Estou de alma lavada mais uma vez. Aquilo que a imprensa daqui e regional por medo, negócios ou até dá notinhas envergonhadas se justificando meio que esconde, as redes sociais esbanjam. O penúltimo caso foi um vídeo curto. Fez sucesso neste final de semana, desnudou completamente – e sem meias palavras – a face oculta cheia de oportunismo do MDB de Gaspar, e que já se vestiu de freira para estar como a beata entre nós nas eleições do ano que vem.
O advogado especializado nesta área do direito eleitoral, e devido ao aprimoramento profissional com relações consistentes com o poder petista recém-instalado em Brasília, o jovem João Pedro Sansão, foi o escalado para fazer o serviço de desnudamento do MDB de Gaspar. E o fez com maestria. Mas, não se iludam. Não há santos neste jogo de cenas.
Primeiro parte do desastre da gestão de Kleber Edson Wan Dall, MDB, tanto como Luiz Carlos Spengler Filho, PP, bem como e principalmente com Marcelo de Souza Brick, Patriota, tem a clara e proposital omissão do PT no papel de oposição. Então ele é parte do desastre. Mas, isto fica para outro comentário em outro dia. O que João Pedro fez neste vídeo, não se enganem, tem a assinatura do velho PT de Pedro Celso Zuchi – e por tabela, do casal Décio Neri (ele presidente do partido em SC) e Ana Paula Lima ( a eleita deputada Federal), ambos de Blumenau. Zuchi deu o recado, o tapa, mas escondeu a mão.
Entretanto, na minha opinião, o que está oculto não desmerece o vídeo – pois é uma das poucas coisas inteligentes produzidas nestes últimos tempos entre políticos em Gaspar para a cidade sair da mesmice além deste espaço. É provocativo. O prefeito até promete responder numa entrevista de rádio que já pré aceitou. Mas, responder o que se está mal assessorado? Vamos ao que interessa.
Cena um.
O prefeito Kleber, o evangélico, o que nunca foi MDB, mas sempre esteve nele porque o MDB, sem nomes, precisava de alguém com votos nas bases neopentecostais; o que está tutelado pelo novo prefeito de fato daqui o deputado Federal Ismael dos Santos, PSD, também evangélico de mesma congregação, e em tese, rival em Blumenau, onde também se elegeu para a Câmara Federal, Ana Paula Lima, PT, gravou um vídeo para a sua e outras turmas a procura de caminhos que se estreitaram nos resultados de dois de outubro do ano passado, demarcando o terreno conservador e evangélico, e não exatamente do MDB daqui, estadual, ou nacional.
– Bom dia, pessoal. Hoje é dia primeiro de janeiro, infelizmente o Brasil tem um novo presidente”.
Nota: sobre isto, já escrevi no Trapiche, no artigo no dia dois de janeiro. Ou seja, não vou me repetir duas semanas depois, até porque já era uma repetição de algo anunciado e comentado aqui várias vezes.
Cena dois.
Então qual a novidade? É que remoendo por vários dias, o PT de Gaspar, enxergou na declaração de Kleber uma oportunidade. Escalou João Pedro, não exatamente para rebater ou confrontar – uma marca clara do partido aqui e em quase todo o lugar -, mas para atordoar Kleber, o MDB, os conservadores e os que se ensaiam nos bastidores para as repetidas ou “novas” alianças da esperteza, da sobrevivência e até mesmo para uma convivência do sapo e a cobra no mesmo balaio. Tudo só para se estar no poder a qualquer custo. Aprendizado com o passado e o que está aí, zero!
Com os que eu conversei sobre o assunto no MDB, revelaram ter ficado meio sem chão. Explicações. Justificativas. O PT posou de vítima, conciliador e mais do que isso, propôs-se a ajudar o prefeito Kleber em Brasília. E ainda colou no MDB e em Kleber o selo da esperteza. Ele sempre se disfarça na marquetagem descontextualizada. Kleber, de verdade, ainda não possui uma marca de governo, até aqui, para chamar de sua.
Na montagem cenográfica e marqueteira do vídeo, João Pedro acaba de olhar no seu smartphone a declaração de Kleber numa das suas redes sociais. Guarda-o, calmamente. Reflete com ar de equilíbrio emocional. Olha para a câmera que o grava e calmamente se tornar um conselheiro e um anjo portador de ajuda aos gasparenses. Bastaram 40 segundos. Eles são demolidores.
