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A OMISSÃO DO MP É PARTE DO SUPOSTO ESCÂNDALO DO HOSPITAL DE GASPAR. NÃO EXIGIU O QUE FOI PACTUADO ENTRE AMBOS EM FAVOR DA SOCIEDADE

Hoje é segunda-feira. Na Gaspar sem Carnaval, a prefeitura – que vinha sendo mais cuidadosa neste assunto nos anos anteriores – e a Câmara de Vereadores estarão fechados até Quarta-feira de Cinzas. E na Saúde Pública, a qual vem capengando nos postinhos, como sempre, tudo vai dar na superlotação do Pronto Atendimento do Hospital de Gaspar neste feriadão dos políticos para os servidores do povo. 

No Hospital, o que ninguém sabe quem verdadeiramente é o dono dele, mas que está sob uma marota, longa e agora, terrivelmente cara intervenção municipal, e que mesmo diante desta grossa demanda de recursos públicos não presta conta à sociedade dos pesados impostos que consome, estava confortável e mandando bananas para o Ministério Público. Até que demandado por um cidadão, o MP reagiu. Nos bastidores do Hospital, da secretaria da Saúde e do poder de plantão a fervura se elevou. Estão todos nervosos. Alguns até, indignados com esta curiosidade da cidade pelos dados do Hospital e que deviam continuadamente ser públicos.

E mais uma vez, errônea e repetidamente, estão apontado o mensageiro da notícia como culpado. Incrível! E eu diria sem razão. Queriam vê-la no escurinho de sempre. Pois, afinal, como diz o ditado popular, quem não deve, não teme. Para alguns, este feriadão da festa pagã trouxe um sinal de maldição. Então, bem-vinda à Quaresma, a que sucede à folia e no cristianismo, à expiação dos excessos.

Vamos adiante.

Encontros, nota oficial, revisão do que se está fazendo e do que se fez na Saúde como um todo, bem como no Hospital de Gaspar, onde nestes seis anos de Kleber Edson Wan Dall, MDB, e dos vices Luiz Carlos Spengler Filho, PP e de Marcelo de Souza Brick, Patriota, trocou-se de titular e gestores como se mudasse de camisa. Nada poderia dar certo. Parece até ser intencional. Uma descontinuidade contra qualquer senso de planejamento, gestão e eficácia para resultados de médio e longo prazos. Nenhum dono de qualquer negócio, mesmo sendo ele informal, teria cometido tal desatino contra si próprio. Mas…

Hoje, a secretaria da Saúde é tocada pelo vereador licenciado, o advogado Francisco Hostins Júnior, MDB e que já ocupou a pasta no governo petista de Pedro Celso Zuchi. O presidente da comissão interventora no Hospital é secretário de Fazenda e Gestão Administrativa, Jorge Luiz Prucino Pereira, PSDB. Ele acumula a secretaria de Planejamento Territorial. Em um dado momento vai faltar ar puro para se respirar neste outro assunto da Saúde. O ar contaminado do passado ainda vai complicar a vida de muita gente. Gente que não desconhece a obrigação de esclarecer, mas insiste em turvar tudo. Há um claro método. E antigo.

Retomando depois deste mapa de poder e responsabilidades, voltando à nossa conhecida e velha transparência translúcida.

Bastou uma denúncia de Orlando José da Silva, que muitos tratam como “anônima”, ao Ministério Público de Gaspar e que foi dar à imprensa de Blumenau, via a franquia do brusquense “O Município”, para ela estragar o final de semana prolongado de falsa folia por aqui, bem como o “marasmo” no ambiente político e administrativo do poder de plantão. A denúncia fez agir, por prudência, o MP, repito, naquilo que estava obrigado diante da inércia dos gestores do Hospital e da prefeitura de Gaspar.

A imprensa daqui, tão somente reagiu quando não havia mais como esconder naquilo que tomava conta da cidade via as manchetes de Blumenau. E quem se arriscou por primeiro teve quase que voltar atrás com notas de retificação a pedido do poder de plantão. Resultado? Todos perderam mais uma vez para este espaço e principalmente, para as redes sociais, as quais bombaram na reprise das notícias e dos comentários indignados. Isto sem falar no vexame de ver outros veículos surfarem naquilo que os daqui poderiam capitalizar para a sua credibilidade como entes sociais de sua comunidade.

