Corrigida uma informação no texto e acrescentado um parágrafo explicativo ano final às 7h01min deste 12.04.2023. Meu comentário de hoje era outro. Mudei, mais uma vez. Até porque este assunto foi parar na imprensa local e apenas na versão oficial do poder de plantão. E ai de quem não os obedecer. E os que se recusarem, ficam marcados. E se não se cuidarem, também podem parar na polícia, além de perder as migalhas dos anúncios oficiais. Histórico, há. A imprensa gasparense republicou no modo eletrônico, integralmente, o press release da prefeitura sem citar quem era o acusado. Cumuéqueé?
Quem a prefeitura de Gaspar quer pegar e punir correndo o alto risco de o tiro sair pela culatra? O suplente de vereador Eder Muller (estava no PL e agora está filiado no União Brasil). Ele é da tropa de choque do bolsonarismo gasparense e do engenheiro Rodrigo Boeing Althoff, PL, este listado para ser vice, vejam só, do delegado Paulo Norberto Koerich, o que vai apurar a denúncia e nada falou sobre este assunto. Outro constrangimento proposital inventado pelos do poder de plantão? Estão esticando a corda? Então tudo está medido.
Eder foi às redes sociais e mostrou à suposta vulnerabilidade do tal programa de telemedicina, lançado às pressas em Gaspar – para diminuir as filas e as queixas dos gasparenses da falta, da demora e até do mau atendimento de pacientes e doentes nos postinhos, policlínica e Pronto Atendimento do Hospital de Gaspar -, o “Alô Saúde”.
Não vou escreveu mais sobre os números, que quanto mais são mostrados pelos políticos e gestores públicos, mais se comprova que este serviço ainda não pegou entre nós. Vai levar tempo. Foi isso que se comprovou em outros locais. Aqui querem reinventar este “amadurecimento” porque foram incapazes de olhar esta solução por quase oito anos de governo.
Qual o título do extenso press release que a prefeitura de Gaspar publicou nesta quinta-feira no seu site oficial? “Gaspar registra notícia crime contra indivíduo por utilização maliciosa do Alô Saúde. E qual o intertítulo para mal explicar a razão disso? “Boletim de Ocorrência foi registrado após o cidadão publicar em redes sociais fazendo consulta com sintomas falsos para ludibriar a população“.
E quem é tratado como ‘indivíduo’ ou ‘cidadão’, sem que seu nome seja citado no press release da prefeitura e nem – por dever de ofício – esclarecido na imprensa? Éder Muller. Ele é suplente de vereador em Gaspar. Eder é um contumaz e claro crítico; mais do que isso, é um conhecido opositor ao governo de Kleber Edson Wan Dall, MDB, Luiz Carlos Spengler Filho, PP, e Marcelo de Souza Brick, PP. Isto também ninguém explicou quando replicaram o press release.
Mais. Eder está vestido de pré-candidato e contra continuidade do governo de Kleber e Marcelo. E estamos em plena campanha eleitoral. Então além da intimidação e do constrangimento, o que está em jogo aí, além de uma fiscalização, denúncia e crítica de um lado, é tentativa de espetacularizaração sucupiriana e de intimidação do outro lado? Uma disputa eleitoral. Nem mais, nem menos.
Então a pré-campanha em Gaspar começou mal. E o governo de Kleber e Marcelo, outra vez, deu o tom dela. E ainda diz por aí, como se vítima fosse, não saber a razão pela qual invocando família, religião e amor, está tão mal nas pesquisas disponíveis dentro dos partidos, correndo sério risco de não fazendo sucessor.
GESTO REPETIDO
O grupo no poder de plantão que está na prefeitura de Gaspar (MDB, uma fatia do PP – por que uma está bandeada em outra candidatura, a do delegado – e PSD, porque o PDT e o PSDB de tão mal representados tiveram que bater em retirada e se agrupar a outros partidos na Bancada do Amém), ao invés de se explicar, contrapor com fatos e ações, preferiu usar a receita que já usou anteriormente para calar na marra os seus críticos e adversários. Pior, com a ajuda da imprensa e apostando no “corpo fechado” nas instituições de fiscalização. Aliás, por causa disso – um áudio gravado, que é lembrado constantemente – o prefeito Kleber teve logo lá em 2017 que pedir desculpas na Câmara. E não aprendeu.
O suplente de vereador Eder Muller fez este vídeo e publicou nas suas redes sociais.
Na verdade Eder, como se pode ver, a denúncia é um teste ao sistema. Crime seria se Eder, como cidadão, trabalhador – é autônomo – usasse este atestado para ludibriar o seu empregador. Não usou. Provou apenas a vulnerabilidade do sistema. Eder, passando-se por um suposto doente, provou que era fácil arrumar um atestado médico por telefone no tal “Alô Saúde”, ferramenta que ele possui críticas sobre a efetividade dela.
E por que Eder fez este teste que irritou tanto os políticos e gestores públicos gasparenses? Porque, segundo Eder, no próprio vídeo, estes atestados estavam causando irritação dos empregadores de Gaspar. O que fez a prefeitura de Gaspar? Ao invés de se explicar, contrapor, checar e aprimorar o sistema, resolveu intimidar, constranger e com o registro de um Boletim de Ocorrência, para assim, tentar, imediatamente, calar o denunciante. Já fez isso com o próprio Eder anteriormente, como ele próprio me afirmou. E não deu em nada.
Eu próprio na penúltima nota na seção TRAPICHE do artigo desta quarta-feira, escrevi isto sobre o que Éder propagava nas redes sociais e aplicativos de mensagens dele – e fazia sucesso, o que irrita os do poder de plantão, pois entendem estar em desvantagem política neste momento:
Mais uma utilidade do “Alô Saúde” em Gaspar e cujos números mostram que ele ainda não pegou, apesar da Dengue, Influenza e Covid-19 estarem entupindo tudo quanto é postinho, policlínica e Pronto Atendimento do Hospital: dar atestado médico por telefone sem a pessoa estar realmente doente. Há uma reclamação geral entre os empregadores. É culpa do sistema? Penso que não como tem político espalhando nas mídias sociais. Pensando bem: cada empregador conhece bem o seu empregado e ao ver este tipo de atestado médico é melhor prestar a atenção. O atestado está dizendo algumas coisas do seu empregado para você. Então…
Bingo!
A prefeitura de Gaspar, como sempre, está fazendo tempestade em copo d’água. Toda ferramenta, toda inovação, todo novo programa são vulneráveis. Não conheço um à prova de desvirtuamento à finalidade original.
SONEGANDO AVISOS
Eu já recebi cheque frio – e de quem jurava ser meu amigo. Há golpes de todo o tipo na praça. É preciso conhecê-los, para em primeiro lugar se precaver deles e em segundo lugar, aperfeiçoar o sistema, a ferramenta, o produto, o programa, ou sei lá o que. Não foi assim com o PIX, por exemplo, para não ir ao quase extinto instituto do cheque que guardo na pastinha para não mais entrar em igual fria?