– Muita gente tem me perguntado a opinião que tenho em relação a esta declaração do prefeito. Eu acho que como cidadão ele pode ter a opinião que ele quiser sobre o presidente da República. Por outro lado, como prefeito da cidade ele deve ter mais cautela, afinal, a relação entre o município de Gaspar e o governo federal interessa a todos que seja uma boa relação. No último período [governo de Kleber] nós tivemos pouquíssimos investimentos federais em nossa cidade. Mas no governo do PT, nós tivemos a Ponte do Vale, Ponte Hercílio Deeke [reforma feita na marra e que resultou na perseguição a uma juíza], construção de viaduto, policlínica, creche, pavimentações entre tantos outros investimentos. Então esta relação ela só interessa à população independente de posição política. Então eu queria aproveitar este momento para dizer; olha estamos em início de governo [do PT de Lula]. Vamos buscar construir uma boa relação e prefeito: conte comigo! Eu quero ajudar a cidade a ter uma boa relação com Brasília e transformar isso em mais investimentos para Gaspar.
Leitura um.
Kleber provou mais uma vez que é muito, mas bota muito, mal assessorado. Gasta muito tempo e dinheiro público em uma marquetagem que o leva à exposição de fraquezas como líder e realizador. Não possui marca de governo para confrontar e comemorar com governos anteriores. Está sendo engolido por problemas, ou a soma deles. E está no segundo mandato. Cada vez está mais claro que ele é um passageiro – de grupos de interesses, inclusive familiares e de vingança pequena – e não um timoneiro.
Leitura dois.
O MDB de Kleber se arrumou e já está com Lula. O MDB sempre é governo. Em Gaspar só é governo no primeiro mandato por causa do PP. No segundo mandato por causa do PP e do nó que deram no afoito pelo poder a qualquer custo, Marcelo de Souza Brick, ex-PSD, e hoje no tal inexpressivo Patriota. Hoje é um peso morto e descartado. Quer reagir, mas…
O MDB só é contra o governo até as facções da federação chamada MDB não se acertarem entre elas no naco de poder. Acerto feito, fidelidade e contrapartida de apoio como prazo de validade. Sabem sair na hora certa como fizeram com Dilma Vana Rousseff, PT. Em Santa Catarina, o MDB lançou a boia de salvação dos dois últimos anos do governo de Carlos Moisés da Silva, Republicanos. Fartou-se. Mas, faltou na hora de buscar votos para reelegê-lo mesmo diante de tantas juras, uma delas com Kleber. E por quê? Qualquer um que se elegesse governador o MDB sabia iria negociar com o MDB. E assim está sendo com Jorginho Mello, PL, na tal necessária governabilidade.
Leitura três.
A precipitada e até discriminatória declaração de Kleber contra o governo eleito democraticamente e sem maracutaias das máquinas como alegam os extremistas bolsonaristas, é uma demarcação de terreno de Kleber para um público dele, que exatamente não é MDB como ele não é igualmente. É também um ensaio com desculpa esfarrapada para Kleber abrir uma porta e deixar o MDB. Aliás, até o que porventura vier a sobrar como MDB de Gaspar poderá estar numa chapa onde o PT esteja em 2024 por aqui, sem que o PT esteja na cabeça. É também um reconhecimento da sua incapacidade e um aviso de Kleber à cidade que as portas de Brasília estarão fechadas para os dois anos finais da administração de Kleber, exatamente os da eleições por aqui. E os culpados disso ele já nomeou: Lula e o PT
Leitura quatro.
A fala impensada de Kleber permitiu à comparação de gestão da qual Kleber não consegue se livrar quando os fatos são colocados à realidade com as do PT de Zuchi – eleito três vezes prefeito, algo inédito entre nós. E mais do que isso: abriu um flanco real para o PT de Gaspar e especialmente João Pedro se tornem um interlocutores de Kleber com Brasília por Gaspar, fato que Kleber não conseguiu nestes seis anos como prefeito, o seu MDB e os da aliança, como o PP.
João Pedro possui caminhos e contatos. E mais: ou alguém também acha que o novo prefeito de fato, o deputado Ismael dos Santos terá mais sucesso nesta representação por Gaspar do que Ana Paula Lima?
Leitura cinco.