Retomando pela segunda vez.

Por quê o MP como instituição é parte do problema? É que o decreto 6.137/2014, criado por Zuchi quando o próprio MP lhe apertou para a transparência da intervenção, renovado sucessivamente, diz claramente o seguinte no seu artigo 7º: 

A Comissão Interventora do Hospital Nossa Senhora do Perpétuo Socorro deverá remeter à 1ª Promotoria de Justiça de Gaspar e à Imprensa do Município, a cada 90 (noventa) dias, o relatório informando às medidas adotadas, bem como o demonstrativo simplificado da situação financeira do Hospital Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, de Gaspar“.

Pois bem, este “relatório” está atrasado e esquecido. E há anos. Pelo menos dede 2019 relataram-me algumas fontes no ambiente do Hospital e da secretaria de Saúde. Os anteriores trazem as marcas das dúvidas.

Nem o MP e nem a imprensa cobraram. E como eu não sou da imprensa, estou chovendo no molhado desde que esta intervenção se estabeleceu. Este “esquecimento” é parte do processo dos políticos na criação de narrativas e discursos para a cidade.  Eles, o silêncio, as narrativas, discursos e evasivas, verdadeiramente, é que impedem o saneamento de um Hospital necessário à cidade e à sua população, principalmente na emergência e aos mais carentes. Não se está cobrando lucro para a operação hospitalar. Mas, se quer dele a vocação, a transparência de suas contas, ações e planos que lhe garanta a sustentabilidade como um ente econômico e social.

Um Hospital como um doente crônico no ambiente financeiro, administrativos e clínico não pode efetivamente se propor a curar doenças dos outros e com isso, servir ou ajudar aos vulneráveis e mais necessitados, mote dos discursos de seus gestores e políticos que o usam para catapultar interesses de poder.

Após, mais este repetido esclarecimento, retomo o foco do artigo pela terceira vez

Dois fatores fizeram o MP de Gaspar sair do seu conforto e mandar um e.mail no dia três de fevereiro, com 30 dias para prestação de contas desde 2014 até agora, onde se terá dados comparativos dos possíveis exageros e com aquilo que já se informou no passado: primeiro foi o de reagir obrigatoriamente a uma denuncia aparentemente bem fundamentada e com teor de gravidade altíssimo; o segundo, foi o sangue novo personificado na promotora Daniela Garcia Moritz.

A promotora lastreou o seu pedido genericamente na Lei 12.527/2011, a que regulamenta o acesso dos cidadãos às informações públicas. Esta Lei, por exemplo, no seu artigo 5º, diz que, “é dever do Estado garantir o direito de acesso à informação, que será franqueado, mediante procedimentos objetivos e ágeis, de forma  transparente, clara e em linguagem de fácil compreensão”. Como escrevi anteriormente, nem precisava invocar esta Lei, bastava cumprir o genérico decreto municipal 6.137/2014 de Gaspar. Bastava tê-lo exigido que fosse aprimorado, como a simples menção de colocá-lo e atualizando – e comparando por períodos – no site da prefeitura – a interventora – e do Hospital – o que sofre a intervenção e está recebendo montanhas de dinheiro público sem a devida contraprestação de transparência mínima a que que está obrigado pelo decreto 6.137/2014.

A prefeitura de Gaspar, incomodada com a repercussão daquilo que se descuidou, por se “achar sempre de corpo fechado” nos ambiente de fiscalização, inquirição e julgamento e colocado à exposição pública às vésperas de ano eleitoral, onde este assunto estará mais uma vez na pauta das dúvidas entre os eleitores e eleitoras, saiu-se com uma nota oficial marota e antecipando um surrado discurso de defesa para justificar, enrolar e nada melhorar. 

Esta nota em determinado trecho diz: “o prazo para a apresentação dos documentos solicitados é dia 03 de março e pode ser prorrogado, uma vez que o volume de documentos impressos é grande e necessita de logística para tal“. Ai, ai, ai.

