Como estes assuntos não aparecem comentados na imprensa de Gaspar, resolvi não emendar o feriado. Há questões que precisam continuar a serem esclarecidas, além dos áudios-vídeos das conversas cabulosas.
Finalmente, depois de quase um ano, dia a dia, diante dos passantes, dos vizinhos que foram prejudicados nos seus negócios, dos técnicos da secretaria de Obras e Serviços Urbanos, do prefeito Kleber Edson Wan Dall, MDB, do vice-prefeito Marcelo de Souza Brick, Patriota ou PL, sei lá, bem como dos vereadores da Bancada do Amém – MDB, PP, PDT, PSD e PSDB -, a barranca quase na foz do ribeirão Gaspar Mirim que comia as ruas Rio Branco e José Rafael Schmitt, aqui no Centro, bem como interditava parte da ponte Genésio Deschamps, está praticamente restaurada. Esta é a notícia.
Pinço ela, para mostrar uma rotineira – e aceita já como natural – à fragilidade, repetida, de um governo que vive de marquetagem amadora, errática, cara aos bolsos dos contribuintes e que no fundo, trabalha contra ele próprio. E isto ocorre em pleno anos 20 do século 21 e rodeado de exemplos de desenvolvimento e soluções que nos chegam pelo mundo virtual como se tivéssemos dentro e participantes nele, mas também, e principalmente, pelo que fazem nossos vizinhos como Blumenau, Brusque e Itajaí com problemas ou desafios semelhantes.
É espantoso saber que um governo que tem no seu slogan um tal “Avança Gaspar” se deixou engolir por uma cratera física, surgida de um simples desbarrancamento. Este é o melhor retrato do que realmente avançou: à sua inércia. Não para grandes projetos, que não existem, mas para as simples ações de manutenção daquilo que se deteriora ou nos surpreende diante da ação incontrolável do tempo.
Este é de fato – e bem diferente das dezenas de postagens que faz diariamente nas redes sociais – o governo Kleber e Marcelo, com a Bancada do Amém. Esta, aliás, onde estão onze dos 13 vereadores – produz centenas de indicações ao prefeito e secretarias para ações banais de manutenção, todas elas, ouvidas vejam só, de seus eleitores e eleitoras e dos quais, são em tese portadores.
Incrivelmente, por outro lado, esta mesma esmagadora bancada de apoio a um governo que lhe falta com o mínimo, se está impedida de fiscalizá-lo, também não foi capaz de produzir recados para ajudar o próprio governo a mudar este estado de inércia ou de real incompetência. Por consequência, esta Bancada do Amém, com o seu fingimento de que está tudo bem na cidade, incrivelmente, contribuiu para deteriorar a imagem do próprio governo que representa, usufrui e dá votos caixão para a mediocridade ser o melhor dele.
Coisa de malucos. Estes onze vereadores já estão pagando a conta. E vai ser pior e caro aos que mais precisam: votos. Esperem outubro do ano que vem e confiram este escrito.
Esse desbarrancamento nasceu de drenagens mal planejadas e executadas. Elas deram sinais, na barranca do ribeirão há um ano. A cada chuva forte, mais um pedaço ia para dentro do ribeirão. Todos vendo. Todos avisando. E a prefeitura inerte, até que se tornou um problema de grandes proporções e ela dizia que não mais conta sozinha. Então saiu culpando equivocadamente à natureza.
A natureza fez à sua parte. O homem que mexeu nela (aterros, avanço nas barrancas e drenagens), não fez direito dele e quando ela rejeitou à lambança, não consertou a tempo e com qualidade. Simples assim. E tudo se tornou pesaroso e caro para o cidadão pagador de pesados impostos.
É ou não é um exemplo de má gestão? Como em Gaspar não temos prefeitura e sim “prefa”, o marketing desta vez acertou na mosca no apelido daquilo que não funciona, está sob dúvidas conforme revelam áudios que vazaram de conversas cabulosas em gabinetes oficiais. A “prefa”, por ser “prefa”, naturalmente, não consegue produzir sequer o mínimo: ações de manutenção da cidade. Nada anormal para quem defende que a ligação entre Brusque e Gaspar não seja duplicada.
Voltando e encerrando com um exemplo, entre à multiplicidade que há, basta correr a lista de indicações da própria Câmara dos dois últimos anos, porque é uma repetição do mesmo dos últimos seis anos.
Um ano depois do primeiro sinal, em um mês, a obra de recuperação da barranca do ribeirão Gaspar Mirim está quase pronta a um custo oficial – segundo a placa que apareceu finalmente por lá – de R$419.605,86, sendo que R$388 mil da Defesa Civil do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, PT, porque a Defesa Civil do governador Jorginho Mello, PL, alegou que estava sem caixa para este socorro.
Era algo que poderia ter sido evitado nestas proporções, mas que só foram às soluções quando ele já estava estrangulando o trânsito no Centro. E quem é o engenheiro fiscal da obra: Ricardo Paulo Bernardino Duarte, lotado da secretaria da Educação. Não deveria ser alguém da secretaria de Planejamento Territorial? Acorda, Gaspar!
TRAPICHE
Os políticos reclamam quando pegos nas armadilhas que armam contra si próprios. O presidente da Câmara, Ciro André Quintino, MDB, o campeão em diárias, foi a Brasília nesta semana, sem uma agenda conhecida previamente. O custo em diárias foi R$2.020,00, afora as passagens aéreas e o deslocamento até o aeroporto de Navegantes. De lá ele mandou a notícia:
Tinha “conseguido” uma máquina retroescavadeira, segundo ele, a um custo superior a meio milhão de reais – provavelmente de uma emenda parlamentar do deputado no Orçamento da União. Esta máquina, segundo ele, vai atender a secretaria de Obras e Serviços Urbanos e a secretaria da Agricultura e Aquicultura. Ciro fez o vídeo do gabinete do deputado Federal, Carlos Chiodini, MDB, de Jaraguá do Sul, de quem é cabo eleitoral por aqui. O deputado não estava lá. Sequer apareceu no vídeo.
Quais as armadilhas? Primeiro, a viagem em si. Só desgaste naquilo que o vereador está marcado e quer se livrar para ter chances de ser um político viável e confiável a candidatura a prefeito. Segundo a chancela de que não precisava ir a Brasília para ter e dar esta notícia aos gasparenses. Ele próprio provou no vídeo que fez no gabinete do deputado.
Com uma diária de R$300,00, Ciro vai a Jaraguá do Sul ou a Florianópolis e faz o mesmo vídeo informativo nos gabinetes do deputado ou no diretório estadual do MDB, do qual Chiodini, é presidente. E se quer mesmo livrar da pecha que o incomoda, Ciro teria trazido o deputado para perante o seu eleitorado aqui, dar a notícia e avalizar o próprio Ciro. Impressionante a quantidade de erros táticos e de assessoramento.