Agora, se polícia de Gaspar vai se preocupar com este tipo de denúncia dos políticos da prefeitura de Gaspar e deixar o monte de outras que está lá há muito tempo sem respostas aí sim, vai se ter problemas no eleitorado que aguarda respostas? Aliás, era só o que estava faltava. Parece que esta jogada da prefeitura foi proposital para desviar a atenção dos reais problemas que afligem a cidade.
Não defendo o Eder. Não tenho procuração dele. Ele é um crítico como eu vejo as coisas da cidade. Ele acha que tudo tem que ser ao sabor de Jair Messias Bolsonaro, PL, por exemplo. Eu não! Há coisas melhores fora dessa polarização. Alguém até me disse que ele não merece ser defendido por mim. Errado. No final do artigo de hoje há um vídeo de Fernando Luiz Schüler. Ele explica porque eu tenho que defender este e outros Eder.
Se fazem isso com Eder e este tipo de perseguição e exposição prosperam por causa de outras coisas que nada tem a ver com a atividade política e representativa dele, farão pior com outros gasparenses. Trata-se de uma guerra suja. Já fizeram e fazem comigo, por exemplo. Eder, ao menos disse e provou que é possível usar o “Alô Saúde” para faltar ao trabalho sem perder no salário. Agora, ao menos, outra vez, sabe-se que isso é da natureza da índole de cada um e da avaliação de cada empregador, se o sistema não criar uma trava melhor para este tipo de espertos e esperteza.
Ambos, não são caso de polícia. Um é de caráter, já o outro é de quem está desesperado em fim de mandato e não possui mais argumentos para continuar no poder. E então, por isso, precisa intimidar, constranger e calar para continuar com uma verdade bem pessoal. Antes de ir a polícia, Kleber e Marcelo deveriam indicar os substitutos nas secretarias que ficaram vagas na semana passada. Isto parece ser prioridade para a gestão e a cidade. Acorda, Gaspar!
Nota complementar: ATé as 18h de ontem, dia 11.04.2023 a prefeitura de Gaspar tinha registrado por seus procuradores ou eletronicamente não tinha registrado na Delegacia ou no sistemanenhum Boletim de Ocorrência. O press release em que afirmava que faria isso foi publicado no site da prefeitura próximo as dez e pela manhã se espalhou na imprensa. O Delegado Paulo Norberto Koerich informou que não cuidará deste assunto, pois segundo ele, não é de sua competência e se fosse, não faria, por, segundo ele, existir conflito de interesse. “É uma questão ética”, realçou. Hoje Paulo é pré-candidato a prefeito pelo PL, que está em coligação com o União Brasil, onde está Eder Muller.
TRAPICHE
Da sessão da Câmara de Gaspar desta semana vou pinçar duas cenas impagáveis e que estão diretamente ligadas às eleições de seis de outubro deste ano. A primeira delas está relacionada ao discurso duro, disfarçado de queixa, da vereadora Mara Lúcia Xavier da Costa dos Santos, PP. Nem ela, que é da Bancada do Amém aguentou e disse com todas as letras: “a nossa Saúde (a do prefeito Kleber Edson Wan Dall, MDB e Marcelo de Souza Brick, PP para Gaspar) está um caos”.
Por que a vereadora fez este desabafo depois de relatar há semanas o falecimento de uma aparentada, trabalhadora da Saúde municipal, diagnosticada com burnout (excesso de trabalho)? Porque ela é da área e também é um bicho político recém surgido e que já esteve em melhor conta no seu eleitorado onde ela se apresenta como “Mara da Saúde”. Mara quer se reeleger e sentiu que o conforto vai lhe ameaça. Antes tarde do que nunca.
“São 20 anos na área. Precisamos ouvir mais os nossos funcionários e os doentes. Temos que ampliar, criar mais espaços e horários. Ninguém aguenta mais!”, desabafou a vereadora Mara Lúcia Xavier da Costa dos Santos, PP. Isto obrigou o líder do governo, Francisco Solano Anhaia, MDB, acostumado a voar com tudo sobre o vereador Dionísio Luiz Bertoldi, PT, o único da oposição dos 13 vereadores, quando reclama das mesmas coisas. Anhaia moderou e apresentou soluções mágicas, como a confirmação do também vereador José Carlos de Carvalho Júnior, MDB, como “novo” secretário de Saúde de Gaspar.
Carvalho Júnior, dentista de profissão, mas temporariamente fora dela para ser um técnico concursado na área de sanitária municipal, já foi um dos múltiplos secretários de Saúde da era Kleber Edson Wan Dall, MDB. O que significa isso, também? Que nada será diferente do que foi feito até aqui. E que o vereador com a indicação a secretário já aceita por ele próprio, não irá a reeleição. O que faz falta além de votos e alta concorrência? O seu ex-padrinho, o ex-prefeito Osvaldo Schneider, o Paca, MDB.
A segunda cena foi o espetáculo da criação da Diretoria de Bem Estar Animal na Superintendência de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável e acesso ao Fundo. Ele já possui mais de R$800 mil para uso desta nova diretoria. E quem deu o tom, mais uma vez, no desfile de pais desta criança completamente abandonada em Gaspar, perante a claque levada para os aplausos fáceis? O líder do governo, Francisco Solano Anhaia, MDB: “estamos corrigindo erros de vários governos”. Classificou a aprovação do Projeto de Lei Complementar 03/2024, como o mais importante dos 90 anos de emancipação de Gaspar. Ulalá!
O que Francisco Solano Anhaia, MDB, quer excluir com o falatório dele? Os quase oito anos de inércia do governo de Kleber Edson Wan Dall, MDB? Por que o vereador Giovano Borges, PSD, quer ser o pai desta criança? Para transmitir ao político gêmeo dele a prefeito, hoje vice, Marcelo de Souza Brick, PP, as “glórias” desta conquista. Como se vê no caso de Mara Lúcia Xavier da Costa dos Santos, PP e neste de Giovano, no último minuto e num esforço hercúleo, estão tirando coelhos da cartola de mágicas manjadas do eleitorado. Elas podem não mais inebriar à distinta plateia como nos espetáculos eleitorais nos tempos antigos.
A “causa animal” tem uma história triste, muito triste, em Gaspar. Já contei aqui várias vezes e não vou repeti-la. E ela se tornou mais triste exatamente no governo de Kleber Edson Wan Dall, MDB, Luiz Carlos Spengler Filho, PP, Marcelo de Souza Brick, PP. Como não conseguiram aparelhar a Agapa – Associação Gasparense de Proteção Animal – mandaram duas bananas à cidade: para a Agapa e para puni-la, para a causa em si em Gaspar, ignorando completamente ações e principalmente não criando neste tempo todo uma política pública de zoonoses. Agora, às vésperas das eleições, estão remediando e mesmo tempo, mostrando dois pulos do gato. Ao menos, na minha opinião, o remendo está no caminho certo. Este assunto não poderia estar na secretaria de Agricultura e Aquicultura, a que não consegue prestar contas das suas atividades à sociedade.