Primeiro, a prefeitura e o Hospital acham que estão lidando com os raros vereadores da Câmara que ousam pedir esclarecimentos daquilo que é público. A prefeitura sonega estas informações a tal ponto que se precisa ir a Justiça com mandado de segurança para obtê-las naquilo que é básica, ou então, atrasa-se a limites absurdos, o envio das informações requeridas e obrigadas pela Lei da Transparência ou de Acesso as Informações. 

Segundo, que há um mundo digital e o MP, certamente, plugado, não se furtaria em receber estas informações e documentos que pediu por meio de mídias eletrônicas compatíveis. Tudo para facilitar auditorias e comparações de forma mais segura e rapidamente. Mas não, até na obrigação e na suposta tragédia, os políticos e burocratas montam espetáculos sob desculpas esfarrapadas. Além da agilidade, o Hospital, a secretaria de Saúde e outros setores da prefeitura de Gaspar contribuiriam com o meio ambiente por menos consumo de papel, energia elétrica para fotocópias e desperdício de tempo de funcionários para algo que o poder está inadimplente com o MP de há muito. 

Terceiro, a nota oficial, que raspa ao escárnio e avisos cifrados, antecipa-se e se mostra o quanto confuso são estes documentos e os números dentro do Hospital e da prefeitura. Eles para serem remetidos ao MP e não servirem de provas contra o poder público e seus agentes, vão demandar um tempo maior no pente fino da força tarefa oficial municipal para angariá-los, classificá-los e avaliá-los.

O teor do comunicado, de verdade e basicamente, é um discurso político para a cidade. 

Ele é antigo e cheio de desculpas esfarrapadas. Diz muito sobre o quanto o Hospital estava ou está em frangalhos. Este argumento – o de que precisa de tempo para fotocopiar -, aliás, quando é tema aqui dos meus comentários, sempre é refutado. Entretanto, incrivelmente e sem pudor algum, ele é usado pelos mesmos políticos e gestores públicos quando seus modelos de ação e resultados são confrontados e estão, por causa disso, em situação de vulnerabilidade diante de pressão e questionamento de instituições como o MP. 

É uma tática manjada para nada se esclarecer e solucionar. 

Como funciona este pensamento torto, arriscado e perigoso? Ruim para a cidade um Hospital sem controle e comedor de recursos públicos, pior será para a população a falta dele. Este é o blefe dos políticos.

E eles apostam alto de que ninguém, nem MP e nem Justiça querem ficar expostos perante à comunidade. E para manter algo moribundo, só com mais ou muito dinheiro público, de preferência, sem fiscalização. Adia-se a fatalidade. É que um dia, isto encontrará um limite se não se der uma solução profissional e perene antes. Simples assim. E o barco segue. Cada vez mais pesado e ao sabor do destino dos políticos nas suas altas apostas contra a transparência. Acorda, Gaspar!

TRAPICHE

Há muitas rubricas cruzadas no Balanço de 2022 da prefeitura de Gaspar e disponível para acesso. Uma delas diz que o Hospital de Gaspar recebeu R$33.821.629,71 do Fundo Municipal de Saúde e aí não estariam emendas parlamentares que abundam, os repasses estaduais, federais, os ajutórios e doações da comunidade. 

Este Fundo empenhou R$91.764.125,76 em 2022. E na rubrica em que se pagou o Hospital, ela saltou R$23.680..550,00 para o extraordinário montante de R$56.154.845,66, dos quais R$55.102.421,06 foram efetivamente empenhados.

Mas, outras rubricas neste mesmo balanço com números superlativos podem incluir o Hospital. Entre elas estão os R$41.054.263,00 de serviços médicos hospitalares, odontológicos e laboratorial; outros R$2.876.761,54 em medicamentos ou R$1.123.385,04 de material hospitalar. Tem mais.

Resumindo: sem a contratação de um perito contabil em contas públicas, sem relacionamento com o poder de plantão ou interesses no Hospital, o MP de Gaspar corre o risco alto de ficar preso nas narrativas dos políticos de Gaspar.

