Há anos venho escrevendo, e provando, que o Orçamento de Gaspar é uma peça de ficção contábil. Ela, apenas cumpre um rito obrigatório -diga-se, desde já – para dar legalidade à uma exigência de transparência da administração pública. Há, inclusive, na audiência pública promovida pela Câmara. A foto acima mostra o desinteresse total da comunidade, das entidades e até mesmo dos próprios vereadores. Nela, prova-se, há pingados. O prefeito ao menos estava lá. Um retrato daquilo que não pode ser exigido, que impacta na vida da cidade e das pessoas, se não há participação naquilo que é exposto antes de ser levado a votação. Nem mais, nem menos. E olha que são quase meio bilhão de Reais em jogo. Para ser mais preciso: R$462 milhões de despesas e receitas para o ano que vem.
Este Orçamento é algo feito, por técnicos, num tal copia e cola de anos anteriores, sem qualquer traço de mínima inovação, ou o que seria ideal, ou profunda discussão – até porque discutir e justificá-la dá trabalho e ao mesmo tempo, exige do gestor público conhecimento, liderança e autoridade. Tudo para dar ao Orçamento Municipal cara de algo feito com prioridades, necessidades e planejamento, coisas que só aparecem – também de forma ficcional – todos dos dias, mas somente nas fotos da intencional e cara marquetagem levada às redes sociais do poder de plantão, ou nos veículos de comunicação, transformados que são em diário oficial da prefeitura de Gaspar.
O tempo prova, por si só, que se Orçamento não é falso, é falho, incompleto e cumpre um papel decorativo à obrigatória burocracia estatal e exigência legal. E não se trata apenas de uma birra deste escriba, que conhece um pouco de contabilidade empresarial, diferente da pública, mas com o mesmo senso de prioridade e gestão.
Voltando.
O Orçamento de 2023 de Gaspar acaba de ser aprovado, numa votação vapt-vupt na Câmara, sem nenhuma observação e por unanimidade. E pouco importância se deu a este assunto na cidade. O relator do Projeto de Lei, da Bancada do Amém, nem estava presente à sessão. O “seu relatório”, que na verdade é feito por técnicos da Câmara, foi lido pela secretária da mesa diretora da Câmara e capado nas explicações e justificativas pela presidente da Casa, a qual parecia querer se se livrar deste assunto o mais rapidamente possível, numa sessão que durou apenas 45 minutos e este cinco minutos entre apresentação, leitura do parecer, votação e proclamação do resultado.
Eu exagero? É só olhar a gravação da sessão. Impressionante teatro dos “representantes do povo”.
A partir da primeira semana do ano que vem, depois das férias de 45 dias dos vereadores, como acontece todos os anos, vão se amontar, novamente, projetos de lei vindos do Executivo pedindo anulação, suplementação, remanejamento de dotações orçamentárias, exatamente para se adequar, sob as mais diversas e manjadas justificativas, a uma realidade que não foi discutida no Orçamento e que eles próprios aprovaram.
Aliás, a última modificação neste sentido -virão mais – aconteceu na semana passada e com os votos de todos os vereadores. Entre as mexidas, estava a retirada de R$3,6 milhões das creches para o ensino fundamental. O que verdadeiramente significa isto?
O único a tocar nesta ferida, mas bem depois do projeto já ter sido ensacado por todos, inclusive por ele, foi Amauri Bornhausen, PDT.
Num município com falta absurda de vagas para creches, que quando há esta vaga para trabalhadoras ou desempregadas à procura de empregos, é em meio período, porque assim o prefeito Kleber Edson Wan Dall, MDB, e sua ex-secretária de Educação, hoje vereadora Zilma Mônica Sansão Benevenutti, MDB, acordaram com o Ministério Público, a prefeitura colocou na sua peça orçamentária de ficção deste ano que gastaria R$3,6 milhões (teve mais que já foi remanejado) para resolver parte deste crucial problema social e educacional na nossa cidade.
Pois não resolveu. E agravou. E cada dia piora. E o Ministério Público bem longe dele na enrolação que os políticos fazem. Apesar do Orçamento ter previsão para criar vagas e dotar o que existe com mais segurança, há locais onde o telhado de telhas, de tantos furos, está coberto com lona, salas interditadas e o que se está construindo de creche ou de terreno que se conseguiu da comunidade para ampliar – fato usado para desculpa esfarrapada até então -, não será para o ano que vem, nem para o curto prazo. Meu Deus!
Por outro lado, na própria Câmara, há uma comissão teatro, onde o próprio relator do Orçamento, é o presidente dela, e a ex-secretária de Educação membro. Poder-se-ia dar certo? Claro que não! Esta é a Gaspar de verdade que você não consegue ver debatida e melhorada. Escandaloso prejuízo contra os mais pobres, contra a educação e o futuro de gente vulnerável. Agora, dinheiro para a marina de riquinhos em água de rio poluído – exatamente por falta de saneamento básico -, se tem. Impressionante. Acorda, Gaspar!