Outra. Para que máquinas se a prefeitura tem preferência pela contratação de máquinas de terceiros, em contratos milionários e mal fiscalizados? Para que máquinas se não há operador especializado e quando há, esses equiupamentos logo cedo acabam parando nas oficinas de cara manutenção por erros de uso e operação? Até para enterrar uma vaquinha, estes dias, alegou-se falta de máquina e operador, e quem fez o serviço? Um terceiro que trabalhava ali por perto no Oleo Grande para a prefeitura.
Como se vê, bem claramente, Ciro foi passear e no aeroporto, ainda aproveitou para tirar uma foto com o senador bolsonarista Jorge Seif, PL. Justificou espertamente o gasto em diária com a contrapartida da máquina, que não se sabe quando chega por aqui. O que o fundo Ciro provou mais uma vez com o vídeo? Que em tempos de vida on-line, transparência e cobrança da sociedade sobre os políticos, não precisa ir a Brasília para gravar um vídeo com este tipo de notícia para a cidade e possíveis eleitores. Acorda, Gaspar!
Quebrando a tradição. O Tradicional torneio do Primeiro de Maio do Clube Atlético Tupi, de Gaspar, não será no Dia Primeiro de Maio. Será neste domingo, dia 30 de Abril.
Finalmente. Diante de tantas evidências, o Ministério Público que atua no Tribunal de Contas Estado começou a ser interessar pelos supostos desalinhos da administração de Kleber Edson Wan Dall, MDB e Marcelo de Souza Brick, Patriota, ou PL, sei lá. Antes tarde, do que muito tarde.
12 comentários em “UM EXEMPLO DE MÁ GESTÃO. A MARGEM DO RIBEIRÃO GASPARINHO ESTÁ QUASE PRONTA DEPOIS DE QUASE R$420 MIL PARA REMENDAR À FALTA DE MANUTENÇÃO”
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XI JINPING ENTRE MOSCOU E BERLIM, por Demétrio Magnoli, no jornal O Globo
A China rompeu a inércia. A conversa telefônica entre Xi Jinping e Volodymir Zelensky — concluída pela nomeação de um “enviado à Ucrânia e a outros países” com a missão de promover uma solução política para a guerra — muda as regras do jogo. A iniciativa pode ser interpretada como, apenas, um expediente destinado a congelar o cenário militar às vésperas da aguardada contraofensiva ucraniana. Contudo parece indicar bem mais que isso.
Segundo uma tese largamente difundida, interessaria à China o prolongamento da guerra. Por essa via, Xi almejaria ossificar a aliança desigual sino-russa e provocar fissuras crescentes entre Washington e seus aliados europeus da Otan, que sofrem as consequências da crise de oferta energética. A visita do francês Emmanuel Macron à China seria prova de que o tempo pesa favoravelmente à potência asiática, ainda mais diante da aproximação de uma perigosa eleição presidencial nos Estados Unidos.
O raciocínio ignora o objetivo econômico estratégico chinês de conservar acesso ao mercado consumidor europeu. O ambicioso projeto chinês Belt and Road (ou Nova Rota da Seda) destina-se a conectar a Ásia Oriental à Europa, o que inspirou analistas cínicos a batizá-lo como Ferrovia Pequim-Berlim. As relações sino-europeias tornaram-se ainda mais vitais, para os dois lados, diante do nacionalismo econômico americano promovido tanto por Donald Trump quanto por Joe Biden. As extensas restrições impostas pelos Estados Unidos à indústria chinesa de semicondutores não deixam a Xi a alternativa de perder a Europa.
A “amizade ilimitada” entre China e Rússia, proclamada pouco antes da invasão russa da Ucrânia, tem limites. Há pouco, o embaixador chinês na França, um dos wolf warriors, como ficaram conhecidos os diplomatas da tropa de choque de Xi, colocou em questão a legalidade das fronteiras dos “Estados pós-soviéticos”. A curiosa declaração, que implicaria negar pleno reconhecimento às fronteiras da própria Rússia, mirava a Crimeia — e provocou escândalo na Europa. Ato contínuo, o governo chinês desautorizou seu enviado, reafirmando adesão à soberania territorial de todas as nações.
Nenhuma declaração oficial chinesa — nem mesmo seu dúbio “plano de paz”, que congelaria temporariamente o cenário militar — sugeriu a cessão de territórios ucranianos à Rússia. Entre os líderes nacionais relevantes, com a óbvia exceção de Vladimir Putin, somente Lula ousou insinuar um caminho de paz baseado na destruição da integridade territorial da Ucrânia.
Não interessa a Xi associar-se a Putin numa guerra sem fim que deflagraria a desconexão econômica da Europa com a China. Entretanto uma nítida derrota russa atingiria os interesses vitais chineses, pois sua consequência quase certa seria a derrocada do regime de Putin.
Na etapa inicial da Guerra Fria, a China operou como parceiro menor da União Soviética e depois, a partir de 1972, transitou à condição de parceiro secundário dos Estados Unidos. O pós-Guerra Fria, especialmente depois da ascensão de Xi, inaugurou a rivalidade global sino-americana e, ao mesmo tempo, inverteu a balança de poder China/Rússia. Na nova aliança sino-russa, é a Rússia que opera como parceiro menor. Estrategicamente, o interesse chinês é preservar a aliança com a potência nuclear euroasiática, evitando o isolamento geopolítico. Trata-se de impedir, a todo custo, que Putin seja tragado no vórtice de sua aventura ucraniana.
O “plano de paz” chinês menciona a soberania “de todos os países”, mas não condena a agressão russa e a violação da integridade territorial ucraniana. Exercitando-se na barra assimétrica da ambiguidade, Xi encara o enigma de conciliar os imperativos contraditórios de resguardar os laços econômicos com a Europa e os laços político-militares com a Rússia de Putin.
O líder chinês carece de poderes mágicos. No cenário de impasse militar atual, inexiste solução diplomática capaz de assegurar tanto a integridade territorial da Ucrânia quanto a sobrevivência do governo grão-russo de Putin. Xi sabe disso. Fala sobre paz e negociações para o público europeu, não para a Rússia ou a Ucrânia.
MILITÂNCIA SEM GRAÇA, por Lygia Maria, no jornal Folha de S. Paulo
Há por aí uma cruzada contra o riso. Humoristas como Ricky Gervais e Dave Chappelle já notaram o problema. “Essa guerra contra as piadas precisa acabar”, afirmou o comediante Bill Maher em seu programa da HBO, após relatar diversos casos de cancelamentos de colegas de profissão —e muito pode ser dito sobre esses três, menos que são conservadores de direita.