Com o tempo que vão gastar para arrumar os números e documentos que deveriam estar disponíveis em minutos a qualquer um, a prefeitura de Gaspar deveria terminar de responder os requerimentos do vereador Amauri Bornhausen, PDT, e que já faleceu, bem como os de Dionísio Luiz Berrtoldi, PT.

Amauri, um funcionário municipal, e que a princípio seria da base do governo foi o que colocou efetivamente o dedo na ferida do Hospital, a partir de números fornecedios pelo próprio Hospital e secretaria da Saúde. Ela não avaliou direito os efeitos do que repassou. Quando percebeu, já era tarde. Restou praguejar e isolar o vereador. E que se ressalte, ficou falando sozinho em ambiente e assunto espinhoso e delicado ao mesmo tempo.

Agora apareceu Dionísio. Mas, o PT foi quem criou esta confusão toda. Foi o que deixou correr solto o desleixo. Antes tarde, do que nunca. E que não se use a delicada situação do Hospital para palanque dos políticos na busca de poder nas eleições do ano que vem. É essencial.

Conheço, como poucos, o Hospital desde dezembro de 1983, quando vieram com o pires na mão para pagar o 13º dos seus. Soube que era uma rotina. Ingênuo, ofereci patrocinar uma consultoria especializada para diagnosticar problemas e mostrar caminhos de solução, ao invés dele depender de esmolas incertas. Foi aí que entendi melhor o problema. Os políticos se fingiram de surdos. Ou seja, preferiram um hospital doente. Então….

Enquanto estourava a notícia do e.mail que o MP tinha enviado a prefeitura e ao Hospital para os esclarecimento de dúvidas, o prefeito Kleber Edson Wan Dall e o secretário de Saúde, o vereador licenciado, Francisco Hostins Júnior, ambos do MDB, bem como o presidente da Comissão Interventora do Hospital, Jorge Luiz Prucino Pereira, PSDB, reuniam-se em Brasília com a secretária de Saúde do governo de Jorginho Mello, PL, a deputada licenciada Carmem Zanotto, Cidadania (foto de abertura do artigo).

Falaram de sonhos, flores e mais grana do governo do estado para o Hospital de Gaspar.

Os servidores muncipais – principalmente os da Saúde e os da Educação – ocuparam as redes sociais para defenderem o feriadão de carnaval dado por seus políticos. Ou seja, estão contra os seus patrões, os que lhes pagam e estão reclamando. Ainda vou escrever mais sobre este assunto.

Conclusão do editorial da edição de domingo do jornal Folha de S. Paulo, que não pode ser rotulado de conservador ou de direita, sobre os 43 anos do PT: “Em vez de preocupar-se com os determinantes do enriquecimento e do bem-estar dos povos – assentados na produtividade do trabalho, estagnada no Brasil -, o PT continua a vender atalhos e feitiçarias que só produzem ruínas. Envelheceu mal “.

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5 comentários em “A OMISSÃO DO MP É PARTE DO SUPOSTO ESCÂNDALO DO HOSPITAL DE GASPAR. NÃO EXIGIU O QUE FOI PACTUADO ENTRE AMBOS EM FAVOR DA SOCIEDADE”

  1. Para o prefeito, os secretários, a Defesa Civil e principalmente os vereadores de Gaspar da Bancada do Amém lerem. A tragédia de novembro de 2008 parece que já foi esquecida. E muito rapidamente. Áreas condenadas estão sendo reabilitadas para surpreenderem e soterrarem gente.

    Escrevi a pouco para o Miguel Teixeira que me relatou um caso de descaso da Defensa Civil, na Coloninha, Gaspar:

    Impressionante

    Tudo isto tende a piorar

    É algo com base científica

    Mas, nossos políticos, tem a ciência como uma adversária e a necessidade de votos dos ingênuos – que estão expostos à morte – e dos mercenários imobiliários, seu patrocinadores, como uma ciência.

    TRAGÉDIA RECORRENTE, editorial do jornal Folha de S. Paulo

    O dilúvio mortífero abatido sobre o litoral norte de São Paulo se enquadra na categoria dos desastres sazonais cuja repetição destoa em tudo da capacidade do poder público —ou falta dela— de se preparar para defender a população.

