A prefeitura de Gaspar “volta a trabalhar” nesta segunda-feira, lembra o alcaide nas suas redes sociais na falta de notícia mais relevante para a cidade. Alguém sentiu falta dela nas férias coletivas? Não só dela, mas de outras prefeituras também, registre-se pelo bem da observação. O serviço público continua nos padrões dos antigos carimbadores de papéis. Ele está cada vez mais perdendo importância para o cidadão e cidadã que está atrás de soluções e precisa pagar a conta ou os pesados impostos para sustentar esta máquina cada vez mais inchada e burocrata, contraditoriamente no mundo cada vez mais digital e auto resolutivo.
Hoje tudo está na palma das nossas mãos. Menos nos municípios. Há alguns significativos avanços em alguns estados, entre eles Santa Catarina, e até mesmo no governo Federal, principalmente na Receita Federal, a gulosa e até mesmo, no INSS ou os auxílios sociais via o gov.br – cheios de oportunidades de fraudes, também se registre -, aque se modern izou minimamente devido à pandemia. Já nas prefeituras…
O noticiário nacional fervilha-se para o “novo”, mas claramente velho governo de Luiz Inácio Lula da Silva, PT, bem como para os “patriotas” fazendo das suas em nome de “Deus” no novo parquinho deles, a Praça dos Três Poderes, em Brasília. Alguns deles estão “descansando” agora no “acampamento” da Papuda e similares. Trocaram a necessária e inteligente oposição, por depredações. Inacreditável. Com este espantoso devaneio proporcionado pelos bolsonaristas radicais enrolados em bandeiras e protegidos por um deus da iluminação, os conservadores, os direitistas e os liberais deixaram o PT e a esquerda do atraso bem à vontade, para fazer das suas logo de cara… Impressionante.
E por aqui? Jorginho Mello, PL, que ameaça ser um dos piores governadores que Santa Catarina já teve, está se equilibrando para formar o seu governo. O seu secretariado está incompleto três semanas depois de empossado e tendo pelo menos outras nove semanas para desenhá-lo politicamente. Aguarda as “negociações”. Faz de tudo para não ser engolido de um lado pelos radicais bolsononaristas e do outro, tragado pelo trio PP, MDB e PSD que Jorginho conhece muito bem de outros carnavais e com quem já se afinou melhor do que os chamados de direita e conservadores.
E na aldeia? Gente do governo do prefeito Kleber Edson Wan Dall, MDB, por vias diretas e principalmente às tortas, testa o grau de influência das minhas fontes sobre o que produzo de ideias.
Então, achando que sou mais um daqueles tontos que fazem de suas colunas, algo social, comercial ou de ensaio de seus recados de poder, fez-me chegar de que vai haver “mudanças” no secretariado de Kleber. Bobagens. Mas, isto não é anunciado pela cidade inteira desde as eleições de dois e 30 de outubro? Até agora, de verdadeira mudança, nada. Misturou-se apenas mais do mesmo e em alguns casos, perigosas doses de amadorismo naquilo que reconhecidamente não deu resultado até aqui para a cidade, os cidadãos, cidadãs e até mesmo, pasmem, para a aliança onde está metido o prefeito e sua turma.
E por que destas supostas mudanças – quando elas acontecem nos anúncios, ao menos – se fazem entre os mesmos? Porque está em curso uma costura entre panos iguais para deixar tudo como está e se fazer a sucessão em 2024 entre eles próprios.
Um finge que sai do partido. Outro que faz a aliança com o que não quer se testar nas urnas e assim vai. E no final, quem ganhar, abraça o que perdeu e a vida segue contra a cidade, o cidadão e a cidadã. É assim que tudo funciona e se arma novamente por aqui. E os eleitores e eleitoras comendo raspa de casca de abóbora seca como se fosse um legítimo, raro e muito caro açafrão.
E aí neste ponto dou espaço à minha assídua leitora Odete Fantoni, eleitora em Gaspar, para não me repetir naquilo que sempre escrevo.