Eu exagero? A prefeitura de Gaspar – apenas com o espírito de vingança e para atrapalhar a vida de gente voluntária que não está ajoelhada ao atraso peculiar do governo político-religioso – foi à Justiça contra o que se acertou com a Agapa. Vingativa, a prefeitura vem perdendo todas na Justiça para a Agapa. E foi isso, que, mais uma vez, revelou nesta semana, o advogado João Manoel Wessling de Souza. Ele acompanha esta Ação Civil Pública e que começou lá em três de junho de 2019, ou seja, menos da metade do primeiro mandato do prefeito Kleber Edson Wan Dall, MDB.
Em 25 de julho daquele ano houve uma conciliação parcial como a doação de um veículo, a contratação de clínica veterinária para castração de animais e a disponibilização de recursos para a Agapa como estagiário e uma sala na secretaria de Agricultura e Aquicultura entre outras medidas. O veículo veio. As castrações começaram e foram suspensas paulatinamente. A prefeitura retomou a estagiária e a sala, suspendeu as castrações, mesmo, segundo a Agapa, havendo recursos financeiros para isto. Uma emenda parlamentar de R$200 mil do deputado estadual, Egídio Maciel Ferrari, PRD, por exemplo, está retida nos cofres da prefeitura. E por aí, vai.
Resumindo encerrando este assunto da causa animal que de uma hora para a outra, o atual governo de Gaspar de padrasto quer se tornar padrinho bondoso. No dia 14 de janeiro deste ano, o município de Gaspar, segundo o advogado da Agapa, “encarou uma nova derrota. Desta vez os desembargadores deram prazo de 90 dias, a partir da intimação e que ainda não aconteceu, para a elaboração de um plano de ação minucioso onde reste garantido o direito dos animais“. Ou seja, a aprovação de terça-feira desta PEC na Câmara, faz parte de uma encenação. Ela escamoteia esta obrigação judicial de criar soluções para a causa animal. Inventaram uma lei rapidamente para regularizar e os políticos se apropriaram dela. E os seus aplaudiram. Como diz o pregador, lembrando a oração que o Pai nos ensinou: livrai-nos do mal, Amém!
Este é um trecho de um discurso de Fernando Luís Schüler, filósofo, professor universitário, articulista, cientista político e consultor de empresas e organizações civis nas áreas de cultura e ciências políticas. Schuler foi Secretário de Estado da Justiça e do Desenvolvimento Social do Rio Grande do Sul e diretor do Insper, no Rio de Janeiro. Ele serve para as coisas daqui, mas serve muito para a discussão polarizada, o escracho que se faz com as leis e a personalização dos julgamentos onde todos enxergam os vieses particulares e contra a própria lei.
Escute, reflita, entenda e discorde, se possível.
14 comentários em “UMA MARCA DO GOVERNO KLEBER REAPARECE ÀS VÉSPERAS DAS ELEIÇÕES. AO INVÉS DE APURÁ-LAS, A ESTRUTURA JURÍDICA E POLÍTICA INTIMIDA E LEVA À POLÍCIA UM SUPLENTE DE VEREADOR. ELE FEZ DENÚNCIAS NAS REDES SOCIAIS DE SUPOSTAS FRAGILIDADES E USO INDEVIDO DO “ALÔ SAÚDE””
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UMA GRANDE LEITURA, A “REVISTA BRASILEIRA”, por Elio Gaspari, nos jornais O Globo e Folha de S. Paulo
Está na rede, grátis como um arco-íris, a última edição da “Revista Brasileira”, da Academia de Letras, editada pela escritora Rosiska Darcy de Oliveira. São 192 páginas de cultura na veia.
Tem de tudo. José Paulo Cavalcanti Filho conta que o primeiro poeta brasileiro não foi Bento Teixeira, publicado em 1601, mas o jesuíta Bartolomeu Fragoso, descoberto pelo historiador Victor Eleutério. Sua poesia foi preservada em 1592 pelo Tribunal da Inquisição, que o excomungou e condenou ao degredo. Isso para o século XVI. Para o XXI, a revista publica cinco artigos sobre a vida virtual.
Para todos os outros séculos, surge a figura de Alberto da Costa e Silva, o historiador, poeta e diplomata morto em novembro passado. São dois textos de uma preciosa entrevista concedida em 2003 a Marina de Mello e Souza.
Costa e Silva (nada a ver com o marechal que jogou o Brasil no Ato Institucional nº 5) foi um estudioso da História que liga o Brasil à África. Tendo sido embaixador na Nigéria e em Portugal, publicou seis livros sobre a África, o tráfico negreiro e a escravidão. Dois deles (“A enxada e a lança” e “A manilha e o libambo”) são essenciais para se saber que na África dos séculos XVI ao XIX existia uma civilização pujante. Num terceiro, “Francisco Félix de Souza, mercador de escravos”, contou a vida de Xaxá, o baiano que viveu no Benin, tornando-se o maior traficante do período. Ele morreu em 1849 e muito provavelmente foi um dos homens mais ricos do mundo.
Alberto Costa e Silva falava claro e convidava quem o ouvia a fazer o mesmo. Como o historiador inglês Eric Hobsbawm, expunha sua erudição com o estilo do ator americano Fred Astaire ao dançar: dando a impressão de que é fácil.
Por exemplo:
“Há maneiras africanas. Essa nossa tendência de falar da África como uma realidade única, como uma totalidade, serve, em última análise, para facilitar nosso entendimento e a nossa compreensão. Mas não há nada mais diferente de um axante do que um ibo ou um ambundo. (…) Tal qual ocorre na Europa.”
A Revista Brasileira coloca a História do país à disposição do leitor. Fernando Gabeira trata da internet, Ruy Castro fala do grande cronista João do Rio (1881-1921). Rosiska Darcy de Oliveira e Carlos Eduardo de Senna Figueiredo resgatam a memória de Mário Pedrosa (1900-1981) — o jornalista e crítico de arte que padeceu na América Latina da segunda metade do século XX como ativista da política e da vanguarda artística; penou no exílio no Chile e no México.
A Revista Brasileira existe pelo trabalho de quem a faz e pela contribuição de quatro apoiadores: Armínio Fraga, Barbosa Müssnich Aragão Advogados, o banco Opportunity e a Faperj.
O PSDB NÃO TEVE CHORO NEM VELA
Fechada a janela que permitia migrações partidárias, o PSDB definhou. Perdeu todos os oito vereadores que tinha em São Paulo, a cidade onde nasceu e que governou por 27 anos. Em São Paulo e em 11 outras capitais o PSDB não terá candidato a prefeito. É um caso raro de derrocada de um partido durante um período de liberdades democráticas.
Um dia essa derrocada será melhor estudada, mas, ao lado do PT, o tucanato foi um partido que, bem ou mal, teve atividade cerebral além do aparelho digestivo. Definhou aos 36 anos depois de ter governado o Brasil de 1995 a janeiro de 2003. Sob a liderança de Fernando Henrique Cardoso, restabeleceu-se o valor da moeda, modernizou-se a economia e cimentou-se o regime democrático brasileiro.