    A cada passagem do ano, Sudeste e Sul do país, assim como o litoral do Nordeste, se veem inundados por chuvas torrenciais. Ruas e bairros deslizam morro abaixo, sepultando famílias inteiras. Desta feita, o epicentro da tragédia calhou de ser São Sebastião (SP) e municípios lindeiros.

    Há mais que repetição na pluviosidade e na incúria. Em alguns locais caíram mais de 600 mm em poucas horas, mais de 600 litros por metro quadrado, acima da média de todo o mês de fevereiro.

    Tamanho jorro se qualifica como o que meteorologistas e climatologistas chamam de eventos extremos. São paroxismos de precipitação, estiagem ou temperatura que desbordam até das amplitudes máximas sugeridas por curvas obtidas de médias históricas.

    Fenômenos que ocorriam só em escalas de séculos se amiúdam em consequência das mudanças do clima ocasionadas pelo aquecimento da atmosfera. Enchentes, secas e incêndios florestais devastadores passam a eclodir em ritmo de décadas, quando não se tornam anuais.

    Tudo está previsto há décadas, igualmente, por modelos computacionais de projeção do clima. Médias históricas se tornam de pouca valia para planejar obras de infraestrutura, como estradas, pontes e galerias pluviais, assim como sistemas de defesa civil e salvamento.

    Conferências sobre crise do clima se sucedem desde 1992 sem que as nações acordem providências efetivas para mitigar o aquecimento global. Para contê-lo na margem de 1,5ºC, como se decidiu em 2015, seria necessário cortar emissões de carbono pela metade neste decênio e zerá-las até 2050.

    A cada ano que passa, a janela de oportunidade se estreita. Governos brasileiros, como tantos outros, concentram políticas públicas na mitigação, ocupando-se quase só do desmatamento na Amazônia, nossa maior fonte de emissões, e mais recentemente no cerrado.

    Claro está que é obrigação fazê-lo, em tudo ignorada pela administração de Jair Bolsonaro (PL). Já não basta. O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) recompôs a prioridade para o tema, mas só o enfrentará de modo consequente quando liderar um plano nacional de adaptação para a mudança incontornável do clima.

    Instalar sirenes de alerta que funcionem a tempo é o mínimo; no médio e longo prazo, só uma política portentosa de habitação e saneamento básico defenderá os brasileiros pobres de hecatombes que retornam a cada verão.

  2. GOVERNANDO COM O FÍGADO, editorial do jornal O Estado de S.Paulo

    O Diretório Nacional do PT aprovou há poucos dias uma resolução eivada de ressentimentos e mentiras, cujo único objetivo parece ser reescrever a história recente do País para lavar a alma da militância depois de uma série de reveses políticos e judiciais sofridos pelo partido. Quem lê aquele documento sai com a nítida impressão de que o Brasil tem uma dívida praticamente impagável com os petistas, sobretudo com a sra. Dilma Rousseff e com o presidente Lula da Silva.

    Ora, todos sabemos que Lula da Silva é hoje muito maior do que o PT. Ao longo de mais de quatro décadas, o lulismo se firmou como um movimento político de expressão muito mais relevante que o petismo, se é que, de fato, existe essa distinção. É óbvio, portanto, que o teor da resolução aprovada pelo partido reflete exatamente o que sente e pensa o presidente da República hoje. E isso não é nada bom para o País.

    No universo paralelo de Lula e do PT, Dilma Rousseff era a timoneira de um país que ia de vento em popa rumo ao inescapável encontro com seu futuro de paz social e prosperidade econômica até sofrer um “golpe”, em 2016, perpetrado pelas “elites”, pelos “inimigos do povo brasileiro” ou coisa que o valha. Já o partido, nessa visão mendaz da história, teria sido vítima de “falsas denúncias” de corrupção à época dos escândalos do mensalão e do petrolão.

