficasse pendurado à surpresa do voto secreto, mudou-se, e acertadamente, penso, o Regimento Interno da Câmara para a escolha do presidente e demais membros da mesa diretora.: tudo no voto aberto. A traição, se houver ao acertado, será, ao menos, agora, às claras.
UMA JOGADA DE KLEBER QUE DEU ERRADO, MAS PRODUZIU UM ACERTO FORMAL
E agora esse Decreto Legislativo? Ele foi talhado depois que o secretário de Obras e Serviços Públicos, Douglas Francisco Muller, MDB, pediu à Câmara, a cabeça, ou punição, por suposta falta de decoro parlamentar, do vereador Alexsandro Burnier, PL. Qual o crime dele? Ter exercido, unicamente, à sua prerrogativa constitucional de fiscalizar o Executivo no caso das floreiras e bueiros “inteligentes” – fatos que magicamente sumiram do noticiário local e regional -, governo de Kleber Edson Wan Dall, MDB, e Marcelo de Souza Brick, PP.
Estava claro também que Douglas não fez isso – diante das previsíveis amplas implicações, repercussões políticas e até administrativas, como este Decreto Legislativo – por sua iniciativa sem o aval do governo, afrontando um outro poder, o Legislativo, como se dono dele fosse por ampla maioria que possui via a Bancada do Amém (MDB – com o PSDB e PDT se unindo a este -, PP e PSD).
Ou seja, para finalizar: mais uma vez a água subiu ao nariz dos políticos e eles perceberam o quanto poderiam ser afogados com o votos secretos deles próprios movidos pela indecência, vingança e até onda ideológica, muito comum nos nossos tenebrosos dias de hoje.
E para não parecer um casuísmo, mas é, acrescentaram a Decreto Legislativo a Lei Orgânica do Município para que o mesmo voto secreto fosse extirpado na Câmara quando do julgamento de pedidos de cassação ou impeachment do prefeito, ou do vice, ou de ambos. Uma boa medida também num ambiente de pouca transparência que ainda é o Executivo Municipal. A Câmara, pelo menos, sob ameaça de afogamento de seus membros, tomou o melhor caminho para a sociedade como um todo. É a comunidade que sustenta tudo isso com seus pesados impostos e votos. Muda, Gaspar.
TRAPICHE
Em menos de três semanas cinco pesquisas na praça. Ninguém mais aguenta respondê-las em Gaspar. Primeiro foi a do jornal Cruzeiro do Vale. Depois a do PT. Esta semana, um congestionamento: a do PP, a do PL – outra vez – e a do Republicanos.
Amanhã (sábado) às 15h15, os celulares dos que estiverem em Gaspar, vão tocar. É um simulado – para avaliação de um projeto piloto de alertas de catástrofes – da Defesa Civil Nacional. Só dez cidades serão testadas no Brasil e Gaspar está entre elas. Talvez acorde o titular da pasta, o ex-motorista do prefeito daqui. Em Blumenau, a outra cidade catarinense, com uma infraestrutura exemplar para o país na área de Defesa Civil, será as 15h10min.
Sobre a ausência do governador Jorginho Melo, PL, na solenidade de “inauguração” do trecho alternativo da BR-101 para se sair do sufoco de mobilidade desta rodovia na Grande Florianópolis. Primeiro esta abertura dela não foi na agenda das obras e das necessidades dos usuários, mas na disponibilidade de tempo da agenda política do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, PT. Jorginho alega outra agenda. Hum! Penso que um estadista não foge da raia, mesmo em época de eleições polarizadas. Um estadista tem vida própria.
Segundo. Estão “inaugurando” algo que está atrasado quase uma década e os políticos gozando com o pau dos outros, mais uma vez. Quem pagou esta obra? Se tiver recursos federais, fomos todos nós com pesados impostos. E estão faturando politicamente para pessoas, candidatos e partidos em época de eleições. De verdade? Quem pagou este contorno foram todos os motoristas – muitos nem usam o trecho de Florianópolis – que passaram e passam pelas praças de pedágios da BR-101, no trecho norte (Arteris Litoral Sul), via aumento do valor do pedágio, feito para exatamente custear esta obra. Nem mais. Nem menos.
Mera coincidência I – O ex-prefeito Adilson Luiz Schmitt (2005/2009) queria voltar à política e ser vereador. Articulou o Republicanos por aqui. O PL foi lá – principalmente na relação que o presidente do PL ,Bernardo Leonardo Spengler Filho, nascido no MDB, o ex-partido de Adilson, tem com o ex-prefeito, e o convenceu a ser um deles dentro do PL gasparense.
Mera coincidência II – Justamente pouquísssimos dias depois em que Adilson Luiz Schmitt fez o lançamento formal da sua pré-candidatura, também anunciou a desistência dela. Não conseguiu, segundo ele, suportar as pressões para esta desistência. No PL um silêncio só, tanto dos candidatos a prefeito e vice, bem como o seu próprio presidente. Como não pegou bem; como Adilson não foi à convenção, logo em seguida rodou nas redes sociais uma foto em que todos diziam estar se “amando”. Marketing de correção e mitigação de danos. O estrago já estava na praça.
Mera coincidência III- Para o lugar de Adilson Luiz Schmitt, o PL escolheu Paulo Fillipus, que como presidente do falecido DEM de Gaspar, em segundos, defenestrou o ex-prefeito do partido onde pretendia concorrer a vereador nas eleições de 2020. Nesta semana, o PL de Gaspar anunciou o militante roxo do MDB, Haroldo Medeiros, o Suca como mais novo candidato. Ele entra no lugar de Maria Eduarda Bornhausen, que liderava o PL Jovem em Gaspar.
Mera coincidência IV – Haroldo Medeiros – o que Adilson Luiz Schmitt o acusa por sua desistência – diz que atendeu a um pedido pessoal do candidato a prefeito, Paulo Norberto Koerich e do presidente do partido, Bernardo Leonardo Spengler Filho, os quais, segundo ele alega, precisam de gente de confiança e votos. Três fatos neste ato. O primeiro uma mulher a menos na nominata do PL; um jovem a menos para a renovação da política gasparense. Segundo, está claro, os laços de família nesta escolha. Terceiro, o PL de Gaspar tem a cabeça de campanha o PP – que tem candidato em outra chapa – e agora fica-se sabendo que possui o velho MDB como seus políticos de confiança.