Esse partido nasceu de uma costela (a melhor) do velho MDB, onde estavam políticos com ideias novas, moderadas e práticas. Era o tucanato de Franco Montoro, FHC, Mário Covas e Tasso Jereissati, um jovem de 39 anos ao assumir o governo do Ceará, em 1987. Intitula-se Partido da Social Democracia Brasileira e foi de fato um momento social-democrata na vida nacional.
No seu apogeu, nos anos de FHC, o PSDB teve como rival o Partido dos Trabalhadores, e o Brasil vivia o conforto de uma disputa entre sociais-democratas e matizes da esquerda. Ao tempo da Revolução Francesa, a política parecia dividida entre a Montanha (mais radical) e a Planície (mais moderada), até que essa turma foi chamada de Pântano.
Durante o tucanato, qualquer brasileiro sabia a força de três partidos, o PSDB, o PMDB e o PT, com alguma noção do que cada um deles significava. Coincide com o definhamento do PSDB uma feira onde há 29 partidos. Salvo o PT, nenhum tem identidade programática. O Partido Liberal, que hospeda Jair Bolsonaro, tem a maior bancada de deputados e ganha uma estadia em Budapeste quem souber o que ele representa, além do antipetismo.
BIDEM TEM CHANCES
Um sábio que nos últimos 30 anos acertou o resultado de todas as eleições presidenciais americanas assegura que Joe Biden tem fortes chances de derrotar Donald Trump.
BULLITT DEU O BAILE DE SATAN
Para quem decidir ler o romance “O mestre e a margarida”, de Mikhail Bulgakov: um dos capítulos mais divertidos do livro conta o Baile de Satan, uma festa delirante ocorrida em Moscou. O baile aconteceu em abril de 1935, nos piores anos do stalinismo, e foi dado pelo embaixador americano William Bullitt.
Boa parte da elite bolchevista apareceu e pelo menos três dos convidados viriam a ser executados. O secretário de Bullitt soltou a imaginação e colocou na festa um ursinho (a quem um bolchevique deu champagne na mamadeira), galos (um deles pousou na travessa de foie gras) e centenas de passarinhos (que fugiram da gaiola). Bulgakov foi com a mulher.
Tremenda figura, de aparência satânica, esse William Bullitt (1891-1967). Formou-se em Harvard com John Reed, que viria a escrever “Os dez dias que abalaram o mundo”, e casou-se com sua viúva. Negociou a dívida russa com Lenin, escreveu um livro com Sigmund Freud e em 1938 ajudou a tirá-lo de Viena. Virou amigo de Franklin Roosevelt, cuja secretária namorou e ganhou a embaixada em Paris. (Em Moscou ele havia namorado a bailarina favorita de Stalin).
Em 1940, quando Hitler atacou a França, Bullitt transferiu reservas de ouro da França para os EUA. No dia 12 de junho, durante o colapso do governo, virou prefeito de Paris por alguns dias. Em maio de 1944, alistou-se como major do exército francês e em outubro, fardado, entrou de novo na embaixada, hasteando a bandeira americana que a governanta havia escondido.
Bullitt desencantou-se com a União Soviética. Em 1935, comparou-a à Alemanha nazista, “uma teocracia de ateus”. Cantou a pedra de uma aliança de Stalin com Hitler com três anos de antecedência.
Deve-se a Bullitt a afirmação factual de que comunistas comiam crianças. Em 1945, depondo no Congresso americano, um senador perguntou-lhe se havia canibalismo na Rússia e ele respondeu:
“Eu vi a fotografia de um corpo de criança comido pelos pais.”
BRASIL, UMA SITUAÇÃO PERIGOSA, por Vinicius Torres Freire, no jornal Folha de S. Paulo
Nesta semana, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva deve dizer que sua meta de poupar dinheiro em 2025 vai ser menor do que previa desde o ano passado. A meta de superávit primário vai ser menor —trata-se da diferença entre o que se arrecada e o que se gasta, afora despesas com juros.
Mesmo menos ambicioso, o objetivo será ainda assim difícil de cumprir, entre outros problemas que vão afetar o novíssimo teto móvel de gastos de Lula-Haddad.
As contas do governo do Brasil estão em situação perigosa, rara desde que se estabeleceu um regime baseado nas ideias de meta de inflação, câmbio flutuante e superávit primário, ideias na prática muita vez furadas, e desde que há estatísticas comparáveis. Desde 2002.
Que perigo é esse? A taxa média de juros que incide sobre a dívida pública é alta. Não se poupa o bastante (ou nada) a fim de que se possa pagar os juros e, assim, evitar que a dívida cresça sem parar. Desde 2002, tal conjunção ruim aconteceu nos anos da Grande Recessão (2014-2016) e na epidemia.
Com o teto de gastos de Michel Temer e a recessão, a taxa de juros começou a cair rapidamente. O teto era ruim e marcado para morrer, mas conteve o aumento explosivo da dívida.
Depois do aumento de gastos da epidemia, houve a contenção de 2021 —precoce, o que causou grande aumento da miséria. Mais importante, houve uma inflação inesperada enquanto as taxas de juros eram muito baixas. Em termos reais, a taxa de juros (implícita) da dívida ficou negativa de março de 2021 a junho de 2022. Foi um motivo importante de a dívida pública cair rapidamente do pico da Covid.
Agora, há perspectiva de juros reais altos por anos (mesmo com queda da Selic). Não há perspectiva de superávit primário relevante antes de 2026. Começa a se difundir no governo a ideia de que o próprio teto móvel de gastos de Lula 3, aprovado no ano passado, tenha de ser relaxado.
O custo médio nominal da dívida, a taxa de juros implícita que incide sobre a dívida pública total, está em 11,2% ao ano (nos últimos 12 meses até fevereiro), uma taxa real de 6,4%. Como resultado, o setor público, o “governo”, pagou o equivalente a 6,8% do PIB em juros (R$ 747 bilhões em 12 meses, o equivalente a uns cinco anos de Bolsa Família). Na prática, não pagou: fez mais dívida para rolar essa conta. Também teve de pegar emprestado para pagar as contas corriqueiras, pois tem déficit primário: mais R$ 268 bilhões em um ano. O déficit total (nominal), pois, passa de R$ 1 trilhão (9,24% do PIB, da produção anual da economia).
Desde 2002, houve déficits desse tamanho ou maiores apenas no momento excepcional da epidemia e na Grande Recessão ou por efeito dela, em 2016 ou em 2017.
Nos demais anos, a taxa de juros média da dívida era menor ou não muito maior do que a de agora. Mas havia grandes superávits primários, como sob Lula 1 e Lula 2. Pagava-se parte da conta de juros. A dívida até caiu, dado também o crescimento do PIB.
O teto móvel de gastos de Lula 3 já periclita. O “arcabouço fiscal” de Lula-Haddad permite um certo aumento real de gastos a cada ano. Mas há despesas que crescem ainda mais: Previdência (também por causa do aumento do salário mínimo), saúde e educação. O aumento dessas despesas achatará as demais (como a de investimento em obras). Haverá pressão, pois, para se relaxar o teto.