O mais curioso, para não dizer absurdo, é o fato de que a turba indignada em nada se parece com velhinhas carolas ou milicos golpistas. Na verdade, são ditos progressistas com curso superior. Como disse Maher, “antes, os jovens iam para faculdade para perder a virgindade; hoje, vão para perder o senso de humor”.
A perseguição não afeta só comediantes, nem é causada apenas por piadas preconceituosas. Qualquer cidadão que use uma rede social já se viu enredado em discussões sem sentido porque parte dos leitores é incapaz de compreender ironia, até quando usada contra políticos.
De fato, o mecanismo intrínseco dessa figura de linguagem, descrito brilhantemente por William Empson, é: “A, falando de modo irônico, é entendido como pretendia por B, mas não por C, um tirano estúpido”.
Não gostar de uma piada, ou não compreendê-la, é normal. O nefasto é promover ataques em bando para que o autor do chiste seja demitido e não consiga mais trabalhos.
Não é preciso agir como censor para que o humor se adapte a novos tempos. Das piadas de A Praça é Nossa para o humor ácido e político da TV Pirata e do Casseta & Planeta, não houve cancelamentos. Mudanças vieram aos poucos pela escolha do público consumidor —mecanismo básico do livre mercado, que vale para bens materiais e simbólicos.
Opor-se à cruzada contra o riso não tem nada a ver com defesa do machismo, do racismo, da homofobia etc. Trata-se de preservar essa habilidade tão humana crucial para o funcionamento das democracias modernas. Afinal, ridicularizar figuras de autoridade e ideias totalizantes é nossa vacina contra a tirania.
LIRA ARTICULA A PRIMEIRA DERROTA LEGISLATIVA DE LULA , por Josias de Souza
Nada de mal acontece ao governo no Congresso que não seja esplêndido diante do que ainda está por acontecer. No momento, o presidente da Câmara Arthur Lira articula a primeira grande derrota legislativa de Lula. Engatilhou a derrubada de um par de decretos editados pelo presidente para modificar o Marco do Saneamento Básico aprovado pelo Congresso e sancionado por Bolsonaro em 2020. O tiro seria disparado na última quarta-feira. Lira optou por conceder a Lula prazo de uma semana para recuar. O Planalto rediscute o tema. Mas ainda não esboçou a intenção de dar meia-volta.
O embate do saneamento ocorre contra um pano de fundo manchado por um antigo dejeto: a construção da governabilidade a partir do relacionamento financeiro promíscuo entre Executivo e Legislativo. Sob Lula, o Planalto opera para transferir do gabinete de Lira para os ministérios o gerenciamento da distribuição das emendas orçamentárias que compram o apoio dos parlamentares às iniciativas do governo. Lira reage armando ciladas congressuais para Lula. Mimetiza o estilo do mentor Eduardo Cunha, o deputado que infernizou a gestão de Dilma Rousseff.
Os decretos de Lula presentearam Lira com a oportunidade de exercitar o fisiologismo manuseando uma causa nobre. O Marco do Saneamento Básico foi recebido como novidade benfazeja. Colocou a iniciativa privada num setor em que o Estado revelou-se historicamente ineficaz. Há no Brasil cerca de 100 milhões de pessoas sem acesso à rede de esgoto. Algo como 35 milhões de brasileiros não dispõe de uma torneira com água potável em casa. Fixou-se a ambiciosa meta de universalizar o provimento de água e esgoto em dez anos.
A nova legislação do saneamento não extinguiu as companhias estaduais. Apenas estabeleceu regras que forçam os estados a se estruturar se quiserem disputar com grupos privados. Os decretos de Lula produziram subterfúgios que permitem às empresas estaduais assumir a prestação de serviço, sem licitação, a agrupamentos de municípios. Lira chamou o arranjo de “absurdo retrocesso”. Reiterou sua contrariedade em entrevista publicada neste domingo pelo jornal O Globo.
“Em determinados temas, não dá para retroceder”, disse Lira. Para ele, Lula e o petismo já não podem exercitar seus pendores estatistas livremente. “O Congresso foi eleito num viés completamente diferente do Executivo. Existem as questões do governo como, por exemplo, as alterações no Marco do Saneamento Básico por meio de decretos. O Congresso não aceita que uma lei seja alterada assim.” Ficou entendido que, se quiser modificar uma legislação votada pelos parlamentares, Lula precisa enviar um novo projeto de lei ao Congresso, acionando sua maioria.
Na mesma entrevista, Lira fez questão de realçar que Lula ainda não dispõe de base congressual sólida. No início de março, antes do aniversário de 100 dias do governo, o presidente da Câmara já havia armado seus botes com a seguinte declaração: “Teremos um tempo para que o governo se estabilize internamente, porque hoje o governo ainda não tem uma base consistente nem na Câmara nem no Senado para enfrentar matérias de maioria simples, quanto mais matérias de quórum constitucional”.
Decorridos quase dois meses, Lira agora diz coisas assim: “Qual é a realidade desta legislatura? Aprovamos a PEC da Transição, que foi votada no governo anterior, mas com gerência completa da equipe do Lula. Depois, houve uma acomodação e a formação de um governo de coalizão, com troca de ministérios por apoios, que está comprovado que não vai dar certo. As emendas [orçamentárias] resolvem isto sem ser necessário um ministério. Da forma como está, parlamentar fica com o pires na mão e um ministro, que não recebe votos e não faz concurso, é quem define a destinação de R$ 200 bilhões para municípios do Brasil.”
Do modo como se expressa, Lira parece sofrer com a abstinência do orçamento secreto, o mecanismo adotado sob Bolsonaro para terceirizar, sem transparência, a execução de quase R$ 20 bilhões da caixa registradora do Tesouro Nacional. Condenadas, por inconstitucionais, pelo Supremo Tribunal Federal, as emendas sigilosas foram redistribuídas. Um pedaço foi destinado ao bolo de emendas individuais e de bancada. Outro naco, de cerca de R$ 9 bilhões, mudou de rubrica —RP9 virou RP2— e foi devolvido aos ministérios. Os parlamentares continuam definindo para onde a verba deve ser enviada. Mas a fila agora não se forma na frente do gabinete de Lira, mas nos guichês da Esplanada.
“Eu sempre disse que o orçamento é muito mais democrático se decidido por 600 parlamentares do que por dez ministros”, afirmou Lira ao Globo. “Me elegi sem RP-9 e tenho tido uma boa relação sem ela. Não interfere em nada na minha vida. Mas, na governabilidade, sim. Sabemos o que os partidos querem: favorecimento de obras e serviços públicos para aumentar o seu escopo político e atender as suas bases. O governo precisa se organizar, mais especificamente a Secretaria de Relações Institucionais.”