TRAPICHE
Grosso modo, a secretaria de Educação, incluindo a Cultura é a que terá a maior fatia do Orçamento, quase R$100 milhões, sendo R$44 milhões para a Educação Infantil e R$63,3 milhões para a Educação Fundamental. Deste total, R$34,7 milhões virão de Brasília via o Fundeb.
A secretaria da Educação é tocada por um curioso, o jornalista Emerson Antunes, do círculo de confiança neopentecostal, vindo de Blumenau indicado pelo novo prefeito de fato de Gaspar, o deputado Ismael dos Santos, na vaga que cabia ao PSD de Gaspar, que era do vice-prefeito Marcelo de Souza Brick, hoje no Patriota.
A secretaria da Saúde, ficará, no papel aprovado na Câmara, com a terceira maior fatia: R$82,3 milhões, sendo que R$22,3 milhões virão de aportes federais e estadual.
Por que no papel? Porque de verdade, nos últimos anos, depois da intervenção marota inventada por Pedro Celso Zuchi, PT, no Hospital de Gaspar – que ninguém sabe dizer quem é verdadeiramente o dono dele -, remanejamentos tem aumentado substancialmente o Fundo Municipal de Saúde – isto sem falar nas doações – e esta área é a que mais consome recursos do Orçamento municipal.
O segundo maior Orçamento de 2023 de Gaspar é a secretaria de Planejamento Territorial com R$87,2 milhões, enquanto a secretaria de Obras e Serviços Urbanos possui uma rubrica de R$48 milhões.
Por outro lado, a máquina de propaganda da prefeitura vai gastar quase R$1 milhão no ano que vem, isto se ela receber suplementação. Ulalá. E os veículos daqui com as migalhas de sempre.
A Câmara de Gaspar vai levar R$10,8 milhões em 2023, em centavos, vejam só, mais que o previsto no Orçamento Municipal para a secretaria de Assistência Social, que usa praticamente 90% do seu Orçamento para sustentar a estrutura dela e não exatamente, que seria normal de se supor, para solver os graves e recorrentes problemas sociais que temos no município, feito de migrantes, vizinho e passagem para Blumenau, Litoral e Brusque.
A Câmara de Gaspar, por exemplo, vai levar mais dinheiro que as secretarias de Agricultura e Aquicultura (R$3,2 milhões), a de Desenvolvimento Econômico, Renda e Turismo (R$2,6 milhões) e até mesmo que a Diretoria de Trânsito (R$10 milhões).
O secretário de Fazenda e Gestão Administrativa, Jorge Luiz Prucino Pereira, PSDB, depois do prefeito, é quem terá o maior orçamento acumulado para administrar. Como titular da pasta é ordenador das despesas de R$53,9 milhões. Mas, como interino, do Planejamento Territorial ele vai acumular outros R$87,2 milhões, isto sem falar que como presidente da comissão interventora do Hospital de Gaspar, terá uma fatia ponderável do Fundo Municipal de Saúde. Será ordenador e usuário.
Agora, desesperador e que mostra bem a cara de Gaspar e do governo de Kleber Edson Wan Dall, MDB, e Marcelo de Souza Brick, Patriota, são os miseráveis R$128 mil, repito para não deixar dúvidas, R$128 mil para 2023 inteiro ao Fundo Municipal de Atendimento da Criança e Adolescentes. Com ajuda do Ministério Público lá em 2017, bem como de vereadores que estão aí se vestindo de candidatos a prefeito, o Fundo definhou neste montante ridículo, como se aqui fosse uma nova Suíça. Impressionante. E todos caladinhos.
Eu escrevi no artigo principal que a última sessão da Câmara durou 45 minutos. É uma por semana. Depois das votações é uma debandada só. Virou rotina. Há um ambiente pesado. A participação on-line de vereadores, é uma vergonheira, apesar da tecnologia que se tem a disposição hoje em dia para isso e quando se olha o gasto que se faz nesta área no Legislativo. É uma questão de gestão.
E faz semanas que o governo parece que não tem líder na Câmara. Há coisas óbvias que o governo não faz para os cidadãos e cidadãos, cobrados pelos mesmos dois ou três vereadores, que quando não são repetitivos e se passa vergonha, são indefensáveis. O silêncio do líder, no fundo, ajuda o governo Kleber e Marcelo a passar menos vergonha e diminui perante a cidade o recibo de incompetência político-administrativa. Acorda, Gaspar!
5 comentários em “CÂMARA DE GASPAR APROVA A MAIS NOVA PEÇA ORÇAMENTÁRIA FICCIONAL DO MUNICÍPIO PARA O ANO QUE VEM”
Sobre o título de comendador que o atual prefeito de Gaspar recebeu.
Nossa este “título” muda o que na vida dos pagadores de impostos? Outra coisa: quem pagou estas aproximadamente 23 pessoas em volta atual prefeito de Gaspar? Um deboche com o cidadão de bem que paga tributos altíssimos, ter que custear estas “homenagens”.