A vida política como ela é em Gaspar. A sessão de terça-feira passada ia como está indo em tempos de ausências depois das votações deliberativas. A vereadora Mara Lúcia Xavier da Costa dos Santos, PP, da Bancada do Amém, foi a tribuna pedir mais atenção da Assistência Social – tocada pelo seu PP, vejam só – para ampliar as visitas domiciliares aos acamados. Mara tem foco na saúde pública de onde é oriunda. Ela tenta a reeleição e está com os ouvidos queimando nas andanças que faz.
Foi quando o presidente da Casa, o mais longevo dos vereadores, experiente, e talvez salvando a sua pele na sua reeleição, José Hilário Melato, PP, observou: “vereadora, mas nós aqui aprovamos a redução da carga horária dos assistentes sociais…”. Mara Lúcia Xavier da Costa dos Santos, PP, foi uma das fervorosas defensoras deste projeto de lei e votou a favor dele. Melato, como presidente não votou. Só vota em caso de empate. Muda, Gaspar!
Uma cidade sem memória. Mais, um Projeto de Lei passou na Câmara para colocar mais um nome de um gasparense nato ao monumento dos Pracinhas da FEB. Não há certeza que será o último.
O vereador Ciro André Quintino, MDB, vai bater outro recorde: o de sair mais cedo da única sessão ordinária semanal da Câmara de Vereadores.
11 comentários em “QUANDO A ÁGUA BATE NO NARIZ, A ESPERTEZA DOS POLÍTICOS DE GASPAR DRENA AQUILO QUE USARAM PARA TRAIR, AFOGAR ADVERSÁRIOS E ASSIM CONTINUAREM A RESPIRAR PARA ESTAR PERMANENTEMENTE NO PODER”
LULA 3.0 BLOQUEIA DADOS DE PESQUISAS, por Elio Gaspari, nos jornais O Globo e Folha de S. Paulo
O repórter Mateus Vargas revelou que o governo decidiu impor pelo menos dois anos de sigilo para os resultados de 33 pesquisas que custaram à Viúva R$ 13 milhões. Alguns desses levantamentos foram realizados no governo de Bolsonaro.
Segundo a Secretaria de Comunicação do Planalto, o conhecimento dos resultados dessas pesquisas pode “trazer maiores prejuízos à sociedade do que os benefícios de sua divulgação”. Diante de um recurso da “Folha de S. Paulo”, a Controladoria-Geral da União, entrou na questão e defendeu o sigilo:
“A sua disponibilização possui o potencial de trazer à tona informações distorcidas referentes a uma política pública a ser implantada, frustrar expectativas e gerar a propagação de informações equivocadas.”
Sabe-se que algumas dessas pesquisas referiam-se às falas de Lula sobre a guerra de Gaza e sobre as ações do governo contra o crime organizado.
O governo que atacava os sigilos impostos por Bolsonaro, bloqueia o conhecimento de simples pesquisas de opinião. Nada a ver com o segredo sobre ações sigilosas.
Tudo coisa de burocrata onipotente, pois o embargo incluiu até o preço do serviço, disponível em outra base de dados.
Essa espécie de funcionário que se investe de poderes para decidir o que a população deve saber é imortal. Em 1974, durante a ditadura, ele tentava bloquear notícias sobre a epidemia de meningite que assolava São Paulo. Meses depois, o governo tomou uma surra eleitoral, e o embargo foi um dos fatores da derrota.
Além de imortal, ele é universal. Em 1945, o governo americano bloqueava qualquer notícia relacionada ao seu projeto de fabricação de uma bomba atômica. Estava certo, mas na manhã do dia 6 de agosto, um general impediu que um repórter divulgasse a explosão da bomba sobre a cidade japonesa de Hiroshima, ocorrida horas antes. Vá lá, o general queria esperar para que o presidente Harry Truman anunciasse o feito. Na outra ponta, o governo japonês minimizava o estrago.
No Japão, fotografias de Hiroshima só foram publicadas em 1952.
O povo americano sempre soube o que aconteceu em Hiroshima, mas um quadro completo só veio à luz quando o repórter John Hersey publicou sua reportagem na revista New Yorker, um ano depois.
O general que havia bloqueado a notícia da explosão de 1945 foi ouvido informalmente pela revista e liberou o texto de Hersey.
O sigilo imposto pela Secom e pela AGU às 33 pesquisas seria levantado daqui a dois anos, quando tiver terminado o governo de Lula. Pura censura de conveniência.
A LIÇÃO DE ZAPPA
De uma hora para outra o governo brasileiro viu-se metido em duas saias-justas na América Latina. Um com o governo bolivariano da Venezuela. Outra, que tem cheiro de operação casada, com a ditadura sandinista da Nicarágua, que expulsou o embaixador Breno de Souza da Costa.
A tendência de governos esquerdistas para arrumar brigas com eventuais aliados é histórica. Nos primeiros anos da revolução cubana, Fidel Castro encrencava com o democrata Rômulo Betancourt, da Venezuela.
O piti do ditador Daniel Ortega, pode ser ignorado, pois as relações com a Nicarágua são desprezíveis. Já com a Venezuela há interesses em jogo e entendimentos passados.
Nicolás Maduro joga com o fator tempo e até agora prevaleceu. O pior que pode acontecer ao Brasil é entrar num jogo de perde-ganha, no qual sua diplomacia sairá derrotada se o ditador venezuelano continuar na cadeira.
Vale a pena lembrar uma lição do embaixador Ítalo Zappa (1926-1997). Ele era chefe de gabinete do chanceler e, diante de uma controvérsia diplomática, perguntaram-lhe: “Quem ganhou?”
Zappa respondeu: “Ganhar ou perder é coisa do prédio ao lado. (Naquele tempo, o Itamaraty funcionava ao lado do Ministério do Exército.) Diplomata é um funcionário encarregado de defender os interesses do Estado. Quando ele faz isso, nada lhe custa dizer que perdeu. Não se incomoda se a outra parte, tendo cedido, diz-se vitoriosa. Nossa profissão é trazer para casa o interesse nacional. Ganhar ou perder, nas relações internacionais, não é coisa de diplomatas.”