Ela na semana passada postou na área de comentários do blog algo mais ou menos assim: “Somos umas bananas. Brigamos furiosamente por políticos, mas não mexemos uma palha para defender nossos direitos. parece que a estratégia da direita, da esquerda e do centro (muito unidos) foi a de nos [cidadãos e eleitores] dividir. Sim, eles nunca erram”, vaticinou Odete bem acordada e há muito tempo. Uma raridade por aqui. E aí eu completo numa repetição que vara décadas e nada resolve: acorda, Gaspar!
TRAPICHE
O deputado Ivan Naatz, PL, de Blumenau, era – ao menos se apresentava como tal – o articulador político do governo de Jorginho Mello, PL. Já escrevi que Ivan é um exímio atirador de pedras e não exatamente um conciliador e engolidor de sapos. Inventou a junção do PL com o PP dando ao deputado José Milton Schaffer, da longínqua e pequena Sombrio, no Sul do estado, a presidência da Assembleia.
Empacou. A conta não fecha. Com esta aliança Jorginho teria no máximo 18 dos 40 votos. E terá muito menos, porque os bolsonaristas que estão no PL e são maioria, não são confiáveis. Simples assim. Eles possuem outro líder e outra forma de pensar. Pouco importa o governo ou as prioridades do estado. E no fundo, eles não consideram nem Jorginho e nem Ivan confiáveis.
Sem muitas alternativas, Ivan bateu em retirada. Está há semanas em férias na Ásia. Providencial, até porque não usa o arsenal de pedras e permitiu que Jorginho deixasse entrar em cena o articulador de sempre, o reeleito deputado Júlio Garcia, PSD, que no senso do toma-lá-dá-cá de sempre, trará quase todos os partidos para dentro da chapona, incluindo o MDB.
Ela dará o mínimo tranquilidade para o governo de Jorginho, ao menos no início, a começar pela cara reforma administrativa que quer colocar contra os pesados impostos dos catarinenses para dar empregos a políticos sem votos, como fez o ex-governador Luiz Henrique da Silveira, MDB. Eles se acertam e os que pagam o pato são os mesmos de sempre.
Nós, literalmente, os burros de carga. Dos R$2,890 trilhões em impostos federais, estaduais e municipais em 2022, segundo estimativa do “Impostômetro” e que fez publicar em vários veículos de comunicação, entre os 27 entes federados, Santa Catarina foi o sétimo da lista com R$120,9 bilhões. Perdemos pela ordem para São Paulo (R$1,031 trilhão), Rio de Janeiro (R$394,1 bilhões), e isto muito por causa dos royalties da extração do petróleo), Minas Gerais (R$213,6 bilhões e onde há uma parcela significativa da extração de minérios), Distrito Federal (R$180,0 bilhões), Rio Grande do Sul (R$166,2 bilhões) e Paraná (R$161,2 bilhões).
Ou seja, o Sudeste e o Sul verdadeiramente sustentam o Brasil. Além do Distrito Federal, no Centro Oeste, já mencionado e se sabe bem a razão desta distorção, o primeiro estado fora destas duas regiões é a Bahia (R$93,1 bilhões), seguido por Pernambuco (67,7 bilhões).
Se Valdemar da Costa Neto, dono do PL, num surto de lucidez e esperteza, acha que é preciso o ex-presidente Jair Messias Bolsonaro sair do partido para “descontaminar o partido”, como ficarão os bolsonaristas raízes que se elegeram pelo PL no ano passado e não podem mais mudar de partido segundo a legislação eleitoral em vigor? A história do PSL se repetindo. Estava escrito mesmo sem os acontecimentos de oito de janeiro.