    Não é o caso, aqui, de contrapor com uma enormidade de evidências factuais as grosseiras lorotas difundidas pelo PT em sua resolução, até porque seria um trabalho inútil. Petistas fanáticos jamais aceitariam o fato, de resto incontestável, de que o impeachment de Dilma foi conduzido estritamente segundo a Constituição – salvo quando, em seu desfecho, preservou os direitos políticos de Dilma em vez de cassá-los, numa maracutaia típica daqueles tempos esquisitos. Os fiéis da seita lulopetista igualmente ofendem-se quando se demonstram os inúmeros crimes de corrupção passiva, organização criminosa e lavagem de dinheiro cometidos pela patota.

    A questão de fundo é menos a resolução do PT – que, afinal, é uma organização privada e pode defender o que bem entender – e mais o que ela representa: os humores de Lula da Silva.

    Seja pelo que se depreende do texto da resolução, seja pelos discursos do próprio presidente, que se recusa a descer do palanque mesmo tendo sido eleito para governar no interesse de todos os brasileiros, este terceiro mandato presidencial do petista, o quinto do PT, parece orientado a reparar as “injustiças” que teriam sido cometidas contra o partido e alguns de seus próceres, e não a reconstruir o País e o tecido social após a tragédia que foi o governo de Jair Bolsonaro.

    Ao que parece, o triunfo eleitoral de Lula da Silva na difícil eleição presidencial passada, aos olhos dos petistas, tem o condão de autorizar o presidente a privilegiar os interesses particulares do PT e a trair a aspiração maior de muitas forças políticas que o apoiaram no segundo turno da eleição de 2022: a construção de uma frente ampla pela democracia não só para derrotar Bolsonaro, mas também para governar o País.

    Se os ressentimentos de Lula da Silva e a sede de vingança que parece animar as lideranças petistas são genuínos ou nada mais que tática para manter a militância mobilizada a despeito de certas decisões impopulares que o governo logo terá de tomar, pouco importa. O fato é que não é assim que se governa um país. Menos ainda um país que precisa tanto se reconciliar e se reunir em torno de consensos mínimos como o Brasil.

    O presidente Lula da Silva precisa ser magnânimo e reconhecer a existência de um centro liberal democrático que foi fundamental para sua vitória, por entender que era ele, e não Bolsonaro, a pessoa mais indicada para governar o Brasil pelos próximos quatro anos. Voltar as costas para essas forças políticas é, na prática, aniquilar as chances de reconstrução nacional já no nascedouro.

    O rancor nunca foi um bom guia. Do presidente Lula da Silva se espera a grandeza de compreender que, nesta quadra da história do País, é justamente a diversidade que deve prevalecer, não o espírito de corpo.

  3. CADÊ O LULINHA PAZ E AMOR?, por Eliane Cantanhêde, no jornal O Estado de S. Paulo

    “Chegou o tempo de curar as feridas. Chegou o tempo de preencher as lacunas que nos separam. Chegou o tempo de construir.” O discurso de Nelson Mandela, ao assumir a África do Sul, em 10 de maio de 1994, após 27 anos de cárcere, foi prestigiado por líderes de todos os continentes em Pretória e marcou não só uma nova era no país, mas no mundo.

    Brasil não é África do Sul, o racismo é parte dos muitos problemas estruturais brasileiros e Jair Bolsonaro representa o oposto do que Frederik Willem de Klerk significou na fantástica transição do país. Bolsonaro destruiu e devastou. De Klerk, antecessor de Mandela, trabalhou pela união, reconstrução e reinserção sul-africana no mundo.

    Apesar das diferenças, há coincidências. Lula tem origem na parte oprimida da sociedade e saiu da prisão para a vitória e pregou união, igualdade, diversidade, reconstrução e o fim de um Brasil pária internacional. Tem responsabilidade imensa com o Brasil, os brasileiros e sua própria história. No 1.º mandato, dizia que não tinha o direito de errar. No 3.º, definitivamente, não tem. Seria a volta do ódio, isolamento, descaso com os mais pobres, ambiente, indígenas.