A não ser em caso de crescimento excepcional do PIB ou de impostos, inviáveis no futuro previsível, a dívida aumentará por muitos anos.
Não há um nível de dívida a partir do qual se desencadeia necessariamente uma crise. Mas a situação é de perigo (em caso de nova rodada de aumento de juros por causa de inflação alta, por exemplo); implica crescimento econômico mais baixo.
Dívidas são contidas com combinações de crescimento econômico rápido, inflação, contenção de despesa e repressão financeira (achatamento de juros, viável apenas em certos países e em certos contextos internacionais).
O que Lula 3 vai fazer?
Finalmente a grande mídia começa a acordar aos poucos. O que mira os crimes e criminosos das redes sociais, na verdade, está se embrulhando num mesmo pacote para atingir jornalistas, jornais, portais, tevês e rádios este já enquadrado em legislação de responsabilização. |O que o STF faz e arma é clara exceção e de quem deveria impedir.
A CENSURA PROMOVIDA POR MORAES TEM QUE ACABAR, editorial do jornal Folha de S. Paulo
A Constituição, no nobilíssimo artigo dos direitos fundamentais, dispõe ser “livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”.
Como se o comando fosse insuficiente, a Carta o reforça no capítulo em que trata da comunicação social, ao vedar qualquer tipo de restrição à manifestação do pensamento, à criação, à expressão e à informação. O ordenamento, em suma, impede o Estado de calar um cidadão sob qualquer pretexto.
A ampla liberdade, no Brasil como no cânone democrático, caminha ao lado da responsabilidade individual. Uma pessoa pode dizer o que quiser sem ser amordaçada, mas estará sujeita a sanções penais caso o seu discurso configure crime, ou pecuniárias se conspurcar a imagem de alguém.
Quaisquer intervenções repressivas do poder público, portanto, deveriam sobrevir somente após algo ser expresso, nunca antes.
Pois um ministro do Supremo Tribunal Federal, com decisões solitárias em inquéritos anômalos —conduzidos pelo magistrado e não pelo Ministério Público, o órgão competente—, reinstituiu a censura prévia no Brasil. Ordens secretas de Alexandre de Moraes proíbem cidadãos de se expressarem em redes sociais.
O secretismo dessas decisões impede a sociedade de escrutinar a leitura muito particular do texto constitucional que as embasa. Nem sequer aos advogados dos banidos é facultado acesso aos éditos do Grande Censor. As contas se apagam sem o exercício do contraditório nem razão conhecida.
Urgências eleitorais poderiam eventualmente justificar medidas extremas como essas. O pleito de 2022 transcorreu sob o tacão de um movimento subversivo incentivado pelo presidente da República. Alguns de seus acólitos nas redes não pensariam duas vezes antes de exercitar o golpismo.
Mas a eleição acabou faz mais de 17 meses e seu resultado foi, como de hábito no Brasil, rigorosamente respeitado. O rufião que perdeu nas urnas está fora do governo e, como os vândalos que atacaram as sedes dos três Poderes em 8 de janeiro de 2023, vai responder pela sua irresponsabilidade.
Escapa qual seja o motivo para sustentar os silenciamentos, que violam um direito fundamental. Alexandre de Moraes tem, no mínimo, o dever de publicar todas as decisões que o levaram a exercer esse poder extraordinário.
Melhor mesmo seria que suspendesse as proibições. É um direito inalienável dos imbecis do bolsonarismo propagar as suas asneiras. Expostas à luz do sol, elas tendem a desidratar-se. Silenciadas, apenas alimentam o vitimismo hipócrita dessa franja de lunáticos.
Puna-se o que houver de crime no que for dito, mas sem recorrer ao instrumento inconstitucional e autoritário da censura prévia.
NÃO PODE HAVER CENSURA, por Carlos Alberto Sardenberger, no jornal O Globo
A primeira imagem me veio logo: Musk deixou a bola pingando na pequena área. Xandão, centroavante rompedor, encheu o pé. Muito possivelmente estava impedido, mas, como ninguém pediu o VAR, o gol valeu. Mesmo porque o VAR, no caso, seria o próprio Xandão, quer dizer, o ministro Alexandre de Moraes. Não apenas o gol valeu, como o VAR deu falta cometida por Musk, cartão amarelo, com ameaça de vermelho.
Logo, o centroavante/VAR levou a melhor e conseguiu apoio de seu time. Entusiasmado, mandou ver:
— Tenho absoluta convicção de que o Supremo Tribunal Federal, a população brasileira e as pessoas de bem sabem que liberdade de expressão não é liberdade de agressão.
Filósofos, juristas, pensadores e jornalistas — para ficar só no grupo que nos interessa no momento — têm o dever do ceticismo. De levantar a dúvida razoável. De checar e revirar um tema de todos os lados. “Absoluta convicção” não cai bem. É difícil para qualquer pessoa de princípios políticos e morais ter “absoluta convicção”de qualquer coisa.
Dirão: mas o ministro escolheu um bom ponto. Difícil discordar da sentença “liberdade de expressão não é liberdade de agressão”. E por que é difícil? Porque é tremenda obviedade. Usando recurso clássico de oratória, a repetição do óbvio, o ministro seguiu: “Liberdade de expressão não é liberdade para a proliferação do ódio, do racismo, da misoginia, da homofobia… de defesa da tirania”.
Está na cara, não é?! Posso até ameaçar alguém no auge de uma discussão — “vou te pegar na saída”—, mas não posso atirar no meu inimigo. Claro, não precisam me dizer: se ameaço alguém e ponho um capanga armado seguindo o cara, a coisa mudou de figura. Musk ameaçou não cumprir decisões da Justiça brasileira. O que é diferente de não cumprir. Mas o ministro partiu para a briga, ameaçou de volta — e não é o que se espera da Corte Suprema.
Convém, portanto, bagunçar o óbvio. Liberdade de expressão: há doutrinas diferentes que abrem ou restringem esse direito individual. Nos Estados Unidos, a liberdade de discurso é mais ampla do que se entende no Brasil. Lá, você fala o que quiser, publica o que quiser. Quem se sentir ofendido ou ameaçado vai aos tribunais, onde se discutirá, de um lado, se foi dada uma informação, a simples expressão de uma opinião, um ponto de vista, ou, de outro, uma ofensa pessoal (calúnia, injúria, difamação) ou ameaça à segurança nacional.
Aqui no Brasil, estamos diante de uma questão grave: o andamento do megainquérito das fake news, conduzido por Moraes, que agora inclui Musk. Sem falar no longo prazo do segredo de Justiça imposto a diversos pontos do processo, há uma tendência de tentar barrar as fake news (mais a agressão, o ódio etc.) antes que o discurso seja dito, publicado na imprensa tradicional ou nas redes. Prevalecendo essa tendência e essa prática, lógico que haverá censura.