Em 1903, quando o Barão do Rio Branco negociou com a Bolívia a anexação do Acre, Rui Barbosa o acusou de ter cedido demais.
Rio Branco ficou calado.
FRANCIS E ORTEGA
A cada passo do nicaraguense Daniel Ortega transformando-se num ditador de caricatura, cresce a admiração pela implicância intuitiva do jornalista Paulo Francis (1930-1997).
Ele começou a aporrinhar Ortega quando o chefe sandinista foi a Nova York, entrou numa loja chique e comprou um par de óculos de grife.
À época, Ortega era um queridinho dos viúvos do Che Guevara.
RODRIGO ÁVILA CANTOU A PEDRA
A polícia do Maranhão encontrou R$ 1,1 milhão no carro de um ex-servidor da prefeitura de São Luís. Tanto o dono do carro quanto o cidadão que o dirigia (outro ex-servidor) negam que o dinheiro lhes pertença.
Nada de novo sob o céu de anil. Em 1969, um comando da Vanguarda Popular Revolucionária roubou um cofre guardado na casa da namorada ao ex-governador paulista Adhemar (“Rouba mas faz”) de Barros. A senhora disse que o cofre estava vazio. Arrombado, dele saíram US$ 2,5 milhões (mais de 20 milhões em dinheiro de hoje).
A canção “Desde a época de Cabral”, de Rodrigo Avila, poderia servir de fundo musical para o trabalho dos investigadores:
“Desde a época de Cabral corrupção era normal/Mas eu sei, que o tempo já passou/Também sei, que nada mudou.”
A PF SE METEU NA BRIGA DOSD PRESENTES
O diretor da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, perdeu uma excelente oportunidade de ficar calado. Ele emitiu uma nota dizendo que o caso das joias sauditas de Bolsonaro continuará a ser investigado, a despeito da decisão do Tribunal de Contas liberando o relógio Cartier de Lula
Misturar os dois casos é comparar girafa com alface, mas não compete à Polícia Federal brandir ameaçadoramente com o prosseguimento de inquéritos. A PF investiga e encaminha suas conclusões à Justiça, se possível, em silêncio.
Polícia Federal amiga do Planalto era coisa de Bolsonaro, que defenestrou o ministro Sergio Moro para influir na sua superintendência do Rio de Janeiro.
TRUMP X KAMALA
Dia 10 de setembro haverá de ter uma noite de emoções olímpicas com o debate entre Kamala Harris e Donald Trump.
O ex-presidente saiu-se razoavelmente debatendo com Joe Biden em 2020 e preveleceu em 2016 debatendo com Hillary Clinton.
Biden é um sujeito de bons modos e Hillary é um produto da elite americana. Foi de Yale para o grupo de assessores da promotoria no Caso Watergate, que resultou na renúncia do presidente Richard Nixon. Tornou-se mulher do governador do Arkansas e presidente dos Estados Unidos por oito anos. Voltando ao governo, foi secretária de Estado.
Era uma flor do andar de cima. Já Trump, é um espertalhão educado nas mutretas do mercado imobiliário de Nova York. Um milionário vira-lata.
Kamala Harris é uma ex-promotora, habituada a lidar com delinquentes. Com a caneta na mão, foi um mastim. A ver.
PREJUÍZO “ABRASILEIRADO”, editorial do jornal O Estado de S. Paulo
O prejuízo de R$ 2,6 bilhões da Petrobras no segundo trimestre do ano, uma surpresa para todo o mercado financeiro, que projetava lucro – menor do que o de períodos anteriores, mas ainda assim lucro –, foi classificado pela empresa como um resultado “associado a itens não recorrentes”. O que pesou foram os efeitos da intensa variação cambial no período e o acordo bilionário fechado com o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), o tribunal de recursos para punições aplicadas pela Receita Federal.
Ambos os motivos remetem, sem muito esforço, a ações do governo Lula da Silva sobre a empresa. A desvalorização do real, que, entre abril e junho, bateu nos 11,2%, seria suficiente para justificar – tanto pelo nível de oscilação quanto pelo tempo – aumento de preços na fonte de receitas da empresa, os combustíveis. Mas, sob a amarra do governo contra o impopular aumento, a Petrobras esticou o prazo o quanto pôde e somente em julho entregou os pontos e reajustou a gasolina e o gás de cozinha.
Desde que decidiu, em março do ano passado, deixar de seguir a paridade com os preços internacionais, obedecendo a uma ordem de Lula para “abrasileirar” o preço dos combustíveis, a política de preços da Petrobras ficou menos previsível e coerente. Se antes era difícil presumir, por exemplo, o espaço de tempo fixado pela empresa para seguir os novos valores do petróleo e derivados no mercado internacional, a decisão passou a ser totalmente arbitrária.
A variação do câmbio, porém, traz custos impossíveis de serem ignorados, a não ser no universo lulopetista, que vive a ilusão do país autossuficiente, que desdenha do cenário externo. O resultado está aí, com o “abrasileiramento” de um balanço que desde 2020, no período danoso da epidemia de covid, não registrava prejuízo.
Em relação ao acordo no Carf, que garantiu ao Tesouro o pagamento de R$ 19,8 bilhões pela Petrobras para encerrar processos administrativos e fiscais, a empresa atendeu aos apelos do governo para ajudar a melhorar as contas públicas no ano. E foi chamada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de exemplo a ser seguido. Quando a companhia fechou o acordo, em junho, a Receita havia informado que não registrara a adesão de nenhum contribuinte ao programa, uma das principais apostas de aumento de arrecadação para este ano.
Mas a Petrobras fez a sua parte, mesmo à custa de passar o balanço de azul para vermelho. Para acalmar o mercado, anunciou – sob protestos da poderosa FUP, a federação sindical que recobrou voz de comando sob a gestão lulopetista – a distribuição de dividendos, usando parte da reserva formada com os dividendos extraordinários do ano passado, que o governo reteve. Em comunicado, a FUP reclama que é preciso decidir se a Petrobras vai usar a “renda petroleira” para investimentos ou para pagar dividendos a acionistas “sobretudo privados e internacionais”, propositalmente desconsiderando que a maior fatia vai para o próprio Tesouro. A relação da estatal com seus investidores privados nunca esteve tão esgarçada, o que prejudica sobremaneira a empresa.