A região do Vale do Europeu – uma das que mais arrecada impostos em Santa Catarina – está sem representantes no governo de Jorginho Mello, PL. Incrível. Sondagem até que houve, mas muitos dos sondados temem o fracasso do governo recém-empossado. Uns não querem transferir isso para seus futuros currículos, outros atrás de votos, mesmo sendo bagrinhos, só embarcam em canoa devidamente vedada a vazamentos
Perguntar não ofende. Quando vereador, o irmão de templo do prefeito Kleber Edson Wan Dall, MDB, Cleverson Ferreira dos Santos, PP, se dizia na tribuna da Câmara um simpático e agente da causa animal em Gaspar. Agora, ele é secretário de Agricultura e Aquicultura de Gaspar. Ele vai continuar ignorando o estado lastimável e quase criminosa da área de zoonoses do atual governo?
A ojeriza do atual governo é tal, que ele continua combatendo na Justiça ordens para colocar este assunto em dia a favor da cidade, enquadrar seus tutores e a favor dos animais abandonados que procriam – e causam doenças em humanos – por falta de política e ação pública consistente neste setor.
Impressionante. Membros do governo de Kleber Edson Wan Dall, MDB, e vereadores governistas, fazendo vídeos para exibirem aos seus como se estivessem vistoriando fisicamente as obras. E nelas, num péssimo exemplo, sem EPI – Equipamento de Proteção Individual – obrigatório a qualquer um que acesse estes locais. No passado, isto já deu problemas. Falta à fiscalização do Ministério Público do Trabalho ter acesso a estes vídeos públicos para aplicar penalizações tanto ao Município como a empreiteira, a qual convalidou tal infração.
Fazer vídeo fiscalizando obras e se trajando irregularmente é fácil. Difícil mesmo para estes agentes públicos é fiscalizar a papelada destas obras, como fazia o falecido vereador e ex-funcionário da secretaria de Obras, Amauri Bornhausen, PDT.
7 comentários em “PREFEITURA DE GASPAR “VOLTA A TRABALHAR” NESTA SEGUNDA-FEIRA. É A REPETIÇÃO DO BALAIO DA MESMICE”
O Grande e Saudoso Vereador Amauri Bornhausen, quanta falta fará para TODOS nós, esquecidos pelos quase TREZE VEREADORES DA CÂMARA DE GASPAR no👀
Vez por outra o Vereador Bertoldi e o Vereador Alex cumprem o papel para o qual foram ELEITOS:.Representar os REPRESENTADOS.
Mas, olhando bem de perto, usam muito mais a tribuna pra DEFENDER o partido e seus interesses e ideologias que ao POVO gasparense e suas DEMANDAS e EMERGÊNCIAS.
Sem falar que na maioria das votações, mesmo com opinião contrária, votam aliados aos interesses do Executivo Municipal.
Vereador Amauri Bornhausen era o meu, o seu, o nosso REPRESENTANTE nesta casa dita do POVO, mas que a ele, o POVO, cabe apenas PAGAR AS CONTAS SEM DAR UM PIO.
👀 OLHA A EMPOLGADA MESA DIRETORA DA CASA DO POVO CHAMANDO A POLÍCIA ARMADA DE FUZIL AÍ GENTE..🚴🚣🏃
O JOIO E O TRIGO ENTRE OS FARDADOS, por Eliane Cantanhede, no jornal Folha de s. Paulo
Em reunião nesta segunda, 16/1, com os ministros da Justiça, Defesa e GSI, mais o interventor do DF e o diretor da PF, o presidente Lula estava bravo, irritado com “omissões” e “conivências”, inclusive de militares, no golpe de domingo, 8/1, e avisou: “Nunca mais vai acontecer!”.
Entre tantas heranças malditas deixadas por Jair Bolsonaro, não só para Lula, mas para o Brasil, a mais complexa e difícil de consertar é o estrago nas Forças Armadas. Não depende só de recursos e dança de cadeiras, é preciso muito mais, sobretudo tempo, habilidade e bom senso.
Grande parte dos militares não votou em Lula, mas, assim como há golpistas histéricos, a maioria – espera-se! – é de oficiais legalistas, que prezam a Constituição, as instituições e a democracia. E batem continência para a autoridade constituída, dentro dos princípios de ordem, disciplina e hierarquia.