E aqui estamos prontos para tumultuar tudo: o que é fake news? Se nullum crimen nulla poena sine previa lege, ninguém pode ser acusado ou condenado por divulgar fake news porque a lei brasileira não diz o que é isso. Pois é, o projeto está na Câmara. Estava parado, agora está no tumulto.
Tem mais: se for definido o que é fake news, o que está longe de ser simples, caímos em mais duas questões. Primeiro, quem fará a lista das fake news? Segundo, quem será o censor encarregado de identificá-las e barrá-las antes da divulgação? Um jornal, uma emissora de televisão ou uma rádio terão de censurar seus jornalistas? As redes sociais terão de criar algoritmos para capturar e tirar do ar as fake news e discursos considerados — por que autoridade? — de ódio, etc.?
Vamos deixar claro: Elon Musk não é um libertário. É um homem de negócios. A China veta o X, mas Musk não está nem aí enquanto produzir seus Teslas por lá. Mais um motivo para o STF não se meter numa briga com tal personagem. Descumpriu a lei? Processo nele.
Tudo considerado, é preciso fazer a lei e regulamentar a mídia digital. Concluo com José Paulo Cavalcanti Filho: “Não pode ter censura. O mais, é o Código Penal. Simples assim”.
MUSK, BANANAS E BANDEIRAS, por Demétrio Magnoli, no jornal Folha de S. Paulo
O negócio mais lucrativo das plataformas de redes sociais –como o X, de Elon Musk, e a Meta, de Mark Zuckerberg– é impulsionar mensagens criminosas. Lá na Índia, são conclamações à violência contra muçulmanos. Lá em Mianmar, uma campanha de limpeza étnica contra os rohingya. A União Europeia regulamentou as redes. Nós, não. Para compensar, tal qual uma república bananeira, convertemos Musk em vilão ou herói.
A Câmara paralisou o debate sobre a regulamentação. Os partidos e os nobres deputados beneficiam-se do faroeste virtual, investindo na calúnia envelopada em fake news. Havia um álibi: os regulamentadores anunciaram seu desejo de “banir a desinformação”, uma senha quase explícita para a censura política. Nada feito. Vitória das bananas.
Do fracasso brotou o ridículo. Musk criticou o STF, o que não é crime. Na sequência, provocou-o, ameaçando desbloquear contas censuradas pelos juízes –sem, contudo, fazê-lo. Alexandre de Moraes enxergou na mera ameaça um crime, adicionou o valentão ao plantel de investigados no seu inquérito sem fim, enrolou-se no sagrado pendão auriverde e correu para o abraço. Bananas.
Bolsonaro, sobre Musk: “A nossa liberdade, em grande parte, está nas mãos deles. Não tem se intimidado. Tem dito que vai botar para frente essa ideia de lutar por liberdade, por nosso país.” Lindo, não? A China tem Tesla e não tem X: o herói da extrema direita opera como parceiro da ditadura de Xi Jinping. A liberdade –isso ele mede na régua do vil metal.
A esquerda jamais proporciona à extrema direita o monopólio do ridículo. Alexandre Padilha, voz do Planalto, acusou Musk de promover uma “ofensiva truculenta” contra a nação orgulhosa e, excitado, tomou de empréstimo as frases rituais de Maduro: “a nossa soberania está sendo atacada e nós vamos responder com mais soberania”. Sério? Bastaria uma canetada do STF para bloquear o X no Brasil.
Liberdade de expressão não é um direito absoluto. A lei brasileira impõe-lhe limites, a fim de incrustá-la na arquitetura de um conjunto de direitos em perene tensão. Veta-se calúnia, injúria e difamação. É proibido incitar à violência contra instituições, grupos sociais ou indivíduos. São parâmetros que desagradam tanto à extrema direita quanto à esquerda.
Médici, Pinochet, Bin Salman. André Mendonça, ministro do Arbítrio de Bolsonaro, abriu investigações contra críticos de seu mestre com base na Lei de Segurança Nacional. Liberdade de expressão, segundo os extremistas de direita, é a liberdade das milícias digitais. Venezuela, Cuba, a Rússia de Putin, a “democracia relativa” lulista. Liberdade de expressão, segundo a esquerda fóssil, é a liberdade para eles mesmos –e a censura para os que divergem. Daí, a cacofonia do debate em curso.
Alexandre de Moraes habituou-se à justiça de exceção empregada nos anos em que Bolsonaro tramava o golpe de Estado. Inspirado pelo conceito de “democracia militante”, um contrabando alemão de Gilmar Mendes, passou da punição legal do discurso criminoso ao bloqueio de contas em redes sociais. O nome disso é censura prévia do discurso futuro, algo vetado pela Constituição.
Embriagado pelo poder, o STF oferece-lhe amparo –e ainda decide responsabilizar a imprensa profissional por declarações de entrevistados. Bananas e bandeiras: a esquerda aplaude extasiada, sem atinar para a hipótese de que, amanhã ou depois, o alvo seja ela. Na trajetória insana, monta-se um palanque iluminado para as bazófias de Musk e circunda-se um pistoleiro digital bolsonarista foragido com a auréola do martírio.
O teatro passa, o ruído cessa. Musk não será punido por crimes que não cometeu. As plataformas de redes sociais continuarão protegidas pelo manto da irresponsabilidade legal. Ao som do mar e à luz do céu profundo, seguiremos fingindo que os crimes digitais de verdade não existem.
LULA ESTÁ NÚ, por Fernando Canzian, no jornal Folha de S. Paulo
“Só quando a maré baixa é que descobrimos quem estava nadando pelado.” Atribuída ao investidor Warren Buffett, a máxima expôs nesta semana a fragilidade de Lula na economia.
Bastou o mercado global ver sinais de que os EUA não baixarão os juros tão cedo, frente a pressões inflacionárias, que as perspectivas para emergentes desajustados azedaram. Moedas locais perderam valor, com impactos na inflação, à medida que investidores correram para títulos dos EUA.
Caso do Brasil, onde o arcabouço fiscal oferece baixa credibilidade de que diminuirá a relação entre a dívida bruta e o tamanho do PIB —indicador de solvência do país. No fim de 2023, a proporção era de 74,3%, mas o mercado (Focus) enxerga 87% em 2030.
O mecanismo não é complicado. Investidores preferem garantir entre 5,25% e 5,50% ao ano em papéis do Tesouro dos EUA, para uma inflação de 3,5%, do que arriscar dinheiro no Brasil. Ou, alternativamente, exigem juros maiores do Tesouro brasileiro —e eles subiram para 6% ao ano (mais IPCA) nesta semana, ante 5,5% em janeiro (caso das NTN-B).
Há duas saídas para reduzir a relação dívida/PIB. Crescer mais ou fazer superávits primários, a economia no gasto para abater dívida. Até aqui, o Brasil não cortou despesas; e aumenta impostos para fazer superávits. Mas não está funcionando.
Do lado do PIB, o país cresceu 3% em 2022 e 2,9% em 2023, níveis turbinados, respectivamente, por gastos bilionários de Jair Bolsonaro na eleição e a PEC da Transição (R$ 145 bilhões) de Lula.