O NAMORO DE LULA COM O AUTORITARISMO, por Lourival Sant’Anna, no jornal O Estado de S. Paulo
A crise entre Brasil e Nicarágua revelou o tamanho da resistência do presidente Lula em se distanciar dos regimes ditatoriais de esquerda que ele apoia há duas décadas. Só um pedido irrecusável, do papa Francisco, pôde mover a balança do governo em favor da democracia, em detrimento das afinidades ideológicas. Ainda assim, com muita hesitação.
O embaixador do Brasil em Manágua, Breno Costa, não compareceu à comemoração, no dia 19 de julho, do 45.º aniversário da Revolução Sandinista, liderada pelo ditador Daniel Ortega. Foi avisado de que seria expulso. Em vez de vir logo embora, como faria o funcionário de uma diplomacia “ativa e altiva”, esperou duas semanas, até a expulsão ser consumada.
Só então, a contragosto, Lula se viu forçado a expulsar a embaixadora nicaraguense, Fulvia Castro, que logicamente já havia voltado para Manágua. Para deixar claro que o Brasil não se opõe ao regime, o ministro da Casa Civil, Rui Costa, explicou que a expulsão seguiu o princípio da reciprocidade.
Ou seja: ditadores, não se preocupem com o Brasil. O governo se acostumou a ser humilhado por países pequenos, que não reconhecem sua liderança. Uruguai e Chile, por exemplo, governados respectivamente por presidentes de direita e de esquerda, denunciaram a fraude na eleição venezuelana, enquanto Lula busca uma saída honrosa para Nicolás Maduro.
A ausência do embaixador brasileiro decorreu de decisão do governo de esfriar as relações com o regime sandinista. Isso, depois que o papa Francisco pediu a Lula, em junho do ano passado, que convencesse Ortega a libertar o bispo Rolando Álvarez. Preso desde 2022, ele havia se recusado a embarcar para os EUA com outros 222 presos políticos.
DESAFIO. Confinado numa solitária sem ventilação, apelidada de “Inferninho”, na penitenciária de segurança máxima La Modelo, Álvarez foi condenado a 26 anos de prisão por “desprezo às instituições e espalhar notícias falsas”. O Vaticano fez gestões para que o bispo, junto com outros 18 religiosos, fossem desterrados para Roma, o que acabou acontecendo em janeiro.
A Igreja Católica nicara-guense está engajada na luta pelos direitos humanos. Mas a conduta do regime expôs as contradições de Lula. Católico, ele surgiu como líder sindical na luta contra a ditadura militar, na qual a Igreja teve papel fundamental.
Hoje, Lula fecha os olhos para a opressão. Ele continua apegado aos populistas de esquerda, que chegaram ao poder pela via democrática e capturaram o Estado para se perpetuarem no poder, com apoio do presidente brasileiro. Agora, ele é obrigado a escolher entre seus compromissos históricos com o populismo autoritário ou com a democracia.
UMA PRAIA PARA MADURO, por Carlos Alberto Sardenberg, no jornal O Globo
Da revista The Economist: “O mundo tem uma última coisa a oferecer: uma saída segura para Maduro e seus camaradas mais próximos, proporcionando-lhes uma vida confortável numa praia brasileira ou caribenha, possivelmente com imunidade a processos judiciais. Isso revoltaria aqueles que querem ver Maduro enfrentar a Justiça em Haia. Mas é um preço que vale a pena pagar para evitar derramamento de sangue e começar a reconstruir a Venezuela”.
A sugestão aparece em texto desta semana. É uma saída, mas, claro, exige um tremendo arranjo diplomático. Brasil, México e Colômbia, que já se candidataram ao papel de mediadores, poderiam trabalhar nisso.
Exige também uma forte pressão sobre Maduro — e aqui reside a questão central: o governo Lula teria disposição, primeiro, e condições, depois, de exercer essa pressão?
E por falar nisso, como se pratica esse tipo de pressão?
No mundo de antigamente, a ameaça militar estaria na mesa. Melhor dizendo, ameaça de golpe interno, mas promovido, apoiado e financiado de fora. Já aconteceu tantas vezes na América Latina, não é mesmo?
Ninguém topa isso no Ocidente de hoje. Ainda bem.
Sobra, portanto, a pressão econômica, que já tem sido praticada, mas moderadamente. Primeiro, porque muitos países, incluindo os Estados Unidos, precisam do petróleo venezuelano. E segundo porque um boicote total — cortando investimentos, financiamentos, toda exportação de bens para o país e a importação de seu petróleo — imporia um enorme sacrifício a uma população já sofrida e que já se manifestou contra Maduro.
A Venezuela de hoje tem apoio de Rússia e China, que já substituem em parte o que é negado, por exemplo, por Estados Unidos e União Europeia. Trata-se, porém, de um quebra-galho. Pela distância em relação às potências amigas e pela menor capacidade econômica destas.
Por outro lado, a Venezuela mantém, sem problemas, comércio e negócios com Brasil, Colômbia, México e outros vizinhos desta região. Em tese, a situação daria algum poder de persuasão a esses países.
O Brasil de Lula, por exemplo, sempre se opôs às pressões econômicos e sempre defendeu Chávez e Maduro. E se o governo brasileiro dissesse agora que estava retirando esse apoio, isso numa articulação com os demais países latino-americanos?
O ponto é o seguinte: Maduro só largará o osso se perceber que ficará tão isolado a ponto de isso inviabilizar seu regime e, pois, sua roubalheira. Ou se perceber que corre o risco de ser traído pelos seus camaradas, também estes temendo o isolamento internacional.
Lula toparia aplicar essa pressão? E oferecer um doce asilo para Maduro, com imunidades?
Do outro lado, Maduro se curvaria a essa pressão?
Difícil. Difíceis as duas coisas.
Maduro não respeita Lula, assim como o então amigo Daniel Ortega, da Nicarágua, não deu a menor bola a um pedido simples do presidente brasileiro.