Chama-se Alexandre Padilha o ministro que comanda a Secretaria de Relações Institucionais. Responsável pela articulação política do governo, é ele quem gerencia, como preposto de Lula, o balcão de cargos e emendas. “Um sujeito fino e educado”, assoprou Lira, antes de morder: “Mas tem tido dificuldades. Não tem se refletido em uma relação de satisfação boa. Talvez a turma precise descentralizar mais, confiar mais. Se você centraliza, prende muito. Há dificuldade, talvez pelo tempo que o PT passou fora do poder.”
Juntando-se todas as frases de Lira, o que ele disse, com outras palavras, foi mais ou menos o seguinte:
1) A aprovação da PEC da Transição, antes da posse, não avaliza a tese segundo a qual a governabilidade é fava contada.
2) O governo ainda não dispõe de votos para prevalecer no Congresso.
3) O velho toma lá de ministérios já não assegura o da cá no plenário da Câmara.
4) O viés conservador do Congresso anulou a pretensão de Lula de fazer o que lhe dá na telha, como em mandatos anteriores.
5) Sem a sua intermediação, a distribuição de emendas via ministérios tampouco eliminará a aparência gelatinosa da hipotética base de apoio do Planalto no Congresso.
Lula e o PT apoiaram a recondução de Lira ao comando da Câmara no pressuposto de que receberiam reconhecimento e gratidão. Sucede algo diferente. Lira faz pose de benfeitor-geral da República, não do governo: “Trabalho para dar tranquilidade ao Brasil. Poderia ter sido eleito presidente da Câmara sem o PT, mas aceitei o apoio e não vou sacanear o governo. Não vou trabalhar contra nem atuar deliberadamente para prejudicar. Mas o presidente da Câmara não é um agregado, ele é um parceiro.”
A parceria inóspita de Lira não se resume ao Marco do Saneamento Básico. Há na Câmara um projeto para derrubar decretos antiarmamentistas de Lula. Num instante em que o presidente intensifica a demarcação de terras indígenas, Lira levou à pauta do plenário projeto sobre o marco temporal que inibe o reconhecimento do direito dos povos originários à posse dos seus territórios. Lira corre para se antecipar ao Supremo Tribunal Federal, que marcou para junho o julgamento sobre o marco temporal.
A atmosfera de chantagem é adensada pela usina de CPIs. Enquanto Lula e seus operadores molham o paletó para garantir maioria na CPI mista do Golpe, Lira colocou para andar uma CPI do MST. “Surgiram mais invasões à Embrapa e a terras produtivas de celulose, principalmente em estados onde o governo estadual é aliado do governo federal”, declarou Lira. “Qual é o risco de não darmos um freio nisso logo? É que a turma do campo está assustada e armada. Para acontecer um problema falta pouco. Integrantes do governo já refutaram as invasões, mas não houve medidas firmes para impedi-las. Então, vai ter CPI.”
Lira se equipa para acomodar no comando da CPI do Golpe o xará e aliado Arthur Maia. Desdenha da hipótese de que o desafeto alagoano Renan Calheiros assuma a presidência ou a relatoria da CPI com o apoio do governo. “Não tenho informação dele querer nem sei dessa vontade do governo. Mas o senador Renan, caso queira ser presidente da CPMI, precisará de votos. Para ser relator, precisará construir um acordo. Não depende do governo.”
Lira enxerga na CPI do golpe como palco para uma “guerra de narrativas”. Apresenta-se como fiel da balança. Atribuiu a adversidade a erros do Planalto. Não parece eximir Lula de responsabilidade. “O governo tentou derrubar, mas se tornou inevitável depois do vídeo do Gonçalves Dias”, declarou ele ao Globo. “A minha pergunta é o porquê deste vídeo não ter aparecido antes. Quem segurou as imagens e decretou sigilo? Como foi parar na mídia? Quem tinha acesso? Se foi o Gonçalves Dias, ele é o homem de confiança do Lula. Se foi o GSI, isto também precisará ser explicado.”
Repetindo a pose de herói da resistência, Lira se oferece como fator estabilizador. “Garanto uma coisa: a pauta do plenário continuará sendo tocada normalmente.” Por ora, a submissão da pauta às conveniências de Lira resultou em paralisia legislativa. Mas o benfeitor-geral distribui acenos ao mercado. “Vamos ajudar nas pautas, como no projeto do arcabouço fiscal. Tudo o que pudermos fazer para que o ambiente de negócios fique melhor, com menos juros e inflação, faremos. Depois teremos a reforma tributária. Essas são as metas até julho.”
Ao entrar no seu quinto mês de existência, o terceiro governo de Lula consolidou uma marca no Legislativo: a ineficiência. É perceptível o refinamento, o cuidado, o acabamento extremo e, sobretudo, o custo com que a o governo atinge essa ineficiência. A aparência é de um parafuso rodando a esmo, com a rosca espanada.
Para dar certo, o governo precisa aprovar as reformas que prometeu. Esperava-se que fosse ágil, para aproveitar o vigor pós-eleitoral. Mas Lula retardou os planos do seu ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Supondo-se que o calendário de Lira possa ser levado a sério, as reformas econômicas serão votadas no Senado no segundo semestre
Nesta semana, a diretoria do Banco Central deve manter a taxa de juros rodando na casa dos 13,75% ao ano. Em público, Lula desferirá novas joelhadas em Roberto Campos Neto, o chefe do BC. Em privado, continuará se queixando de que Lira e as forças do atraso prejudicam o governo no Congresso. Trancos e queixumes servem como desculpa. Mas não resolvem os problemas.
Se os sinais de prosperidade não forem emitidos até o Natal, o brasileiro reclamará de Lula e do governo, não dos presidentes da Câmara e do Banco Central. Nessa hora, Lula talvez perceba que a falta de prosperidade é irmã siamesa da impopularidade.
Lira já não dispõe do apoio dos 464 deputados que o reconduziram ao comando da Câmara. Alguns preferem negociar diretamente com o governo. Mas o imperador da Câmara estruturou um bloco partidário que soma 173 votos. No final do ano, os integrantes desse bloco e seus assemelhados continuarão sendo um problema para o governo, só que bem mais caro
OS MILITARES DO GSI, por Elio Gaspari, nos jornais O Globo e Folha de S. Paulo
Depois da lambança com os golpistas do 8 de janeiro, o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) virou um bode. Bem feito, porque ele se tornou um exemplo do expansionismo burocrático, com os militares palacianos se metendo onde não devem.
Lá atrás, a velha Casa Militar assessorava o presidente nas questões das casernas, mas seu chefe era também o secretário do Conselho de Segurança Nacional. A encrenca começou aí.
Como o governo não tinha um instrumento de coordenação administrativa, além de questões militares, o chefe da Casa Militar era um virtual ministro das Comunicações, com voz em questões de política externa. Depois de 1964, esse poder se expandiu. Em 1969, quando o presidente Costa e Silva perdeu a voz pela segunda vez, perguntou ao chefe do Serviço Médico da Presidência depois de tê-la recuperado:
— Não é derrame o que estou sentindo?