O anabolizante do gasto acabou. Passa-se agora ao aumento do crédito; e as novas concessões de empréstimos cresceram 9,1% em 12 meses até fevereiro. É sustentável? Só se o juro cair, algo incerto agora.
Não há também muita perspectiva para investimentos produtivos sustentarem o PIB. Quem investirá numa nova fábrica ou comércio se, sem fazer nada, ganha-se 6% ao ano, mais inflação, emprestando a um governo gastador?
Aguardo a opinião do amigo sobre os “novos” secretários. A coisa estava feia, agora parece que piorou.
Comentar exatamente o quê além do que se comenta e se espanta na cidade? Meus leitores e leitoras já sabiam que este não será ainda o pior do final
Fim de feira, sem xepa e embrulhada em chantagem
ALGUMA COISA ALÉM DE MUSK, por Fernando Gabeira, no O Globo
O choque entre Elon Musk e Alexandre de Moraes apenas começou, mas tem o potencial de se transformar numa Batalha de Itararé, célebre por não ter acontecido.
Musk prometeu liberar contas proibidas no X e divulgar a correspondência com Moraes, para demonstrar que o ministro não respeitou a lei. Por sua vez, Moraes decidiu investigar Musk no inquérito das fake news e prometeu multas pesadas à plataforma do empresário.
Musk não avançou inicialmente na sua denúncia sob o argumento de que não queria expor seus funcionários no Brasil. Ocorre que, funcionando no Brasil, não tem condições de remeter os processos para os EUA. Em outras palavras: ou tem funcionários aqui e os expõe com suas decisões sobre contas brasileiras ou fecha o escritório no Brasil.
Musk lança foguetes, produz carros elétricos, instala a internet no coração da Floresta Amazônica. Sua biografia inspira gritos de Caramuru , Caramuru. No entanto, o conflito com Moraes acaba mascarando problemas de dimensão planetária, como, por exemplo, a regulamentação das redes sociais.
Há um embate entre governos democráticos e as grandes plataformas. A Alemanha conseguiu aprovar uma lei e, recentemente, a Escócia aprovou um ato contra o discurso de ódio, muito discutido no mundo inteiro e que, certamente, desagradou Musk.
Infelizmente, o enlace entre Musk e a oposição brasileira torna difícil a aprovação de um projeto desse tipo no Brasil, apesar de a aparição do bilionário no cenário político nacional ter tornado o tema mais urgente.
As grandes plataformas estimulam o medo de censura nos projetos de regulação e a extrema direita se apega a isso para resistir a algo que poderia ser bom para todos.
Para que isso aconteça, seria necessário um processo amplo de discussão, e, infelizmente, não há clima no momento.
Outro problema que a súbita aparição de Musk colocou é a percepção da qualidade da democracia no Brasil. Faz algum tempo que a direita insiste, nos EUA, em defender a tese de que o país vive uma ditadura mascarada, com inúmeros ataques. A experiência mostra que campanhas desse tipo no exterior tendem a ganhar simpatia, sobretudo se não se divulgar que tipo de expressão que foi reprimida.
Digamos que uma coisa é afirmar que sua liberdade de crítica foi criminalizada, outra é dizer que você não aceitou as eleições, monitoradas interna e internacionalmente, e incitou os generais a darem o golpe e inverterem o resultado das urnas.
Neste caso, a democracia rejeitou as teses de derrubada da democracia, isto é, cuidou de sua autopreservação.
Não tem sentido um país com corpo diplomático e tantos recursos de comunicação simplesmente fingir que não está ouvindo as tentativas de mobilização de parlamentares estrangeiros, as entrevistas na televisão, enfim, deixar de dar resposta aos que questionam.
Tudo se passa como se fosse apenas um confronto do Supremo Tribunal Federal (STF) ou mesmo de um só ministro do STF com toda a oposição. A defesa da democracia não se pode basear apenas nesse aspecto parcial.
Isso porque caímos num campo em que há, ainda, fragilidade. Contas são suspensas nas redes sociais, pessoas são impedidas de seguir participando do debate, sem que haja transparência nas decisões.
Para enfrentar o debate sem que a extrema direita avance numa ofensiva internacional, é preciso que o governo de frente democrática assuma as rédeas de sua própria defesa e que o próprio STF, cada vez que tomar uma medida restritiva, a comunique com a transparência necessária.
A adesão de Elon Musk ao discurso da extrema direita brasileira significa uma espécie de boia num momento em que seu líder parece afogar numa série da processos que vão desde vacinas falsas à tentativa de golpe de Estado.
Ninguém pode se espantar com a tática de vitimização que está sendo desenvolvida no exterior, principalmente nos EUA. Sempre foi assim, é uma das armas que a oposição usa, seja de direita ou de esquerda. O problema central é como encarar essa tática, respondê-la com tranquilidade e firmeza e nunca oferecer mais argumentos para a vitimização.
Se o centro do debate for entre a justiça e a oposição, esta sempre tentará tensionar a corda à espera de argumentos que possam confirmar sua tese. Naturalmente que crimes contra a democracia têm de ser punidos, mas é necessário também distinguir o que é apenas provocação, aquilo que pode ser respondido com inteligência e ironia.
O episódio Musk mostra como várias iscas serão lançadas – aliás, já estão sendo lançadas cotidianamente. O clima de polarização facilita reações emocionais e as pessoas têm um genuíno orgulho de duelar verbalmente com o adversário.
Considerando todas as circunstâncias, sangue frio e análise política farão muita falta nesta onda de provocações que deve aumentar, inclusive diante das dificuldades de um governo que ainda não se encontrou completamente. É preciso se preparar, daqui a pouco chegam as eleições americanas e o resultado pode nos colocar novos desafios.
“LALALALALÁ, NÃOI TÔ OUVINDO NADA”, por Vera Magalhães, no jornal O Globo
Quando eu era pequena, era comum as crianças fazerem birra com colegas ou com os pais quando não queriam participar de uma brincadeira ou tomar banho naquela hora. Tapavam os dois ouvidos com os dedos e, com petulância, cantarolavam: “Lalalalalá, não tô ouvindo nada”. É até bonitinho com pequenos, mas, quando políticos ou seus apoiadores agem assim em relação às más notícias ou às estratégias do polo adversário, passa a ser temerário.
O instituto Quaest fez uma pesquisa com recorte inédito: comparou a aprovação a Lula e ao governo federal à de quatro postulantes a herdeiro do voto de Jair Bolsonaro nos estados por eles governados. O resultado foi favorável aos oposicionistas em São Paulo, Minas Gerais, Goiás e Paraná.
Com os dedinhos nos ouvidos, apoiadores de Lula dizem que, com exceção de Minas, o petista já não venceu nesses estados, o que não mudaria em nada a realidade nacional e o cenário para 2026. Será?