Exemplos: o comandante da Marinha, Marcos Sampaio Olsen, e seus antecessores Eduardo Leal Ferreira e Ilques Barbosa, que saíram dos grupos de Whatsapp de suas turmas da Escola Naval em defesa de Olsen e da democracia, e os ex-comandantes do Exército, general Fernando Azevedo e Silva, e da FAB, brigadeiro Juniti Saito, adeptos da pacificação que o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, tenta a duras penas.
A questão é como tratar o racha e os radicais, em particular no Exército, que expeliu Bolsonaro como capitão, mas foi tragado por ele à custa de cargos, salários e privilégios. É inaceitável ter golpistas se refestelando 60 dias no Quartelgeneral, com churrascos e banheiros químicos, no que Flávio Dino (Justiça) chamou de “incubadora de terroristas”. E se fossem o MST, indígenas, moradores de rua?
O Exército foi leniente, ou conivente, e o problema é calibrar a reação, punindo os culpados sem confrontar a instituição e sem jogar mais lenha na fogueira. Lula não pode fingir que não aconteceu nada, nem testar força com as FA, botar a faca no pescoço de brigadeiros, almirantes e generais. Ele já disse que não quer saber quem votou em quem, mas tem de separar o joio do trigo, isolar o inimigo – bolsonaristas irrecuperáveis, que aplaudem golpes e conspiram – e ampliar os canais com os legalistas – que querem paz e diálogo, mas sem abrir guerra contra seus pares.
O melhor para Lula e o Brasil é ele manter o processo de pacificação, atraindo os legalistas e impedindo que eles, por corporativismo, se unam aos hostis. Não é com um ministro petista, ou esquerdista, que vai conseguir. Para Múcio, é muito fácil retomar a vida boa no Recife. Para Lula, ruim com Múcio, pior sem ele.
COMO CONTER O STF?, por Joel Pinheiro da Fonseca, no jornal Folha de S. Paulo
Um ministro do Supremo pode afastar um governador por uma decisão de ofício, ou banir quaisquer usuários das redes sociais – na prática, a esfera pública de nossos tempos – por prazo indefinido e sem possibilidade de recurso. Não é preciso ser fã do Monark ou do Rodrigo Constantino para entender o perigo desse precedente.
Não há contradição nenhuma em afirmar, ao mesmo tempo, que: 1) sem as decisões – às vezes questionáveis – de Alexandre de Moraes, a democracia brasileira estaria em risco. 2) Os precedentes abertos por essas decisões são eles próprios fontes de risco à democracia.
O primeiro estágio de contenção das decisões monocráticas é o próprio Supremo. Chegamos a ver movimentos nessa direção no fim do ano passado -numa emenda regimental, o Supremo limitou o prazo de pedido de vista e submeteu mais decisões liminares à coletividade dos ministros. Ainda que possam conter excessos individuais, essas mudanças em nada mudam o equilíbrio de forças entre os Poderes, que agora pendem fortemente para o lado do Judiciário.
Esse crescimento de poder do Supremo não se deu no vazio. Vivemos uma onda sem precedentes de ataques à democracia liberal, aos quais as demais instituições brasileiras se mostraram incapazes ou indesejosas de responder. Como apontado por Conrado Hübner Mendes, a primeira e mais grave omissão está na PGR. Se tivéssemos um Ministério Público Federal atuante, tanto da ofensiva contra atos golpistas e violentos não teria que ficar a cargo da caneta do Supremo.
Mas não foi só a PGR. Os demais Poderes da República também se omitiram de maneira vergonhosa. Quando Bolsonaro chefiava o Executivo, é claro que dali só poderia vir, se tanto, colaboração com os movimentos golpistas que agora tentam reconduzi-lo ao poder. Mas o governo Lula, na primeira semana, mostrou-se igualmente indisposto a acabar com os acampamentos nos quartéis, mesmo tendo já uma noite de vandalismo e tentativas de ataques terroristas ligados a eles. O Brasil normalizou o pedido de golpe de Estado, vendo-o como algo “da democracia”.