Foi em junho do ano passado. Atendendo a uma solicitação do Papa Francisco, Lula anunciou que pediria pessoalmente a Ortega a libertação do bispo Rolando Álvarez, detido em Manágua. A seu estilo, Lula comentou que não fazia sentido impedir o bispo de exercer sua missão religiosa e ainda acrescentou que Ortega deveria “ter coragem” de reconhecer seu erro.
Ortega nem atendeu a ligação de Lula.
Por que Maduro se curvaria a uma pressão brasileira?
Eis o ponto: Lula hoje não lidera nada. Nem na América Latina, nem no Mercosul, nem no Brics. Biden falou com o presidente brasileiro, na expectativa de encaminhar alguma medida concreta sobre a Venezuela. Desistiu logo.
Ditadores de esquerda ou similares gostam do apoio de Lula e do PT, mas não dão nada em troca. Nem sequer um favor.
Tudo considerado, ficamos assim: Maduro só deixará o poder se for forçado a isso por uma forte e coordenada pressão internacional. Ou se seus camaradas militares entenderem que é melhor entregar Maduro e salvar sua parte do butim.
Nessas circunstâncias, caberia a sugestão da Economist.
Lula pode participar dessa articulação ou tentar salvar Maduro.
O mais triste dessa história é que, enquanto isso, a Venezuela está a um passo do banho de sangue e sua população sob a ameaça de uma ditadura ainda mais violenta.
UM FUNERAL EM CARACAS, por Demétrio Magnoli, no jornal Folha de S. Paulo
Inutilmente, Lula exibiu-se como mediador ideal na Ucrânia e no Oriente Médio, esferas fora do alcance da política externa brasileira. A prova de fogo chegou na Venezuela, desenrolando-se como espetáculo humilhante: em Caracas, junto com a esperança de transição democrática, enterra-se a credibilidade da palavra do Brasil.
Celso Amorim fala como enviado diplomático de Maduro ao mundo democrático. “A oposição coloca dúvidas, mas não consegue provar o contrário.” Falso: a oposição publicou as atas de votação escondidas pelo ditador —e a autenticidade delas foi confirmada por especialistas independentes.
Diante disso, EUA, Argentina, Uruguai, Peru, Equador e Costa Rica reconheceram o triunfo de Urrutia. Boric chegou perto da conclusão factual, declarando que “o Chile não reconhece a vitória autoproclamada de Maduro”. Na direção contrária, o Brasil articulou com México e Colômbia um bloco negacionista que, simulando cautela, oferece à ditadura o intervalo indispensável para consolidar a fraude por meio da repressão generalizada.
Circula, nas chancelarias, o desenho de uma solução negociada: a formação de um governo provisório de união nacional com a missão de promover novas eleições. A ideia inspira-se no precedente da Polônia, em 1989, cuja transição começou com a derrota eleitoral do regime autoritário. No governo unitário venezuelano, o chavismo controlaria os ministérios da segurança, enquanto a oposição teria as pastas econômicas. Uma anistia ampla e a criação de instituições eleitorais imparciais preparariam o terreno para eleições gerais livres.
A solução não é justa, pois o povo já votou, mas é realista. Sem a força das armas, a oposição teria que aceitá-la. Mas a chance de impor à ditadura uma saída negociada depende da intensidade das pressões diplomáticas —e, em especial, da rejeição regional à autoproclamada vitória de Maduro.
Regimes ditatoriais começam a desabar quando sofrem fraturas internas. A aposta na pressão diplomática, combinada com garantias de impunidade à máfia chavista, oferece oportunidade a potenciais dissidentes. É precisamente para sabotá-la que o governo brasileiro costurou o bloco tripartite da protelação. Maduro precisa mais do amparo sinuoso do Brasil que do apoio efusivo de Cuba ou da Nicarágua.
O fracasso diplomático estende-se às obrigações mínimas. O Brasil foi um dos fiadores do Acordo de Barbados. Calou-se, repetidamente, frente às violações sistemáticas do compromisso de eleições democráticas. Hoje, avança um pouco mais na via da desonra, virando as costas à selvagem repressão desencadeada contra os oposicionistas vitoriosos no voto popular.
Amorim justificou a resistência brasileira a condenar a fraude alertando para a iminência de um “conflito muito grave”, quase uma “guerra civil”, que seria caso único de guerra entre uma ditadura armada e uma oposição desarmada. Antes, em entrevista a um jornalista beija-mão, enquanto o regime encarcerava opositores em massa, o mesmo Amorim exprimiu sua “preocupação” com “a hipótese de perseguição aos chavistas caso a oposição chegue ao poder”. Entre uma entrevista e outra, esclareceu que o Brasil dialoga com todos os lados —exceto, apenas, com María Corina Machado.
A ditadura acusa a oposição do crime de lesa-pátria de divulgação das atas eleitorais autênticas, que pela lei venezuelana são documentos públicos, qualificando-as como “forjadas”. Nada pode impedir a prisão de Corina Machado, mas o gesto brasileiro de enviar um representante de alto nível para reunir-se com ela, sob a luz das câmeras, formaria um anel de proteção. O Brasil, porém, prefere deixá-la exposta.
Na avenida central de Caracas, evolui o cortejo fúnebre das expectativas de transição democrática. Maduro segura uma das alças do caixão. Brasil, México e Colômbia sustentam as outras três.
“DIREITO ADQUIRIDO” PARA ASSALTAR A CONSTITUIÇÃO, por Carlos Andreazza, no jornal O Estado de S. Paulo
Flávio Dino decidiu – com atraso – tomar providências contra o orçamento secreto e seu mais sofisticado desenvolvimento, a emenda Pix. Os imperadores do Congresso não gostaram. O poder anômalo de Arthur Lira, Davi Alcolumbre e seus elmares deriva da forma opaca e autoritária como dispõem de fundos orçamentários.
Natural que reagissem. Em várias frentes. Numa delas, o presidente da Comissão Mista de Orçamento, Júlio Arcoverde, informou que não votará a Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2025 neste agosto. Só depois das eleições. Arcoverde é do PP do Piauí. É Lira e Ciro Nogueira.