— Não, senhor. Derrame não é. Mas vamos apurar tudo direitinho.
Era. Mas àquela altura, nenhum neurologista havia examinado o marechal. Só aquele médico, um major que obedecia ao general que chefiava a Casa Militar, interessado em blindar o episódio.
Costa e Silva havia sofrido uma isquemia, voltaria a emudecer, perderia os movimentos de um lado do corpo e nunca se recuperaria.
Com o tempo, a Casa Militar se meteu em aventuras nucleares e acompanhou o extermínio dos guerrilheiros do Araguaia. Na redemocratização ela cresceu e virou Gabinete de Segurança Institucional e acabou anexando (de fato) a Abin (Agência Brasileira de Inteligência), herdeira do Serviço Nacional de Informações.
O tempo passou, o governo tem outro tamanho e outra estrutura. O GSI precisa redefinir suas atribuições, limando as generalidades que permitiram sua expansão. Lula resolveu colocar no lugar do general Gonçalves Dias outro militar, também da reserva. Ao contrário de seu antecessor no governo Bolsonaro, ele trabalhou com Dilma Rousseff numa época em que não havia renascido a figura dos generais palacianos.
As roupas que os chefes do GSI têm no armário, importam pouco. A Casa Militar de Costa e Silva era comandada pelo general Jayme Portella, patrono dos generais palacianos. Ele ajudou a arruinar o regime com a edição do AI-5 e a saúde de Costa e Silva.
Curiosamente, o major médico de 1969 foi antecedido e, mais tarde, sucedido no cuidado da saúde do presidente por um coronel da reserva competente e sincero. Chamava-se Américo Mourão.
MACIEL NAS LIVRARIAS
Chegou às livrarias “Underground”, uma coletânea de 72 textos de Luiz Carlos Maciel (1938-2017), um baiano nascido no Rio Grande do Sul, grande figura da cultura nacional nos anos 60 do século passado.
Maciel foi um radical erudito. Como ele mesmo conta na sua introdução, escrita em 2004: “Não é de admirar que, em tais circunstâncias, tanta gente ficasse muito louca. Na verdade, simpatizavamos com a loucura; para nós, era normal.”
Em setembro de 1968, Caetano Veloso, com suas roupas amalucadas e sua música tropical, foi vaiado pelos jovens no teatro Tuca, em São Paulo. A boa norma aplaudia sambões.
Dias depois, Maciel escreveu: “Ao artista que questionava, com sua arte, o mundo burguês deles, acusaram quadradamente de ‘pederastia’. (….) O irracionalismo fascista não precisa de razões; basta-lhe o pânico. A jeunesse dorée tem medo de Caetano Veloso; é mais fácil dançar irresponsavelmente com um retrato do ‘Che’ Guevara do que enfrentar-lhe as verdades. No fundo, sua política e sua estética —para tocar uma questão levantada pelo próprio Caetano — são uma e a mesma coisa.”
Meses depois, Caetano e Gilberto Gil foram presos e se exilaram em Londres. Quando Gil lançou seu album com “Aquele abraço”, Maciel foi sintético: “Só posso aconselhar que o leitor saia correndo para comprar o disco e ouvi-lo. Agora.”
No semanário Pasquim, do qual foi sistemático colaborador, em 1971 Maciel escrevia, sobre a Cannabis sativa, Bob Dylan, Bertrand Russell, Paulo Francis (”nosso melhor profeta”), sexo, cabelo comprido e Martin Heidegger.
Maciel fez teatro, cinema, televisão e jornalismo. Nos anos 60, ele foi uma voz radical e cosmopolita, com tudo o que significava ser culturalmente radical naquele tempo. A coletâna organizada por Claudio Leal expõe sua característica: no meio de muita alegria com algum deboche, ele falava sério.
NOVOS TEMPOS
O senador Eduardo Girão tomou um brilhante contravapor do ministro Silvio Almeida, dos Direitos Humanos, ao querer encenar uma palhaçada presenteando-o com um bonequinho de um feto.
No mesmo dia, o ministro Nunes Marques, do Supremo Tribunal Federal, tomou um contravapor de sua colega Cármen Lúcia ao tratar dos direitos das mulheres com um tom de coronelão paternal.
Os tempos mudam.
LULA E A CHINA
Lula não tem sorte quado fala do passado da China. Em 2003 ele disse por duas vezes que Napoleão Bonaparte esteve na Terra do Meio. Isso nunca aconteceu.
Agora, no meio de suas falas sobre a guerra da Ucrânia, ele disse que “faz muitos anos que a China não faz guerra.”
Fica a impressão de que, desde o fim da Segunda Guerra, a China deixou os outros em paz. Em 1950, ela entrou na guerra da Coreia; em 1959 anexou o Tibet.
Em 1979, a China invadiu o Vietnã com centenas de milhares de soldados. Nas palavras de Deng Xiaoping, “a China precisa ensinar uma lição ao Vietnã”. O ataque tentava dar uma solução de força a disputas fronteiriças e não saiu como Deng esperava. As relações entre os dois países só se normalizaram em 1991.
MONOPÓLIO SINDICAL
Pelo andar da carruagem, o Supremo Tribunal Federal recriará o imposto sindical, com o nome de contribuição, para remunerar a atividade das guildas nas negociações com os patrões.
Antes da reforma de Michel Temer os trabalhadores eram obrigados a dar um dia de serviço aos sindicatos. Com o fim do imposto, as caixas secaram. A ideia da cobrança de uma contribuição aos trabalhadores, sindicalizados ou não, está no Supremo.
O professor José Pastore disse tudo ao tratar do assunto. A questão não está na contribuição em si, mas no monopólio sindical:
“Na maioria dos países democráticos há mecanismos para a viabilização das atividades ligadas às negociações coletivas de trabalho.
Na organização sindical desses países, o conceito de representatividade é crucial. Ele diz respeito à legitimidade e à aceitação dos sindicatos por parte dos seus representados. (…)
Quando eles perdem a confiança dos representados, estes podem se associar a outro sindicato ou criar um novo. É o sistema de liberdade e pluralidade sindical. No Brasil, não existe a exigência de representatividade. (…)
Na unicidade sindical, como praticada no Brasil, o sistema é monopolista e garantido para o resto da vida. Os descontentes não têm aonde ir.”
Impressionante o grau de “despiorização” da gestão KEWDall!
MAIS ERROS QUE ACERTOS, editorial do jornal Folha de S. Paulo
Reconheça-se que Luiz Inácio Lula da Silva (PT) iniciou seu terceiro mandato de presidente da República em uma situação difícil. Eleito por margem minúscula de votos, governa um país polarizado.