A sinuca de bico e o discurso do PT foi criado pelo próprio Kleber e os amadores que o cercam. Se ficar o bicho come; se correr o bicho pega. Se não aceitar a oferta de João Pedro, Kleber estará dizendo que preferiu sacrificar a cidade que tanto ama por uma causa ideológica. Por outro lado, corre o risco de melhorar o conceito do PT entre os gasparenses. Se Kleber aceitar a mão estendida, de João Pedro, de Ana Paula, o PT pode abrir espaços e crescer pois não deixará de dizer aos quatros cantos que nesta ajuda tem a sua marca. Marqueteiros eficientes do nada, o PT sempre foi.
Leitura final.
O PT de Gaspar concorda que se trata de demarcações claras de terreno visando o embate do ano que vem. Mas, garante que está busca de um novo ciclo. Um interlocutor me disse o seguinte, sem se alongar em detalhes: “até então, havia uma postura envergonhada do PT. ‘O PT é ruim, mas em Gaspar ele é diferente’. A ideia é manter o diálogo sem radicalizar. Mas, também sem esconder ou ter vergonha do partido”.
Interessante, eu completaria. O PT sabe que em 2000 venceu numa onda com a cidade – majoritariamente conservadora – muito dividida e povoada de candidatos. Tanto que perdeu a eleição seguinte para Adilson Luiz Schmitt na primeira união do MDB com o PP. O MDB ao fritar Adilson que não saciou o partido e politicamente errou muito, permitiu a volta por mais dois mandatos do PT. E foi neste período que consolidou as obras citadas por João Pedro no vídeo.
A imagem do PT é ruim em qualquer lugar pelo legado que ele deixou com Dilma e a prisão de Luiz Inácio Lula da Silva. Tudo fica pior em ambientes conservadores e que se radicalizaram como aqui. Tanto que agora, o PT se agarrou à tábua de salvação da democracia, para silenciosamente, armarem com Lula 3.0 o desastre econômico do governo Dilma.
A suposta ajuda a Gaspar é bem-vinda porque ela beneficia a cidade como um todo, mas se Brasília não for bem, Kleber ainda pode, com todo o seu amadorismo marqueteiro, sair-se bem nesta aposta de alto risco que o MDB de Gaspar e principalmente Kleber tendem a negar a João Pedro e o PT. Preferem que o tal Avança Gaspar seja apenas mais uma ficcional peça marqueteira. Acorda, Gaspar!
TRAPICHE
O deputado estadual reeleito Ivan Naatz, PL, está visivelmente incomodado com os radicais e o isolamento dele promovido por seus pares de partido. E o pior que ele não pode abrir o saco de pedras que sempre usou para atirar nas vidraças alheias.
O presidente do MDB de Santa Catarina, deputado Carlos Chiodini, de Jaraguá do Sul, ao mesmo tempo que afirma está conversando com o governador Jorginho Mello, PL, para participar do governo e dar sustentabilidade na Alesc, diz que o partido não possui nomes para a indicação. Conta outra. Estão todos mapeados. E esta é a questão central que emperra a finalização do acordo.
Rodam nas redes sociais dos conservadores radicais promessas de campanha não cumpridas pelo recém-eleito Luiz Inácio Lula da Silva, PT, entre elas de aumentar o salário-mínimo e a faixa de isenção do Imposto de Renda beneficiando quem ganha menos. Tem que cobrar mesmo.
Mas, não custa lembrar que o governo de Jair Messias Bolsonaro, PL, também prometeu as mesmas coisas e teve quatro anos para fazer isso e não as fez. Gente de memória seletiva e curta.
A Rua Artur Poffo, no Bom Jesus, em Gaspar, está sendo asfaltada num trecho de 500 metros. As lajotas – que é um patrimônio público – foram retiradas. Perguntar não ofende: foram vendidas, leiloadas, reusadas ou doadas?
Político de Gaspar tenta provocar tráfego nas suas redes sociais, depois de ver seus votos despencarem nas urnas: Ele pergunta o que Gaspar precisando? Se não sabe, não pode ser candidato, pois já deveria ter a solução para a cidade, cidadãos e cidadãs. A única coisa que está oferecendo, é um prato pronto com desconhecido e suposto apoiador financeiro. Ou seja, já está dizendo o que quer…
O que faz um secretário municipal tão logo assinar uma nota de um prestador de serviços se meter no ambiente burocrático da prefeitura para que a nota fosse quitada o mais rapidamente possível furando a fila da programação de compromissos financeiros?
Pois a prefeitura reabriu. A reunião do prefeito do Kleber Edson Wan Dall, MDB, aconteceu com o mesmo blá-blá-blá de sempre. E nada mudou. As mesmas caras. Eu escrevi que seria assim. E assim foi. Aos plantadores de novidades, mais uma vez ficaram sem colheita. Acorda, Gaspar!