    É por isso, e pelo 8/1, que tantos amenizam as críticas e focam no lado bom de Lula 3, a reinclusão do Brasil no mundo, a ação firme pró-Yanomami, programas de moradia, bolsas de estudo, cultura, educação, vacinação. O governo não completou nem cem dias, consumiu um bom tempo na defesa da democracia e no balanço de uma herança efetivamente maldita. Em 2003, era marketing. Em 2023, é a mais pura verdade. Logo, Lula ainda está no que há décadas se combinou chamar de “lua de mel” para presidentes que se instalam. No caso dele, com muito mais razão.

    Isso não dura para sempre. Por isso, Lula lança programas de grande alcance social, vai pessoalmente e envia uma penca de ministros para acudir o litoral paulista, já visitou Argentina, Uruguai e EUA, vai à China, dialoga com líderes de França, Alemanha, UE e vai conversar com os de Rússia e Ucrânia.

    Não pode, porém, ignorar a tragédia na Nicarágua, passar a imagem de estar sempre no ataque, confrontando BC, ricos, adversários e embaçar a importante mobilização de ontem, com governador e prefeito, usando discurso mal-humorado e fora de tom. Ele, como seus críticos, precisa baixar a guarda, porque os inimigos da Nação estão à espreita. Como dizia Mandela, é tempo de curar feridas, preencher lacunas e construir. Lulinha paz e amor faz falta.

  4. ÊXITO DAS “JUNIOR OILS” REVELA BENEFÍCIO DA QUEBRA DO MONOPÓLIO DA PETROBRÁS, editorial de O Globo

    O fim do monopólio da Petrobras na exploração de petróleo, com a abertura do setor ao capital privado, fez florescer um vasto campo de empresas independentes conhecidas como junior oils. Sem conexões com grandes grupos, habilitadas a explorar campos em terra firme (onshore), elas têm se tornado mais relevantes tanto para o setor de óleo e energia quanto para a economia como um todo nas cidades e estados onde atuam.

    As junior oils surgiram na esteira do plano de desinvestimento da Petrobras iniciado em 2015, três anos depois de a produção onshore da estatal, concentrada no Recôncavo Baiano, entrar em declínio. Empresas como PetroReconcavo, 3R, Eneva, Origem e Seacrest começaram a crescer adquirindo áreas antigas de produção da estatal. Hoje, as junior oils são responsáveis por 315 mil empregos e pagaram, em 2021, R$ 1 bilhão em royalties aos municípios onde operam. Entre 2016 e 2022, foram responsáveis pelo aumento de 30% da produção onshore de petróleo e gás no Brasil, de acordo com levantamento da Associação Brasileira de Produtores Independentes de Petróleo e Gás (ABPIP).

    A produção das junior oils representa, nos cálculos do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), 6% do total brasileiro. Esse percentual deverá crescer devido aos investimentos que elas têm feito no Recôncavo e noutras áreas antigas de exploração, como Riacho da Forquilha, no Rio Grande do Norte. O gás que produzem no Nordeste tem elevado a competitividade de indústrias locais e trazido benefícios a toda a região. O próprio Rio Grande do Norte se tornou um exemplo ao saber aproveitar a influência delas.

    Como não se consegue tirar 100% do petróleo das camadas geológicas perfuradas, utilizam-se diversas técnicas – injeção de gás ou soluções químicas nos poços -, para ampliar a extração do óleo e gás retidos. Esse trabalho não compensava para a Petrobras. Para as junior oils, é rentável, gerando empregos e renda em regiões carentes do interior, cujo padrão de desenvolvimento se degradaria com a paralisação das atividades da Petrobras.

    Cada emprego direto no setor gera entre nove e 36 indiretos, segundo o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Ao substituir a Petrobras como polos de desenvolvimento regionais, talvez por terem outra cultura organizacional, as junior oils acabam por criar raízes mais profundas nas comunidades locais, com impacto social positivo. Nada disso aconteceria se não tivesse sido quebrado o monopólio estatal do petróleo. O estudo desse caso de sucesso deveria inspirar o governo a estimular a concorrência na economia brasileira.