Seu antecessor, Jair Bolsonaro (PL), não deixou como legado somente uma legião de seguidores dispostos a abraçar a causa golpista. Na administração federal o descalabro espalhava-se por áreas como educação, saúde, ambiente, relações exteriores, direitos humanos, cultura. As Forças Armadas viveram perigosa politização.
O Congresso Nacional, que acostumou-se a mais poder e autonomia nos últimos anos, caminhou para a direita no pleito de 2022. O preço do dominante centrão elevou-se, e a oposição ganha agressividade com o bolsonarismo.
A seu favor, Lula contou com amplo apoio doméstico e internacional em reação aos ataques infames de 8 de janeiro às sedes dos três Poderes. O petista restaurou a normalidade das relações institucionais, aí incluídos os militares.
Soube também aproveitar as boas expectativas globais para reinserir o Brasil no debate sobre o clima —ainda que a imagem do país seja prejudicada pela dubiedade quanto à Guerra da Ucrânia.
O PT resiste a dividir o poder, mas ao menos o governo atraiu nomes de partidos ao centro, como MDB e PSD. O Planalto também tem sido cauteloso e pragmático nas relações com a Câmara e o Senado.
Com não mais de 38% de aprovação, segundo o Datafolha, ante 29% que consideram sua gestão ruim ou péssima, Lula evita medidas que ameacem sua popularidade. Além disso, busca fidelizar seus eleitores com o relançamento de programas sociais e, sobretudo, com mais gasto público.
A vinculação da política econômica a essa lógica de curto prazo e ao revanchismo ideológico é a maior ameaça ao sucesso do governo.
Se Bolsonaro já havia estourado os limites orçamentários ao final de seu mandato, na tentativa de reeleger-se, Lula nem mesmo esperou a posse para elevar a despesa pública em mais de R$ 100 bilhões.
O Tesouro desembolsou pouco mais de R$ 1,9 trilhão no ano passado, em valores corrigidos —um recorde histórico, excetuando-se os dispêndios extraordinários da pandemia. Neste início de governo, que deveria ser de ajustes, a conta passará dos R$ 2 trilhões.
Para o comando da Fazenda foi escolhido um quadro fiel do partido e candidato potencial à sucessão presidencial, Fernando Haddad, ao qual cabe a ingrata tarefa de reequilibrar o Orçamento e conter a escalada da dívida pública.
Os primeiros passos merecem o ceticismo com que foram recebidos. A regra fiscal proposta por Haddad revela que Brasília pretende continuar elevando gastos continuamente, num ritmo entre 0,6% e 2,5% ao ano acima da inflação.
Assim, a eliminação do gigantesco déficit público dependerá de um salto da arrecadação de impostos —o que, além de muito duvidoso, será provavelmente nocivo para a economia se materializado.
O mecanismo incentiva o aumento de uma carga tributária já excessiva para um país de renda média, na casa de 33% do Produto Interno Bruto, o que torna a missão técnica e politicamente intrincada. Enquanto isso, mais despesas permanentes vão sendo contratadas.
Só na semana que passou, aprovou-se o reajuste salarial dos servidores públicos e anunciou-se a correção da tabela do Imposto de Renda, que reduzirá a receita.
Também desde antes da posse, Lula turvou o ambiente econômico ao iniciar uma ofensiva demagógica contra os juros do Banco Central. Embora amplamente aprovada pelo eleitorado, a campanha apenas dificultou a queda das taxas ao elevar as expectativas para a inflação de 2023 de 4,9%, no início de novembro, para 6% agora.
Por fim, o Planalto patrocina retrocessos em reformas importantes dos últimos anos, como o marco do saneamento e a Lei das Estatais. Ensaia-se ainda a volta do crédito subsidiado do BNDES para setores favorecidos.
Passaram-se apenas quatro meses, é verdade. Entretanto é nessa etapa inicial que se devem fazer as escolhas capazes de definir o sucesso do mandato.
A opção por evitar ajustes econômicos e orçamentários, se não for revista, eleva sobremaneira os riscos que pairam sobre o governo e o país. Lula teve méritos e sorte em seus dois primeiros mandatos —e não deveria depender demais da segunda desta vez.
Assim são os representantes do povo, bem pagos, com os pesados impostos do povo. E em Gaspar nada disso é diferente…
LEI DESMORALIZADA, editorial do jornal Folha de S. Paulo
Armand Jean du Plessis (1585-1642), mais conhecido como cardeal de Richelieu, ministro de Luís 13 e arquiteto do absolutismo francês, certa vez afirmou que criar uma lei e não mandar executá-la significava o mesmo que autorizar a coisa que se queria proibir.
Richelieu não conhecia o Congresso brasileiro. Nosso Parlamento não apenas aprova normas sem se preocupar com sua execução como ele próprio, quando seus interesses estão em jogo, se encarrega de aprovar regra subsequente que esvazia inteiramente a anterior.
É bem esse o sentido da proposta de emenda constitucional 9/2023, com apoios da direita à esquerda.
O texto traz três dispositivos. No primeiro, ele anistia as legendas que não destinaram os valores previstos em lei para campanhas de mulheres e negros; no segundo, proíbe a Justiça Eleitoral de aplicar qualquer penalidade às siglas por irregularidades em prestações de contas; e, no terceiro, autoriza partidos a receberem doações de empresas para quitar dívidas contraídas até agosto de 2015.
Louve-se a objetividade dos parlamentares. No primeiro mecanismo, contrariam a lei de cotas de financiamento de candidaturas; no segundo, disparam contra o sistema de freios e contrapesos, pelo qual um Poder fiscaliza e modula o outro; no terceiro, debilitam o veto às doações empresariais, decisão do Supremo Tribunal Federal depois transformada em lei.
Pode-se discutir a oportunidade de cada uma dessas medidas. As cotas de financiamento, por exemplo, são polêmicas. Aqueles mais identificados com as questões identitárias as consideram muito tímidas —gostariam de ver instaurada uma cota mínima de parlamentares mulheres e negros.
Já os liberais mais radicais julgam que mesmo essa intervenção sobre as campanhas já é excessiva. Para eles, não é necessária nenhuma regra de alocação de recursos que limite as decisões partidárias.
Mas, se o Parlamento está convencido de que as regras das cotas de financiamento (ou quaisquer outras) não são as mais adequadas, deve propor uma discussão sobre o mérito, que pode ou não resultar em alteração.
O que não tem cabimento é promover uma tratorada constitucional que tire a eficácia daquilo que o próprio Legislativo já decidira.
Ao fazê-lo, os congressistas não apenas autorizam o que se queria proibir, para retomar o tropo de Richelieu, como ainda contribuem para erodir a própria ideia de que as leis devem ser respeitadas —o que tende a produzir efeitos daninhos sobre a institucionalidade.