Por fim, o Congresso também tem se omitido. Parlamentares eleitos estiveram entre os fomentadores e incitadores da pior depredação que os prédios dos três Poderes – Congresso inclusive – já sofreram. É inadmissível que continuem a ter seus mandatos como representantes da democracia que tentaram destruir (falo, é claro, de parlamentares que de fato tenham estimulado manifestações golpistas, e não apenas apoiado Bolsonaro ou o bolsonarismo de maneira geral).
Pedidos por sua cassação – ou que sequer tomem posse – já correm no Supremo, mas será que caberá a ele mais uma vez aquilo que o próprio Congresso deveria fazer? Reafirmar a soberania do Congresso frente aos demais Poderes requer que ele faça a sua parte no combate às ameaças.
Há uma semelhança de fundo entre as decisões de Moraes e a Lava Jato. Um juiz que comete possíveis atropelos na lei para atingir um fim socialmente importante que, por falhas nas demais instituições, estava negligenciado: o combate à corrupção num caso, a preservação da democracia no outro. Na Lava Jato, o triunfo total de Moro e dos procuradores foi, com o tempo – e com decisões políticas questionáveis do próprio Moro – sendo revertido até ser completamente enterrado. É preciso que os demais Poderes e órgãos de controle de nossa República não mais se omitam e passem a defender nossa democracia, para que os perigos de um Supremo superdimensionado também possam ser vencidos.
A ORIGEM DO PODER DE ALEXANDRE DE MORAES, por Felipe Moura Brasil, no jornal O Estado de S. Paulo
A reação aos atos golpistas de 8 de janeiro uniu lideranças dos três Poderes contra reacionários aloprados e exibicionistas, dispostos não apenas a cometer crimes publicamente, mas também a divulgar imagens deles, como fizeram durante invasão e depredação de Congresso Nacional, Palácio do Planalto e STF.
Os autores de crimes de corrupção, peculato e lavagem de dinheiro, geralmente, não são tão imbecis. Eles subornam, são subornados ou desviam recursos públicos longe das câmeras, e disfarçam a propina ou a verba desviada sob a forma (e reforma) de imóveis, remuneração por palestras, contratos advocatícios de serviços jamais prestados, sobrepreços, joias, chocolates, entre outros esquemas tão ou mais complexos.
A falta de confissões e imagens desses crimes (seja de acerto, pagamento ou desvio), somada ao poder político e econômico dos agentes usualmente investigados, abre um vasto flanco não somente de defesa jurídica, mas de blindagem dos alvos por autoridades complacentes e de sequestro da narrativa no debate público por influentes porta-vozes.
Jair Bolsonaro aloprou durante anos no Executivo, inclusive ao longo da pandemia, sob as omissões de um Congresso com orçamento secreto e um procurador-geral da República pró-sistema, escolhido pelo então presidente em meio à investigação de seu filho Flávio.
Augusto Aras agradou tanto ao sistema com a extinção da Lava Jato que foi reconduzido ao cargo pelo Senado com aval do PT de Lula, mas, como sua complacência com o bolsonarismo foi muito além dos casos de peculato, o STF aproveitou para contornar a Procuradoria em inquéritos relatados por Alexandre de Moraes, um dos quais usado para suspender apurações da Receita que atingiram ministros da própria Corte.
Curiosamente, apesar dos esclarecimentos técnicos do Sindifisco Nacional, o relator criticou a Receita na ocasião por ter utilizado “notícias na imprensa” em investigação de “supostos atos ilícitos de agentes públicos com prerrogativa de foro”; mas, tempos depois, ele mesmo determinou operação de busca e apreensão, com base exclusivamente em notícia na imprensa, em endereços de agentes privados sem foro no Supremo – no caso, empresários bolsonaristas que falaram de golpe em conversas privadas de grupo de Whatsapp.