5 comentários em “EM VÍDEO, O PT DE GASPAR DESNUDA SEM PIEDADE A FACE OCULTA DO MDB OPORTUNISTA NA CORRIDA DE 2024”
BANCO NA JUGULAR DAS AMERICANAS, por Vinicius Torres Freire, no jornal Folha de S. Paulo
Um representante de um dos bancos que vão tomar um espeto da Americanas diz que “agora, é preciso apertar a empresa e fazer com que seus acionistas maiores assumam responsabilidades, o bastante para que a companhia não fuja com o dinheiro [sic], mas nem tanto, a ponto de que a empresa deixe de ser operacional”.
É público que os bancos maiores, pelo menos, querem evitar que a Americanas saque das suas contas bancárias sem supervisão e controle, sem que explique o que vai fazer do dinheiro (a quem vai pagar, se vai, por qual motivo etc.). O BTG Pactual, por exemplo, conseguiu nesta quarta-feira uma decisão judicial provisória nesse sentido.
A situação, porém, está desembestada, no momento. Os bancos na prática foram à jugular da Americanas, a fim de se protegerem (“para que não fujam com o dinheiro” deles). Estão tratando o pessoal da Americanas como gente perigosa.
Por outro lado, como reconhece obviamente um desses bancões, com um caixa diminuto, sem crédito, sob risco de fuga de fornecedores e sem um acordo qualquer, judicial ou outro arranjo ao menos provisório, a empresa pode deixar de ser operacional. Isto é, não ter dinheiro para financiar suas atividades do dia a dia (para encomendar mercadorias, por exemplo).
De resto, também óbvio, se a cobrança for mesmo na jugular, com antecipação de pagamento de débitos, a Americanas se torna insolvente, o que não faz sentido para ninguém. No resumo da ópera, sem uma recuperação judicial ou uma doação milagrosa e instantânea dos atuais acionistas, não tem saída.
A estratégia, diz esse representante de um dos bancões, é forçar alguma espécie de compromisso de acionistas maiores. Ou seja, uma atitude do trio Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira (cerca de 31% das ações) ou, mais improvável (diz o representante do bancão), dos gestores de dinheiro grosso Capital Group, TIAA e Blackrock (cerca de 21%). Isto é, teriam de entrar com dinheiro novo e vender ativos, como a empresa de hortifrúti Natural da Terra, comprada em 2021, para dar um exemplo maior, e cessar investimentos.
A este jornalista, pelo menos, mais não foi dito a respeito do estado das negociações, mesmo entre bancos credores, que teriam de acertar uma estratégia, reconhece o representante do bancão, a fim de “não precipitar resultados inapropriados, que não são do interesse de ninguém”.
Um problema maior e óbvio para que se organize algum acordo ou estratégia é o próprio fato de que nem ao menos se sabe o tamanho do buraco, da camuflagem de dívidas, e de que não se conhecem responsáveis pela fraude e seus detalhes.
“Como negociar com alguém que pode ter dado um golpe? Qual a natureza das irregularidades? Tudo isso causa dificuldades e dúvidas jurídicas sobre o processo todo”, diz o representante do bancão credor da Americanas. No entanto, uma solução é necessária em dias ou horas.
De resto, o rolo pode seguir por novos caminhos. Reportagem desta Folha mostrou que um terço da dívida bancária da Americanas é com instituições públicas. O papagaio vermelho da companhia com todos os bancos seria de uns R$ 20 bilhões.
O tamanho do problema com as instituições financeiras públicas deve levar o governo para dentro da confusão —vai ser cobrado pelo que fizer a respeito do assunto, de agora em diante, mesmo não tendo tido nada a ver com o rolo.
A situação pode até se complicar, pois tende a haver um tempero político. Assim, o caso deve ser assunto também no Congresso. Por outro lado, pode ser um incentivo para que esse escândalo grosso não termine um acordão e “ajustamento de condutas”.
FALTA DE RESPEITO, por Willian Waack, no jornal O Estado de S. Paulo
O princípio da autoridade depende do respeito entre quem manda e quem obedece. Inversamente, desconfiança mútua corrói a capacidade de dar ordens e dificulta que sejam cumpridas.
É o ponto em que está no momento a relação entre Lula e os militares.