O governo tem de enviar a proposta de Lei Orçamentária até 31 de agosto. Tudo o mais constante o fará sem as balizas da LDO. Não se trata apenas de retaliação a Lula – que os donos do Parlamento consideram manobrar por meio de Dino. Retalia-se a constituição do Orçamento da União, donde o planejamento estatal, de modo a ganhar tempo; para que se possa formular-negociar de que maneira será novamente burlada uma determinação do Supremo sobre o orçamento secreto.
O Congresso não abrirá mão do controle dos dinheiros. A vir nova superfície para abrigar o dínamo. Na melhor hipótese para o Lirão, cria-se a já aventada emenda dos líderes de bancada – a ser o paraíso dos proprietários de partidos, o estado da arte para a engenharia de apropriação patrimonialista de fundos orçamentários contra a eficiência nos gastos públicos e a igualdade em disputas eleitorais. Na pior, deposita-se boa parte dos bilhões sob as emendas individuais e se estabelece o tal calendário para amarrar os pagamentos ao relógio paroquial da vereança federal.
O sindicalista Arcoverde é transparente: “Não se pode perder nenhum direito adquirido de nenhum parlamentar em relação às emendas”. Direito adquirido, minha gente! O deputado tratando o assalto a uma penca de princípios constitucionais como se garantia definitivamente incorporada ao patrimônio político dos parlamentares; como se o ministro Dino lhes tivesse confiscado a poupança-previdência.
E não é? Mais: “Transparência dá até para discutir sempre”.
A concessão que nos faz, disposto a admitir alguma transparência, decerto crente na existência de meia transparência. Quem sabe aceite dar objeto às emendas Pix? Pai Lira já deu a letra.
A letra do senador Ângelo Coronel, relator-geral do próximo Orçamento e guerreiro do povo legislador: “Conquistas terminam virando cláusulas pétreas”. O ousado trata como cláusula pétrea aquilo que um advento inconstitucional assegura. “Só se perde sob lança nas costas ou sob tortura.” Às armas, cidadãos! Uma jornada mesmo épica. Marchons! Marchons!
FILIPE MARTINS É VÍTIMA DE ERRO JUDICIÁRIO BIZARRO E PODE PEDIR DANO MORAL, por Walter Maiorovitch, no portal UOL
O advogado Filipe Martins teve a prisão preventiva substituída por alternativas medidas cautelares. Por exemplo, ele não poderá entrar em contato com Jair Bolsonaro e nem com o tenente-coronel Mauro Cid.
Filipe Martins deverá também, sob pena de revogação e volta à prisão, manter-se distante de participações em redes sociais.
Como se diz no popular, Felipe Martins “gramou” na prisão desde fevereiro. E era fake a alegada fuga que deu sustentação à decisão do ministro Alexandre Moraes.
E tem uma agravante extra.
No mês de março passado, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, manifestou-se pela soltura de Filipe Martins. Gonet entendeu desnecessária a continuação da prisão preventiva de Filipe Martins.
ARBÍTRIO
Um dado fundamental para os viventes em um estado de Direito restou desprezado. O procurador-geral, no caso Gonet, era o titular único e legitimado para promover uma ação penal.
Lógico. Como Gonet não tinha elementos para propor a ação penal contra Filipe Martins, não poderia opinar pela manutenção da prisão preventiva, de natureza acautelatória. Portanto, Gonet agiu corretamente ao opinar pelo levantamento da prisão.
Para que todos da área não jurídica entendam: se não existe o suficiente para se propor uma ação penal (apresentar denúncia), não existirá legitimidade constitucional para se manter uma prisão preventiva.
Ao desconsiderar a manifestação de Gonet e manter a prisão cautelar, o ministro Moraes agiu arbitrariamente.
LEMBRANDO
Filipe Martins está sendo investigado por fato gravíssimo. Ou seja, pertencer, segundo a Polícia Federal, a “grupo jurídico” que ficou incumbido de auxiliar Bolsonaro na viabilização de golpe de estado.
Em outras palavras, formou-se um grupelho para inventar algo a dar aparência de legitimidade ao golpe. Era golpe puro. Certamente, foram lembrados os instrumentos golpistas engendrados por Francisco Campos usados nas ditaduras Vargas e na militar de 1964.
Com base nas delações feitas pelo tenente-coronel Mauro Cid, que era ajudante de ordens do então presidente Bolsonaro e membro ativo do estafe golpista, o advogado Felipe Martins entregou, junto com pessoa dada como especialista em direito Constitucional, certamente às avessas, uma minuta de golpe de estado.
PRISÃO
A prisão preventiva de Filipe Martins foi fundamentada pelo ministro Alexandre de Moraes na lei processual penal.
Dois foram os motivos dados como necessários a quebrar o princípio de ser a liberdade a regra e a prisão, sem condenação definitiva, a exceção.
Primeiro motivo. Seria necessária a prisão de Felipe Martins para assegurar a aplicação da lei penal, pois havia ele fugido do Brasil, numa carona no avião transportador de Bolsonaro, em dezembro e após a derrota eleitoral.
Segundo motivo: conveniência para a instrução processual penal, diante de inquérito já instaurado.
ERRO JUDICIÁRIO E INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL
Ficou comprovada a precipitação do ministro Moraes. Não houve fuga.
Ao contrário do suposto, e não cabe prisão preventiva com base em suposição sem lastro em prova de apoio, Filipe Martins não tinha pegado carona no avião de Bolsonaro. Foram outros os passageiros e tiveram a companhia da muamba das joias.
Filipe Martins não tirou os pés do Brasil e aqui foi preso, na casa do sogro.
Prova técnica, por meio de geolocalizador de aparelho celular, comprovou, há mais de mês e Moraes não atuou com a urgência devida, que Felipe Martins não tinha deixado o território nacional. Apenas viajou para casa de parente.
Caiu, portanto, a justificativa que estava fugindo para evitar uma futura sanção penal. Idem, sem sentido, a suposição de que atrapalharia a instrução, a coleta de provas, pela ausência.
No caso em tela, ocorreu bisonho erro judiciário. Ou melhor, aconteceu precipitação em suposição desmentida. Com isso, o erro judiciário. Frise-se, virou bisonho.
Atenção, de novo.
Cláusula pétrea da Constituição, artigo 5º, inciso LXXV, estabelece ser o erro judiciário indenizável. Caberá, portanto, indenização por dano moral.