Para ler e refletir, refletir e refletir. E entender como o PT, Lula e a esquerda do atraso nos atrasam…
O JURO NÃO É O MAIOR OBSTÁCULO AOS NEGÓCIOS, por Carlos Alberto Sardemberg, no jornal O Globo
O presidente Lula estava certo quando disse, em visita a Madri, que é muito difícil para qualquer empresário investir no Brasil. Mas equivocou-se quando colocou a taxa básica de juros, de 13,75% ao ano, como principal obstáculo aos negócios no país.
Todo mundo sabe que juro caro inibe investimentos e consumo. Mas isso é o de menos quando se verifica a quantidade e o tamanho dos obstáculos políticos, jurídicos e burocráticos para levantar um negócio por aqui.
Considere alguns casos, do particular para o geral.
As empreiteiras Aena e XP ganharam, em agosto do ano passado, concessões para explorar aeroportos. Para dar início às operações, precisam fazer um pagamento e pretendiam pagar com precatórios.
Precatórios são créditos que empresas ou pessoas têm a receber do governo, em consequência de decisões judiciais em última instância. Uma emenda constitucional de 2021 autorizou o uso desses precatórios no pagamento de outorgas. Muito justo: você tem um dinheiro a receber do governo e um pagamento a fazer; dá uma troca, não é mesmo?
Mas a coisa não foi bem regulamentada — e ainda não dá para usar os precatórios. Pode ser que seja possível mais à frente. Então, que tal, por ora, uma fiança? A Agência Nacional de Aviação Civil topa. Mas o ministro de Portos e Aeroportos, Márcio França, ainda não topou. França, como se sabe, é contra as privatizações. Mesmo contra as já feitas? Assim, as empresas ganharam as concessões legalmente, prometem pagar um bom dinheiro — e não conseguem.
Outra: imagine uma companhia privada, nacional ou estrangeira, que entrou no mercado de saneamento, depois da aprovação de um marco legal ainda no governo Temer. Essa companhia tinha a expectativa de ampliar a escala quando estatais tivessem de deixar o negócio pelo não cumprimento de metas. Pois elas não cumpriram, como estava na cara, mas o presidente Lula alterou a legislação para dar mais prazo às empresas públicas — que estão há anos no negócio e não entregam. As companhias privadas entregam, mas topam com o mercado restrito.
Outra: agências reguladoras independentes são garantia de que não haverá interferências indevidas do governo na vida das empresas. Pois o Congresso, com o apoio do governo, está para mudar a regra e abrir espaço para a politização das agências.
Estatais independentes, com regras de gestão e compliance, são boas parceiras de negócios limpos. Pois o Congresso vai mudar a Lei das Estatais, de novo com apoio do governo, para permitir que as empresas voltem a ser controladas pelos políticos. A experiência mostra como funcionam estatais loteadas a partidos políticos.
E tem o Judiciário. Imagine uma empresa que fez um investimento com isenção ou redução do ICMS (imposto estadual). Com isso, paga menos impostos federais, pois o ICMS não entra na base de cálculo. Não entrava. O Superior Tribunal de Justiça decidiu que agora entra.
Alguns estudos sugerem que o governo pode levantar R$ 90 bilhões — o que ajudaria no ajuste fiscal, mas sangraria as finanças das empresas. Mas pode ser que não aconteça nada. Uma liminar do STF suspendeu a decisão do STJ. Então, o que faz a diretoria de uma empresa que está nesse rolo? Segue em frente? Para?
Isso tudo aconteceu poucas semanas depois de o mesmo STF ter determinado uma cobrança retroativa de impostos, ao mudar sua própria interpretação. Ou seja, a empresa montou seu negócio numa regra e cai noutra, que custa mais dinheiro.
Para encerrar: um governo com as contas em dia é base de um ambiente macroeconômico favorável. O governo mandou ao Congresso um projeto de ajuste fiscal — o que é positivo —, mas ele depende de ganhos de arrecadação, a ser obtidos com a eliminação de isenções e benefícios fiscais.
Ora, muitas empresas e setores investiram a partir de benefícios definidos em lei. Sim, há incentivos errados, desequilibrados e, mesmo, injustos. Mas a empresa não fez nada de ilegal e se instalou por causa do benefício. O governo vai simplesmente cancelar?
Quem tem bom e seguro mercado é um tipo especial de empresa: escritório de advocacia.
O nome do fiscal da obra é Ricardo Paulo Bernardino Duarte, primo do prefeito Kleber. Aquele concursado que recebe praticamente meio salário em “horas extras”.
O nome está errado no artigo
Obrigado pela leitura e ajuda na correção. Está errado o nome, sim. Traído pela memória. Desculpem vc e os leitores, leitoras. Corrigido.
DELIRAR É PRECISO, VIVER É BANAL, por Edmundo Arruda Lima Júnior, em Os Divergentes.
Um amigo meu, desembargador em MT, me manda uma simples afirmação: “Lula, um Gigante”. O entusiasmo tem por referência uma notícia sobre a visita de nosso presidente à China. Concordo e acrescento algumas percepções não tão entusiasmadas como aquela do querido Magistrado.
Lula é de fato um gigante. Uma inteligência viva. Deixou Vargas no chinelo, quase um anão de jardim na história. Por várias razões.
Lula aliou azar e sorte, inteligência viva e esperteza, jeito analfabeto e capacidade de seduzir intelectuais, elogio ao socialismo e apetite insaciável pelo capital, apelo aos pobres e paixão pelo poder, por fim, retórica imodesta de honestidade e corrupção sistêmica. Qual o busílis que permite ligar pontos com relativo sucesso, de tantos Lulas? A ambiguidade.
A forma ambígua de colocar seu discurso um tanto impensadamente, oscilando entre repetições conscientes do que lhe é cochichado ao pé do ouvido e insights puramente passionais, expressam a personalidade dúbia de Lula. Uma personalidade madura, marcada por sofrimentos, ressentimentos e pressa de resgate pessoal, no imaginário dos grandes protagonistas da história do Brasil, como o top one.
Em tempos de bolsonarianismo enraizado na sociedade dividida entre os que o idolatram e o odeiam, Lula vai curvando, não sem resistências, protestos e dívidas, homens de bom discernimento diante do gradual e lento esforço, quase compulsivo, de rememoração configurariva do personagem-presidente. A rememoração é ação política envolvendo propaganda (não somente paga, mas espontaneamente criada nos entrechoques de narrativas), sustentada em uma paralela e gigantesca tarefa de desmemória, ou esquecimento seletivo programado de maneira a dar sequência ao culto da personalidade.