A captura bolsonarista da PGR, com a conivência da velha política para escapar da Lava Jato, abriu um caminho enviesado para o superpoder monocrático de Moraes, que agora faz da necessária punição de golpistas uma nova etapa do eterno debate nacional sobre abusos de todos os lados.
A DITADURA DA REALIDADE, por Fernando Gabeira, no jornal O Globo
‘Abaixo a ditadura da realidade.’ Este cartaz numa charge da imprensa francesa sobre os eventos no Brasil diz muito para mim.
Na semana do tsunami em Brasília, escrevi um artigo prevendo os rumos da extrema direita. Examinei as possibilidades de uma evolução como na França ou mesmo na Itália. Concluí, entretanto, que o modelo que seguia era do trumpismo americano.
A influência da extrema direita americana é muito grande por aqui. Já é falta de imaginação imitar a tomada do Capitólio. Não sei o que dizer sobre copiar uma experiência claramente fracassada.
Deniers, esse é o nome usado para descrever os extremistas americanos. Negacionistas como os brasileiros, que negam o aquecimento global, a pandemia, os benefícios da vacina e o resultado das eleições.
Nada me parece mais claro na luta contra a ditadura da realidade do que a frase de uma das detentas em Brasília:
– Estão nos dando marmitas de prisioneiros.
Presa, ela se surpreendeu com a comida de preso e na penitenciária Colmeia vai achar que as janelas gradeadas parecem uma prisão e que os uniformes sugerem que não têm liberdade de usar a própria roupa.
Uma das minhas interrogações sobre o movimento extremista é exatamente esta: por que se afastam tanto da realidade e, quando se dão conta dela, ficam tão revoltados?
A hipótese com que trabalho, inspirada numa frase de Carl Sagan, é que a superstição domina as mentes quando não se preocupam mais em distinguir fatos de notícias falsas.
Eles estão sempre esperando um milagre em 72 horas, porque acham que esse é o tempo que Cristo levou para ressuscitar. Estão sempre confiando em nebulosos órgãos internacionais, sempre analisando os gestos de Bolsonaro como mensagens cifradas: ele parou diante de pilhas num supermercado, sinal de que devemos nos preparar para a luta.
Logo após as eleições, a mensagem de uma senhora dizia:
– Menina, você não sabe que o Nine morreu? Estão usando um sósia no lugar dele.
Sou favorável a processos transparentes, mas o que leio a respeito de Alexandre de Moraes é assustador e mostra que o ministro precisa se proteger: “Se você vier a Itaituba, vou arrancar e comer seu coração”. Se Alexandre reagir, é inevitável a resposta: mas e o direito de livre expressão?
Por essas razões, estou revendo minhas análises. Minha tese é que o gênio não volta à garrafa, e este movimento dificilmente será absorvido por uma direita clássica.
As categorias exclusivamente políticas não dão conta de compreendê-los. Não tenho a pretensão de explicá-los em poucas linhas. Mas, quando a realidade deixa de ser um parâmetro para a discussão, é necessário buscar outros argumentos.
Nas redes, o grupo detido momentaneamente na Academia de Polícia era apresentado como um campo de concentração moderno. A cada instante, morria alguém na narrativa dos apoiadores. Num dos vídeos, um jovem diz:
– Morreu uma mulher hoje.
Uma senhora de passagem responde:
– Uma não, duas.
Durante toda a semana, eles se preparam para uma “festa da Selma”. Pesquisaram na rede as revoltas em Bangladesh, pois achavam que bloqueariam algumas refinarias, ocupariam os três prédios do poder, e o Brasil inteiro cairia aos seus pés.
Entendo seu raciocínio. Nele, a maioria não votou em Lula, houve uma fraude. Logo, qualquer movimento colocará todo o país em estado de rebelião.
Vale a pena estudar atentamente todos os 1.500 depoimentos dos detidos em Brasília, entrevistar longamente os líderes. Eles quebraram tudo e depois cantaram hinos religiosos. É preciso uma nova estratégia. Navegamos em mares nunca dantes navegados. Talvez reler “Os sertões” e aprender um pouco, apesar das diferenças, com algumas referências históricas. É um grande desafio, pois esperam apenas um sinal, qualquer sinal para entrar na sua terra prometida.