Os resultados que isto produz estão em Command, mais uma obra monumental de Sir Lawrence Freedman (do clássico Strategy), do King’s College de Londres, que acaba de ser publicada. O foco é entender como a relação entre autoridades civis e militares condiciona decisões de todo tipo, sobretudo em guerras.
“Os que dão as ordens deveriam ter a autoridade que traz o respeito de subordinados”, escreve Freedman. “Autoridade é algo a ser conquistado, não para ser dada como certa – e isso vale para os civis e para os generais.”
A autoridade de um chefão de sindicato pode ser exercida com um murro na mesa. Mas Lula tem experiência suficiente como presidente para saber que a autoridade constitucional de comandante em chefe das Forças Armadas é mais ampla e sofisticada, pois envolve duas formidáveis instituições de Estado.
“Pôr os militares no seu lugar” ou “devolver os generais aos quartéis” são frases de efeito que comovem a militância. E produzem o resultado contrário do que se pretende, isto é, estabelecer o “engajamento mútuo” entre poder civil e militar num período político crítico.
Da mesma maneira, generais sabem que, uma vez desrespeitados hierarquia e códigos internos, as cadeias de comando são fortemente abaladas. É o que aconteceu no episódio no qual o general Pazuello não foi punido por ter participado de manifestação política com Bolsonaro.
De lá para cá a “contaminação” bolsonarista nas Forças só piorou. Trata-se essencialmente do estado interno das cadeias de comando e sua relação com a autoridade civil. O fenômeno é amplo e preocupante pelo fato de integrantes de alta hierarquia militar aceitarem pro forma a figura institucional do atual presidente, mas duvidando da lisura da eleição e questionando o papel de tribunais superiores.
Do outro lado, o entorno de Lula reforça nele cacoetes que, por exemplo, o fazem se referir ao Comando Militar do Sudeste ainda como “2.º Exército” (uma das sedes do DOI-CODI na ditadura). Com consequências severas: o entorno de Lula não quer mais militares ao seu redor, de patente alguma (são considerados até risco à segurança física do presidente), reiterando profunda desconfiança na instituição, e não só em indivíduos.
“Pacificação”, como reitera o atual ministro da Defesa, é condição necessária, porém não suficiente para tirar a relação presidente-militares do atual estágio, que é o da falta de respeito mútuo. Está sobrando fígado e faltando cérebro.
A DIREITA DE BOLSONARO, por Elio Gaspari, nos jornais O Globo e Folha de S. Paulo
No dia 1º de novembro, logo depois da derrota eleitoral, Jair Bolsonaro gabou-se:
– A direita surgiu de verdade em nosso país.
Na tarde de 8 de janeiro, viu-se em Brasília o que é a direita de Bolsonaro. Direita, o Pindorama sempre teve, mas a de Bolsonaro tem características próprias e inéditas. É uma direita com bases populares, mobilizável para atos de delinquência. Noves fora George Washington de Oliveira Sousa, gerente de um posto de gasolina no Pará que está preso, 23 dos 1.500 presos de Brasília tinham antecedentes criminais. O George Washington bolsonarista planejava um Riocentro 2.0, explodindo um caminhão de combustível no pátio do Aeroporto de Brasília, sincronizado com um corte de energia. Esse é o braço terrorista dessa direita.
No braço dos atentados de 8 de janeiro estavam duas figuras singulares.
Uma é Maria de Fátima Mendonça Jacinto Souza, a “Fátima de Tubarão” (SC), de 67 anos. Ela invadiu o Palácio do Planalto, avisando:
– Vamos para a guerra, é guerra agora. Vamos pegar o Xandão agora.
Xandão é o ministro Alexandre de Moraes.
O outro é o paraense Antônio Geovane Sousa de Sousa, de 23 anos, preso quando tentava acender um explosivo.
Fátima foi condenada a três anos e dez meses de prisão por tráfico de drogas e cumpre a pena em regime aberto. Geovane foi preso em 2018, acusado de ter matado um homem a facadas. É um foragido. O que leva pessoas com antecedentes criminais a participar de atos como os atentados de 8 de janeiro só pode ser uma irresponsável sensação de impunidade. Mas essas poderiam ser histórias do andar de baixo.
No de cima, vai-se achar Creusa Buss Melotto. Duas semanas antes do fim do governo, a senhora recebeu do Gabinete de Segurança Institucional uma autorização para a exploração de garimpo de ouro numa área de 9.800 hectares na Amazônia. Na década de 1990, ela cumpriu pena de seis anos de prisão por tráfico de drogas.