A REUNIÃO QUE Não DISCUTIU O BRASIL, editorial do jornal O Estado de S. Paulo
Aos olhos do governo, o maior problema do País hoje não é a política fiscal, que realimenta a inflação, exige taxas de juros elevadas e contém o crescimento da economia. Não é a prevalência da fome, que nem mesmo um orçamento de mais de R$ 170 bilhões para o Bolsa Família foi capaz de resolver. Não é uma educação de baixa qualidade, incapaz de oferecer a qualificação necessária para os trabalhadores conquistarem bons empregos. Não é a enorme sensação de insegurança que a população das regiões metropolitanas vivencia em seu dia a dia. Não é a miséria da população de rua desabrigada nos centros das capitais.
O maior problema do País, para Lula da Silva, são as eleições municipais. O tema, aparentemente, dominou os debates durante a reunião ministerial da última quinta-feira, que durou mais de sete horas. É o que se depreende das declarações dadas pelo ministro da Casa Civil, Rui Costa, após o evento.
O presidente, segundo o ministro, proibiu seus auxiliares de subir em palanques de candidatos que critiquem o Executivo, e cobrou deles que não deixem qualquer ataque sem resposta. Recomendou que – ora vejam – cumpram a lei e não participem de comícios realizados em horário de trabalho. Pediu que não agridam adversários, em especial aqueles que fazem parte de partidos da base aliada. Bater, segundo relatos, “só da cintura para cima”.
O balanço das ações do governo, supostamente o motivo que ensejou a realização da reunião da equipe ministerial, ficou em segundo plano perante outros assuntos muito mais importantes. Do contrário, cada ministro não teria tido apenas 5 minutos para falar sobre as questões de sua pasta, com tolerância de até 15 segundos, sinalizada por meio de um sutil apito.
Conceder mais tempo a cada um deles não seria de grande valia. Nada que os ministros pudessem falar seria capaz de alterar a percepção distorcida do presidente sobre o triunfo de seu governo. Para Lula da Silva, tudo vai muito bem, obrigado, tanto que ele descartou a possibilidade de realizar uma reforma ministerial nos próximos meses para substituir quem não tenha feito um bom trabalho ou traga mais ônus que bônus ao governo. “Em time que está ganhando a gente não mexe”, disse.
Prioritário mesmo, para Lula da Silva, era relatar à equipe que vai devolver o relógio de ouro da marca Cartier que ganhou durante seu primeiro mandato. Tal decisão não expressa convicção sobre o que é certo ou errado, mas visa apenas a diferenciá-lo de Jair Bolsonaro – que, a exemplo de Lula da Silva, só pensa em eleger aliados para o comando dos municípios, mas não tem pudor de se apropriar de patrimônio que deveria ser público para seu proveito pessoal.
Não foi uma reunião para rever escolhas ou realinhar estratégias que favoreçam o País. A essa altura, já se sabe que não há, nunca houve nem haverá um projeto de Brasil no governo petista. Em 2022, o único objetivo era vencer Bolsonaro. Agora, o que importa é obter o melhor resultado possível nas disputas municipais em outubro, com o cuidado de não causar constrangimentos que possam reverberar nas eleições para o comando da Câmara e do Senado, no início do ano que vem, e, assim, pavimentar o caminho para a reeleição de Lula da Silva em 2026.
Aliados certamente vão comparar a reunião ministerial desta semana com aquelas que Bolsonaro liderava, que mais se assemelhavam a um show de horrores. Manter o decoro, no entanto, é pouco para um país que precisa adotar medidas duras para que possa oferecer alguma perspectiva para seus cidadãos.
Impressiona, embora não surpreenda, que as eleições sejam o único horizonte a guiar as ações do presidente. Há muito a ser feito, mas Lula da Silva não parece preocupado com o País. Seu plano é manter tudo como está, pois “o time está ganhando”. Quando tem “ideias”, servem somente para reeditar os erros que já foram cometidos pelos governos petistas no passado e apostar todas as suas fichas em manter a polarização que marcou a campanha de 2022 na tentativa de se perpetuar no poder.
Lamentavelmente, o futuro do País não estava na pauta da reunião ministerial, embora esse fosse o único tema que deveria estar.
Matutando sobre os dois artigos:
“Ideia nova está em falta”
– Foi-se o tempo em que ideias novas para saquear os cofres públicos eram divulgadas em reuniões de ministros, né bolsonaro?
“PGR desperta de sono profundo”
– Despertou expontaneamente ou foi acordado com um balde de água fria ou foi fogo amigo?
Como diria o saudoso primo Quincas lá do Baú: “tá feio ózóio da mula!”
IDEIA NOVA ESTÁ EM FALTA, por Vera Magalhães, no jornal O Globo
Ao término de sete horas em que o presidente da República e o primeiro escalão ficaram trancados numa sala, o resumo que chegou à imprensa foi: nada de ideia nova. Eis uma síntese do momento atual do governo Lula 3, em que soluções inovadoras para problemas cada vez mais complexos nem entram na pauta. Assim, ideia nova vira sinônimo de invencionice histriônica, do tipo que alguns ministros propõem para mostrar serviço ao chefe.
Lula acha que está na hora da colheita dos projetos já anunciados ou postos em prática, em vez de lançar novos. Até aí tudo bem, mesmo porque a realidade é que o Orçamento está estourado, o congelamento de R$ 15 bilhões atingiu até programas recém-lançados, como o festejado Pé-de-Meia, e não há dinheiro para muito além do que já está em curso.
Mas o que chama a atenção na dinâmica do governo é a falta de perspectivas novas, algo que seria, sim, muito bem-vindo, não custaria nada e ajudaria a organizar um time para lá de irregular que, a despeito das evidentes deficiências, Lula tratou de afagar de forma paternalista.
Um governo eficiente não precisa que o presidente se sente à cabeceira por sete horas para ouvir balanços muitas vezes irreais apresentados por ministros duas vezes por ano. Isso é pura perda de energia.
Tais informações precisariam ser atualizadas em tempo real, circular por todos e gerar cobranças por metas periodicamente — e de forma mais realista que o elogio feito pelo petista a áreas que claramente estão deixando a desejar.