O GOLPE, A ECONOMIA E LULA 3, por Vinicius Torres Freire, no jornal Folha de S. Paulo
A intentona terrorista de 8 de janeiro teria causado uma comunhão democrática instantânea, um ajuntamento de apoios políticos e sociais que também beneficiaria Luiz Inácio Lula da Silva. O presidente, um fiador da democracia, teria ganhado mais tempo para assentar seu governo, que começou sob críticas ao caráter restrito do que antes se prometia ser uma “frente ampla”, na economia e na política.
É uma análise que se ouve por aí. Pode-se especular de maneira razoável que não há tempo. Nem Lula, nem o país democrata, nem a pobreza ainda mais degradada por uma década sem crescimento têm tempo.
Como se não bastassem os quatro anos de agitação e propaganda de Jair Bolsonaro, os dois meses e meio depois da eleição comprovaram a organização golpista. Para citar o óbvio, houve quebra-quebra diante da Polícia Federal no dia da diplomação de Lula, tentativa de ataque a bomba ao aeroporto de Brasília, depredação de torres de transmissão de eletricidade, movimentos para bloquear a distribuição de combustíveis e envolvimento de militares na intentona.
Um mero começo de investigação encontrou um decreto golpista na casa do ex-ministro da Justiça de Bolsonaro. Parlamentares da extrema direita, a maioria abrigada no PL, continuam a apoiar a subversão. Em recados pela imprensa, oficiais-generais dizem que são intocáveis.
Pesquisas de opinião mostram que o eleitorado bolsonarista de 2022 quase inteiro desaprova Lula. Eleitores lulistas desesperados, impacientes ou “terceira via” podem se desencantar. Governar desgasta.
Desgasta ainda mais nesta situação socioeconômica ruim. A economia esfriou no quarto trimestre de 2022; talvez tenha encolhido. A taxa de juros alta, que assim permanecerá até o final deste 2023, a incerteza sobre a política econômica de Lula 3 e a lerdeza mundial sugerem por ora um crescimento de 1% do PIB neste ano.
O aumento do número de pessoas empregadas, se ainda ocorrer, não será bastante para reduzir a taxa de desemprego, se tanto, com provável estagnação dos salários, ainda nos níveis mais baixos desde 2012. A inflação ainda deve aumentar quase outros 6% neste ano, com níveis de preços já altos.
Seria quase inevitável um aumento de impostos, qualquer o governo, que deve ser a via preferencial de ajuste fiscal de Lula 3 (com menos ênfase em contenção de gasto). É um sinal amarelo de conflito, que não deve melhorar com as tentativas de setores empresariais e da elite profissional de fugirem das consequências (necessárias) da reforma tributária.
Empresários, em particular bolsonaristas, já tentam derrubar as mudanças propostas pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda) no sistema de solução de contenciosos da Receita Federal (Carf). A tentativa de tributar lucros e dividendos e de voltar a cobrar certos impostos é mais fonte de conflito.
O governo (e a economia e o ambiente) precisa da volta de impostos sobre combustíveis, cortados pela demagogia bolsonarista. É um assunto que já animou milícias caminhoneiras e locautes de empresas de transporte.
Em fevereiro, o Congresso volta a funcionar, com lideranças reeleitas, “empoderadas” e mais dispostas a arrancar benefícios de Lula (a mexida no butim das emendas de relator não foi digerida). Há partidos negocistas para cevar com cargos. A ver se a ameaça golpista ainda muito viva, investigações policiais, de Bolsonaro inclusive, e uma CPI mudam esse cenário.
Golpistas diversos podem se animar com uma perda de prestígio de Lula. A fim de evitar o risco, (também) o presidente precisa varrer a subversão, desbolsonarizar o país e deixar logo de bobagens na economia.
Principalmente “deixar logo de bobagens na economia”!