A direita de Jair Bolsonaro nada tem a ver com a de figuras como Roberto Campos ou o ultramontano católico Gustavo Corção. Ela tem a cabeça sabe-se lá onde, mas seus pés estão nas milícias, na grilagem de terras, nas delinquências amazônicas e até mesmo em casos de crimes.
(As ligações da ministra do Turismo, Daniela Carneiro, ou “Daniela do Waguinho”, com milicianos da Baixada Fluminense são uma carga para o governo de Lula. Comparar o grosso da militância bolsonarista com a petista é chamar urubu de meu louro, mas tanto os urubus como os papagaios são aves.)
A direita mobilizada por Bolsonaro fez no dia 8 de janeiro coisas que nunca foram vistas na política nacional. Aqui e ali já foram cometidos atos violentos, mas nunca tiveram o apoio expresso e persistente de uma liderança nacional.
Queira-se ou não, Jair Bolsonaro teve 58,2 milhões de votos. Perdeu para Lula por uma margem de menos de dois pontos percentuais. Num universo eleitoral que cresceu, em 2022 ele teve cerca de 400 mil votos a mais que em 2018.
O 8 de janeiro sugere que pode ter começado o ocaso político de Bolsonaro. Sua direita é outra, nunca vista. Violenta e golpista, com base popular.
O último parágrafo do editorial de “O Globo” é um espetáculo. Porém, quem vai projetá-lo, executá-lo e quando?
DECLARAÇÕES DE HADDAD E TEBET REVELAM SENSATEZ, editorial do jornal O Globo
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou no Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça, que o arcabouço fiscal que substituirá o teto de gastos deverá ser definido até abril. Também repetiu a promessa de que uma reforma tributária será aprovada no primeiro semestre. Em entrevista ao GLOBO, a ministra do Planejamento, Simone Tebet, reforçou que essas serão as prioridades da equipe econômica ainda no primeiro semestre.
Os planos e o cronograma mostram um governo ciente da urgência dos dois temas. Transmitir um sinal inequívoco de compromisso em ambas as áreas — fiscal e tributária — ajudaria a destravar investimentos no Brasil e tiraria as empresas da postura cautelosa e defensiva que têm assumido desde a posse do novo governo.
Para ajudar a tornar realidade as palavras de seus ministros, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deveria se comprometer publicamente com a responsabilidade fiscal — algo que não fez até agora. Lula tem de usar o período de lua de mel que terá no novo Congresso para aprovar mudanças na estrutura tributária irracional que faz do Brasil motivo de piada entre empresários estrangeiros.
Definir uma regra confiável para conter os gastos públicos é ainda mais urgente depois que o Congresso aprovou várias mudanças na Constituição rompendo o teto de gastos. O Brasil é prova de que, sem limite para as despesas, o equilíbrio das contas públicas e a gestão do endividamento se tornam muito mais difíceis. Quem paga no fim é a população, com juros mais altos, economia e geração de empregos mais lentas.
Se aprovada sem grandes mudanças, a proposta de reforma tributária em tramitação no Congresso tornaria mais racional a estrutura brasileira de impostos, ajudando a libertar os empresários perdidos na barafunda de regras ou mergulhados em disputas judiciais. O desafio do governo é neutralizar o lobby dos grupos que até hoje conseguiram descarrilar todas as tentativas de mudança porque se beneficiam da bagunça reinante.
Em Brasília, Tebet criou uma secretaria específica para monitorar e avaliar políticas públicas. Além de interromper o que não dá certo, o objetivo é analisar os programas nas fases de formatação e implementação para aperfeiçoá-los. É o tipo de iniciativa que pode influenciar de forma positiva o equilíbrio das contas públicas.
O desafio é pôr em prática algo que já foi prometido no passado, sem resultados notáveis. Mesmo que monte uma equipe técnica à altura, a questão mais espinhosa para Tebet será política. Para não ficar apenas no discurso, ela precisará enfrentar a oposição de governadores ou congressistas contrariados pela suspensão ou mudança em programas destinados a suas bases eleitorais.
Em Davos, Haddad afirmou que, com a agenda correta e as contas equilibradas, o Brasil crescerá acima da média mundial nos próximos quatro anos. É possível. Mas o retrospecto do PT no governo e as inclinações naturais do partido recomendam cautela. Lula precisa entender que não há política mais eficaz para ajudar os pobres do que controlar as contas do governo, para que o Estado precise tomar menos dinheiro emprestado no mercado e disponha de recursos para implementar políticas públicas comprovadamente eficazes.