Não. Fosse assim, o Planalto não estaria atrás de produzir boas notícias em qualquer área, atirando a esmo e sem clareza de quem precisa atingir, e de que forma. Só agora estão no radar mudanças no crédito imobiliário, mandingas para baixar a conta de luz na marra — algo que foi feito no governo Dilma Rousseff com resultado desastroso — e reajuste para servidores públicos. Medidas que não conversam entre si e que não são tiros certeiros na busca por maior popularidade.
E, por falar em tiro, foi na área da segurança pública — essa sim crucial para qualquer disputa eleitoral de agora até 2026, inclusive as eleições municipais de outubro — que o governo pode ter dado mais um tiro no pé. Contrariando os conselhos da ala política do governo, Lula resolveu vetar parcialmente o projeto de lei que proíbe a “saidinha” de presos. Foi um veto pontual, mas que estabelece uma exceção considerada difícil de fiscalizar pelos caciques do Congresso, aqueles que terão o poder de derrubar o veto. A tendência é que mais esse não fique de pé, como tem sido o destino de muitas das intervenções de Lula a projetos aprovados pelo Parlamento.
Um presidente cujos vetos são abatidos em série demonstra fraqueza diante do Legislativo. Cheiro de sangue na água é algo que partidos e congressistas não costumam deixar passar batido. Cobram um preço cada vez maior por um apoio cada vez mais incerto e traiçoeiro.
Por que, então, enfrentar tal desgaste? Ainda mais às vésperas de uma eleição em que até candidatos a prefeito serão forçados pelo eleitor a apresentar soluções (factíveis ou não, porque o tema não é de alçada municipal) para a violência que tira o sono de cidadãos nas grandes cidades. “Qual a capital em que o PT vai vencer?”, me questionou nesta quinta-feira um observador privilegiado, com assento nesse Congresso de que o Planalto se distancia dia a dia. De fato, não é simples apontar uma.
Enquanto as pesquisas e a política fornecem dados de sobra para o governo se preocupar três anos antes da eleição, a atitude continua sendo negar a realidade. A força de nomes como Tarcísio de Freitas, Ronaldo Caiado e Romeu Zema “em casa” representa a evidência de que, mesmo com as sucessivas tentativas de golpe que tentou engendrar, mesmo com as joias sauditas, mesmo inelegível, Jair Bolsonaro segue sendo cabo eleitoral perigoso. E, depois de 25 de fevereiro, na Avenida Paulista, parece ter reorganizado a tropa e deflagrado a própria “sucessão”, com o governador de São Paulo largando na frente.
O ex-presidente também já colocou em campo um plano para fazer maioria no Senado — aliados seus falam numa bancada de 37 a 45 bolsonaristas raiz na Casa em 2027. Seria prudente destapar os ouvidos, abrir os olhos e sair da negação, e isso não tem nada a ver com fazer um “catadão” de medidas aleatórias e sem efeito concreto naquilo que o eleitor considera prioridade.
E como votaram nossos “representantes” na Câmara Federal (a matéria está no Senado)? Favoráveis à volta do seguro obrigatório: Ana Paula Lima (PT), Carlos Chiodini (MDB), Valdir Cobalchini (MDB), Darci de Matos (PSD), Fabio Schiochet (União Brasil), Ismael dos Santos (PSD), Jorge Goetten (PL) e Pedro Uczai (PT). Todos fazendo vídeos se justificando.
Contrários à volta do seguro obrigatório: Caroline de Toni (PL), Daniel Freitas (PL), Daniela Reinehr (PL), Geovania de Sá (PSDB), Gilson Marques (Novo), Julia Zanatta (PL), Rafael Pezenti (MDB), Zé Trovão (PL)
RECRIAÇÃO DO SEGURO OBRIGATÓRIO REFLETE A SANHA ARRECADATÓRIA DO GOVERNO, editorial de O Globo
Quase cinco anos depois de extinto, o seguro obrigatório para vítimas de acidente de trânsito, antes conhecido pela sigla DPVAT, promete voltar, rebatizado como SPVAT, por meio de projeto de lei complementar apresentado pelo governo, aprovado na Câmara e enviado ao Senado. Será mais uma taxa a ser paga a um Estado conhecido pela voracidade nos impostos. O texto aprovado na Câmara ainda considera penalidade grave, de acordo com o Código de Trânsito Brasileiro, não pagar o novo SPVAT.
A partir do governo Temer, o seguro obrigatório começou a ser extinto. Em 2018, o Conselho Nacional de Seguros reduziu sua tarifa em 63%. No ano seguinte houve novo corte, até a taxa ser extinta em 2020, quando valia apenas R$ 1,06 para carros particulares. O novo projeto estabelece a destinação de 35% a 40% da arrecadação, centralizada na Caixa, a municípios e estados em que haja serviço de transporte coletivo. O SPVAT recebeu, assim, apoio de prefeitos e governadores. Outro argumento de seus defensores é parte dos recursos ser destinada ao SUS.
Ambos são argumentos frágeis. Financiar o transporte coletivo ou o SUS são deveres de União, estados e municípios, haja ou não seguro obrigatório. O proprietário de veículos deveria ter a liberdade para contratar apólices junto à seguradora de sua preferência, ou então arcar com o ônus de acidentes. A existência de um mercado pujante de seguro automotivo no Brasil mostra que existe demanda pelo serviço e que o Estado não precisa se meter a criar um novo imposto a pretexto de garantir a segurança dos motoristas.
A cobrança do DPVAT sempre esteve sujeita a fraudes. Auditorias do Tribunal de Contas da União revelaram que, de 2005 a 2015, houve desvios de R$ 2,1 bilhões do fundo do seguro. Em 2015, a Polícia Federal deflagrou uma operação antifraudes e, no ano seguinte, as indenizações do DPVAT caíram 33,4%. Em 2017, mais de 17 mil pedidos de indenização fraudados foram retidos, somando R$ 223 milhões. Sinal de que os esquemas de assalto ao DPVAT haviam sido reativados.
Nas investigações da PF, foram descobertas indenizações pagas a quem sofrera acidentes andando a cavalo ou de bicicleta. Advogados pediam indenização sem conhecer as vítimas e embolsavam o dinheiro. Um policial civil, preso pela PF, cobrava R$ 100 por boletim de ocorrência fraudulento. Inventou 6 mil desastres de trânsito em um ano. A criação do SPVAT trará nova oportunidade a esse tipo de crime.
O governo tem justificado sua sanha arrecadatória com a necessidade de cumprir as metas fiscais. O caminho para isso não deveria ser criar mais impostos, mas reduzir gastos e aumentar a eficiência da máquina pública. Uma estimativa do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação calcula que, no ano passado, o brasileiro trabalhou até o dia 27 de maio, quase cinco meses, apenas para pagar tributos, mais que americanos, britânicos, argentinos, chilenos, mexicanos ou espanhóis. O Senado ainda tem a chance de rejeitar a ressurreição do DPVAT e evitar que essa situação piore.
Correção: Delegado Egídio está no PL, e não no PRD. Abraço e bom final de semana (chuvoso).
Obrigado. Corrigido. Foi tanta confusão nesta troca…