Da mesma forma, cheira a naftalina oitentista a cobrança de Lula para que os ministros, quando estiverem nos seus Estados, digam que a obra “x” é do governo federal. Na era da comunicação instantânea pelas redes sociais, que gera impactos tão concretos quanto o governo correr para editar uma Medida Provisória para isentar medalhistas olímpicos de Imposto de Renda cobrado há mais de 50 anos, a orientação se mostra ainda mais deslocada.
Se o governo não consegue, com todas as ferramentas do século XXI, desembolsando milhões em obras diretamente ou por meio de pagamento de emendas parlamentares, comunicar que aquela obra é federal, o problema de comunicação é grave, e não há o que o ministro “da terra” possa fazer.
O importante para Lula no início de um semestre em que está com a popularidade equivalente à de Jair Bolsonaro na mesma fase do governo — ou seja, em agosto de 2020, auge de sua condução alucinada da pandemia — seria cobrar seriamente os ministros das áreas-chave para resolver problemas graves.
De que maneira o Planalto está se preparando para enfrentar a batalha pela presidência da Câmara e do Senado, que ganhou novos contornos de sublevação depois do freio às emendas imposto pelo ministro Flávio Dino, do STF — e no qual os parlamentares veem a mão do próprio Lula?
Quais serão o timing da escolha do sucessor de Roberto Campos Neto e o perfil do escolhido? O presidente deixará correr solta a fritura de Fernando Haddad que continua sendo feita abertamente pelo PT e, na surdina, por colegas de ministério, a ponto de o ministro até abreviar as férias para não deixar de estar presente na reunião, dada a necessidade de defender suas medidas?
Qual será o caminho para a série de minas terrestres em matéria de diplomacia internacional que Lula vai colecionando neste terceiro mandato e que o afastam da imagem de grande estadista preocupado com a economia verde e a democracia que ele pretendia traçar para si?
Nada disso é possível de encaminhar numa reunião em que ministros ganham do chefe a garantia de que, por mais medíocres e até enrolados em investigações que estejam, não serão trocados e não precisam nem se preocupar em ter ideias novas, só em tocar a bola de lado, mesmo.
PGR DESPERTA SE SONO PROFUNDO, editorial do jornal O Estado de S. Paulo
O procurador-geral da República (PGR), Paulo Gonet, ajuizou nesta semana uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) contra as “emendas Pix”, nome pelo qual ficaram conhecidas as transferências especiais de recursos federais para Estados e municípios sem finalidade específica. Na ação, Gonet pede ao Supremo Tribunal Federal (STF) que declare a inconstitucionalidade da modalidade e suspenda, de imediato, o pagamento desses recursos até que a Corte julgue o mérito da questão.
Também chamadas de “emendas cheque em branco”, as “emendas Pix” configuram uma verdadeira afronta à Constituição. Trata-se de simples transferência de recursos da União diretamente para Estados e municípios, sem finalidade específica, vinculação com programas federais ou celebração de convênio que identifique o projeto ou a atividade em que a verba será aplicada.
Por óbvio, uma vez que o dinheiro federal chega aos cofres regionais torna-se impossível rastreá-lo. E essa confusão sobre a natureza e o uso da verba não foi acidental, mas uma escolha do Congresso para dificultar sua fiscalização pelos órgãos de controle. Governadores e prefeitos, por sua vez, podem gastá-lo a seu bel-prazer, o que inclui despesas correntes com servidores e shows e festas populares, além de obras de prioridade questionável.
Para ter uma ideia, o orçamento reservado às “emendas Pix” neste ano somou R$ 8,2 bilhões. Desse total, o governo Lula da Silva autorizou o pagamento de R$ 7,7 bilhões, dos quais R$ 4,25 bilhões já foram transferidos, segundo reportagem publicada pelo Estadão. Não há como ignorar que esses recursos farão toda a diferença para o caixa dos municípios e proporcionarão enorme vantagem aos prefeitos que disputarão a reeleição em outubro.
Para Gonet, as “emendas Pix” não garantem transparência, publicidade e rastreabilidade aos recursos e ferem princípios constitucionais, como o pacto federativo, a separação dos Poderes e os limites que a Constituição estabeleceu para ser reformada. “A deturpação do sistema republicano de acompanhamento dos gastos públicos mostra-se patente”, afirmou.
Chama a atenção, no entanto, o momento em que a ADI foi apresentada. Tudo ocorreu em meio a um debate liderado pelo ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal, que tenta colocar alguma ordem nas emendas de comissão, sucessoras do chamado orçamento secreto, e devolver ao Executivo as prerrogativas sobre a peça orçamentária, tomadas pelo Legislativo nos últimos anos.
Gonet, aparentemente, estava em sono profundo desde que assumiu o cargo de PGR, em 18 de dezembro do ano passado. E a PGR, antes comandada por Augusto Aras, hibernou desde 12 de dezembro de 2019, data em que a emenda constitucional que criou as “emendas Pix” (EC 105/2019) foi promulgada.
A PGR não pode alegar desatenção. Em primeiro lugar, pelo volume das emendas, que somaram R$ 20,7 bilhões desde 2020. E em segundo lugar, porque a Consultoria Legislativa do Senado já havia apontado todas as afrontas constitucionais associadas às “emendas Pix” em um didático texto para discussão publicado em junho de 2020.
Na prática, o sistema segregou uma parcela do Orçamento para ser proposta e aprovada pelo Legislativo com execução obrigatória, sem que o Executivo pudesse dizer nada, em ofensa à autonomia da União e ao princípio de separação dos Poderes.
Em uma relação tão destemperada quanto reveladora após a apresentação da ação pela PGR, o presidente da Comissão Mista do Orçamento, Julio Arcoverde (PP-PI), suspendeu a votação da Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2025. “Não se pode perder nenhum direito adquirido”, afirmou o deputado, que, em uma única frase, sintetizou perfeitamente a visão patrimonialista do Congresso sobre o Orçamento público.
Este jornal espera que o STF restabeleça as prerrogativas de cada um dos Poderes sobre o Orçamento, e que os parlamentares acatem a decisão. Espera, também, que a Procuradoria-Geral da República volte a exercer suas funções de maneira diligente, sem aguardar anos para cumprir sua obrigação de defender a Constituição