  5. A PAZ E A PAZ DE LULA, por Demétrio Magnoli, no jornal O globo

    Terminou o inverno amargo da guerra posicional de atrito na Ucrânia. A Rússia deflagrou sua ofensiva no Leste, cuja meta mínima é avançar até os limites das províncias de Luhansk e Donetsk, ocupando todo o Donbass. A Ucrânia prepara uma futura contraofensiva no Sul, cujo objetivo é a reconquista de Melitopol, cindindo ao meio as forças russas na “ponte terrestre” entre Rússia e Crimeia. Lula declarou que quer ajudar a mediar a paz na Ucrânia. Se fosse verdade, deveria torcer pelo fracasso da ofensiva russa e pelo sucesso da contraofensiva ucraniana.

    A hipotética tomada de todo o Donbass pela potência invasora só prolongaria o conflito, pois uma esmagadora maioria dos ucranianos rejeita a troca da paz pela entrega de um quarto de seu país aos russos. O insucesso da ofensiva putinista seguido por uma retomada ucraniana dos territórios meridionais provocaria um choque político e militar dramático, talvez suficiente para levar o Kremlin à mesa de negociações. Nesse caso, sob pressão de seus aliados ocidentais, o governo ucraniano poderia aceitar uma vitória parcial: o recuo da Rússia até as posições ocupadas em 24 de fevereiro de 2022

    A corrente ultranacionalista russa quer um triunfo total: a derrubada do governo de Kiev e a imposição de um protetorado informal sobre a Ucrânia. Putin, porém, desistiu do objetivo maximalista depois de sucessivos fracassos militares. Hoje, ao que tudo indica, persegue uma vitória parcial: o controle do Donbass e da “ponte terrestre” para a Crimeia. Se a atual ofensiva funcionar, o chefe do Kremlin tentaria congelar o conflito por meio de um armistício: um longo interregno antes da próxima invasão. Ele aposta na quebra da unidade ocidental em defesa da soberania ucraniana. É nesse contexto que se deve interpretar a retórica de Lula pela paz.

    No final de 2019, Lula concedeu uma entrevista à RT, veículo oficioso do Kremlin. Nela, exprimiu sua visão da geopolítica global:

    – Uma coisa que me deixa orgulhoso é o papel desempenhado por Putin na História mundial, o que significa que o mundo não pode ser tomado como refém pela política dos EUA.

    A Rússia promovera, cinco ano antes, a primeira invasão da Ucrânia. O então candidato à Presidência enxergava a Rússia imperial putinista como fator de equilíbrio geopolítico. Sua cruzada diplomática por negociações de paz na Ucrânia inscreve-se nessa visão.

    Segundo Lula, o “clube da paz” excluiria os EUA e os países europeus “envolvidos na guerra”. (Registre-se, de passagem, que a Carta da ONU impugna as palavras do presidente: o auxílio econômico e militar a uma nação submetida a uma guerra de agressão não transforma os Estados que a apoiam em partes do conflito.) Contudo, partindo de sua falsa premissa, Lula sugere que China e Índia figurem como núcleo do tal “clube da paz”, ou como mediadores entre Moscou e Kiev.

    A iniciativa de Lula não tem chance de prosperar, pois a Ucrânia rejeitará uma mediação conduzida por aliados da Rússia que se recusam a exigir a integridade territorial ucraniana. Mas o objetivo dela não é a busca da paz. No lugar disso, busca-se oferecer a Putin uma vitória diplomática: a exibição da Rússia como nação aberta a negociações e, no polo oposto, da Ucrânia como obstáculo intransponível à paz. O timing da proposta lulista, que terá novo capítulo durante a visita à China, ajusta-se à ofensiva militar russa no Donbass.

    Analistas ingênuos imaginam que a retórica sobre o “clube da paz” reflete apenas a ambição de Lula de emergir como ator diplomático global. Subestima-se o impulso “anti-imperialista” (na verdade, antiamericano) da política externa cultivada pelo PT, bem como seu estreito alinhamento com a orientação geopolítica de Havana. As sentenças proferidas por Lula na RT não decorrem de desinformação ou da vontade de agradar ao ditador russo. São expressão precisa de uma visão de mundo.

    A “solidariedade” de Bolsonaro a Putin tinha relevância mínima, devido ao autoimposto isolamento diplomático do Brasil. A “solidariedade” de Lula a Putin, pelo contrário, tem implicações significativas.

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