A gradual desmemorização do que Lula protagonizou em sucessivos escândalos, desde o Mensalão (2005), em favor do líder carismático e suas façanhas é uma exigência política fundada numa exigência epistemológica, a de ruptura semântica. Com ela a centralização seletiva da história na qual a propinagem fez parte da ossatura do “estado”, os seus detalhes, tropeços da esquerda, perdem gradativamente sentido para a grandiosa tarefa – e feitos -do grande homem público.
Afinal, Lula não nos tirou de uma trilha autoritária? Há que se enterrar a parte podre do passado do grande líder e fixar na história a figura de estadista e as virtudes do maior presidente que o país já teve.
Daí que Lula e o lulismo podem fortalecer-se e fortalecer um novo populismo (misturando o delegativo ao popular), forjando um outro pragmatismo para a política, hoje, diante de uma redefinição global do mercado e dos seus capitalismos. Com a direção do banco dos BRICS nas mãos, alianças ao Sul, parcerias com alguns países da Europa, e um grande pacto com a China, o Brasil encara, enfim, seu destino. E Lula encarna essa missão, aos trancos e barrancos.
Na China foi o papagaio das velhas teses de Celso Amorin sobre hegemonia Norte/Sul, seguido da promessa de noivado com o bloco Russo. Na Europa, em suas viagens a Portugal e Espanha, reconheceu a soberania indiscutível da Ucrânia. No Brasil repete as ideias de André Lara Rezende condenando os juros altos fixados pelo Banco Central. Joga a população contra Roberto Campos Neto, desautorizando-o e simplificando uma complexa questão na qual não há um senhor da razão e dos interesses, mas muitos.
Lula já deu a entender que não pretende ser candidato em 2026, inclusive por razões de saúde. Poucos acreditam. A mentira é parte da genética do político. O poder é afrodisíaco, alguém já disse. Daí a guerra pela inelegibilidade de Bolsonaro. Não é de se afastar na cúpula petista e em cabecinhas confusas como a da senadora Gleisi Hoffmann e Rui Falcão, entre outros mais “à esquerda” no transformismo em curso, uma imitação adaptada das ditaduras russa e chinesa. A começar por mudanças no sistema político quase vitalício de Putin e Xi Jinping, flexibilizando normas eleitorais.
Redefinidas as Leis, sem os entraves da democracia liberal, populismos tendem a aproveitar a fadiga democrática para sufocar as alternativas de poder. Já se cogita de regular as redes (ver o bloqueio do Telegram) e só se fala em coibir a desinformação. Talvez um caminho sem volta para a liberdade e o indivíduo. Outras porteiras vão se abrindo para marcos regulatórios, algo no mínimo estranho…
Lula parece já ter anunciado uma venda possível, a do apoio ao direito da China de reivindicar Taiwan, declarando-a como “parte inseparável daquele país”. A neutralidade anunciada no conflito entre Rússia e Ucrânia, melhor, entre China e EUA é aparentemente suspensa, apontando para interesses balançando em favor da potência ascendente, com maior lastro e poder de alavancar a reindustrialização e o comércio mundial. Mas tudo com afagos aos europeus, onde Lula registrou o direito da Ucrânia à integridade de seu território.
Arrisco delirantemente um pouco mais. A guerra na Ucrânia vai começar a entrar num banho maria… Lula já sinalizou aos russos que a Criméia é uma conquista não passível de devolução. Como se vê, temos uma política externa próxima ao que caracteriza um hímen complacente. Lula sinaliza para uma possível e vergonhosa anexação futura de Taipé e vai legitimando e sacramentando a ocupação da Crimeia, no mesmo momento em que reconhece a Ucrânia em sua indiscutível soberania.
Zelenski tenderá a derreter com o prolongamento da guerra. Impossível manter o fantoche num circo em disputa por um novo padrão monetário. Lula já avisou que nas transações envolvendo os BRICS a moeda poderá ser outra e não mais o dólar. Quem sabe a sapiência ambígua de Lula arrisque dividir a Europa em proveito do Brasil, conquistando alguns de seus países, com um transitório padrão-euro?
Na ponta do lápis os EUA e seus vassalos, como a Rússia e sua avalista financeira, a China, vão pensando em alternativas para preservar seus interesses mais urgentes. Sejam quais forem as condições do armistício, a Ucrânia vai ter que aceitar.
Lula não vai esquecer os EUA, mas aproveitá-lo em termos de um comércio que não choque de frente com os hermanos do Norte europeu e desagrade a China. Internamente o jogo de xadrez lá no estrangeiro produz sequelas no quintal.
Acertando ou não na política externa, internamente a esquerda, ao insistir em alimentar o bolsonarismo como paradigma do seu necessário bode da vez, vai colher os frutos dessa opção. Mormente se o general economia não mostrar resultados mais imediatos. Bolsonarismo fortalecido significa esvaziar ainda mais a direita liberal. Ela perde força para se reerguer na exata medida em que se hidrata a ultradireita iliberal.
Enclaves nacionais e malabarismos nas relações internacionais tenderão a ampliar suas contradições, reverberando em múltiplas desordens em nosso país.
Por fim, um delirius extremus. Acho que Lula e Bolsonaro estão plantando as condições de uma guerra civil no Brasil. Calma. Não será para amanhã. Lula e Bolsonaro talvez não estejam mais vivos, mas o lulismo e o bolsonarismo tenderão a permanecer, explicitando profundas polarizações sociais e minando o terreno institucional no imaginário político. O resultado retardado de uma guerra civil por procuração em suas consequências mediatas, mais uma vez, cujo prêmio poderá ser o fatiamento – simbólico e físico do nosso país, a longo prazo.
Na hora certa, esfriando a guerra em curso, a Europa e os EUA se juntam para gerir a região Amazônica, pois cresce entre os gigantes do Norte, ocidentais e orientais, a compreensão e “sensibilidade” que a eles (os mais civilizados) pertence o Mundo e os brasileiros, abstraindo ideologias desbotadas, já provaram ser absolutamente coniventes com a destruição de ecossistemas. Norte-americano e europeus pensam assim, medianamente. As tribos que perderam mais guerras geopolíticas tem sempre uma razão subalterna, menor, aos olhos dos imperialistas.
Um outro delírio pode ser registrado como predição. O bloco chinês futuramente virá em socorro de seus aliados ampliados (sul-global é o conceito de marxistas espertos, e tacanhos), mas cobrará alto pela solidariedade, negociando fatias de nossas riquezas sem as quais as agendas de pax na ONU perdem suas bases concretas.
Ato contínuo, uma reconfiguração dos quintais que cabem cada vez mais no mundo, ao contrário do que pensa o grande economista Paulo Nogueira Batista Neto (“O Brasil não cabe no quintal de ninguém”) é provável, aproveitando a terra Brasilis. Uma nova geopolítica, ideológica em outras territoriais, nela, a simbólica. Delírio? Talvez. Escrevam aí. Coloquem uma cópia em garrafas e joguem no mar.