Boa pergunta. Com a resposta o novo prefeito de fato de Gaspar, o presbítero e deputado estadual, Ismael dos Santos, PSD, autor da indicação.
BODÃO, por Carlos Andreazza, no jornal O Globo
O bode está posto. No Parlamento. Para o Parlamento. É a PEC. O gabinete de transição engordou o bicho. Informou: quero tudo. Colheu reações ruins. E ainda pôs mais peso ao entregá-lo. Sentiu que podia empurrar uns quilinhos inesperados. Informou: quero tudo — tudo de que se reclamou — e ainda mais um bocado. Bancou, até o último minuto, o regime de engorda. Ao Congresso, agora, a disciplina — o ônus — da dieta.
O governo eleito esticou a corda mesmo; e ora transfere responsabilidades. É velha estratégia política. E que decerto considerou — ou deveria haver considerado — o estresse entre agentes econômicos. Decerto também medindo — e fácil não está — o pulso da sociedade impaciente.
Bodão. O mercado chiou. (A expectativa, finalmente, está baixa.) Os donos do Parlamento veem negócio.
Lula gere o tempo e dá seus recados. Foi ele quem venceu. Ele e o PT. O mercado se agasta. Esperava, ademais, que a tal frente ampla eleitoral produzisse, na forma de governo, um Pérsio Arida na Fazenda. Expectativa delirante que afinal resulta no alívio de ao menos não ser Mantega. Esse é o jogo.
Não será Mantega, mas o manteguismo terá vez. Tampouco a PEC será essa posta. É a temporada dos bodes. Dos bodões. Os donos do Parlamento veem jogo. Lula e o PT venceram. O orçamento secreto também. Terão de conversar.
Lula pediu tudo. Tudo para fora do finado teto de gastos. Não apenas os cerca de R$ 180 bilhões para bancar todo o Bolsa Família a R$ 600, os R$ 150 por criança e mais o reajuste do salário mínimo em termos reais. Ainda acresceu, à última hora, espécie de bônus, a depender do nível de arrecadação; que poderá fazer com que o extraorçamento bata nos R$ 200 bilhões — e isso sem prazo para acabar.
É a demanda. O bode gordo. O bodão. Não apenas R$ 200 bilhões fora do teto de gastos, finado cujo corpo ainda no chão impõe constrangimentos, mas R$ 200 bilhões à margem do presunto e sem ano para cessar. Bodão.
Lula pediu tudo. Em resumo: a PEC da Transição apresentou-se com físico de PEC Kamikaze e pretensão a PEC da Permanência. Bode obeso no colo do Congresso. Agora, negocia-se. A PEC da Transição, com musculatura de Kamikaze e desejo de Permanência, pode ser também a da Transação. Bodão é oportunidade. O Parlamento vai lhe tratar. Será o ex-bodão.
Ou não. Negocia-se. Negocia-se o emagrecimento. É quando o vencedor do segundo turno, Lula, senta-se com o do primeiro, o orçamento secreto.
A turma da transição inventou o tal bônus na esperança de ser essa a gordura cortada. Será possivelmente mais. Quem iniciou a conversa falando em R$ 100 bilhões fora do teto — e ora se estica a R$ 200 bilhões — dormirá feliz com R$ 150 bilhões. Talvez até o mercado ronque menos. (A expectativa, finalmente, está baixa.) Esse é o jogo.
Dormirá também feliz aquele que, pedindo autorização para gastar — por fora — sem prazo, ganhar um limite que limite não será: quatro anos e nada mais. Lula pediu tudo. Mas sempre quis a eternidade possível. O mandato inteiro. Lamberá os beiços. Em matéria de governo: solução permanente.
Quatro anos para gastar — R$ 150 bilhões, talvez R$ 160 bilhões — fora do teto. Será esse o acordo? Pacheco já deu aval. E francamente: livrando-se — livrando Lula e o PT — da necessidade, da urgência, de nova âncora fiscal. Essa é a cabeça. Para que âncora fiscal, se me derem a desancoragem como emenda à Constituição?
O teto de gastos, o vigente, está morto — repita-se. Ao colocar a conta para fora do caixão, ano a ano, no curso de todo o mandato, pode-se deixar o presunto de lado. E daí que não faça bom cheiro?
Tampouco será bom o cheiro advindo do emagrecimento do bodão, cujo volume — a gordura a lhe ser retirada — dependerá também do futuro do orçamento secreto; de modo que o bicho poderá até continuar bodão se, nas tratativas, Lula e Lira acertarem uma sociedade nas bases daquela que o presidente da Câmara firmara com Jair Bolsonaro. Esse é o jogo. Negocia-se.
Bodão. Ex-bodão. Ou não.
Há muito investimento em jogo. E se tem dado pouca atenção a isto: aquele montante posto para fora do Orçamento de 2023 — se a integralidade mesmo do previsto para o Bolsa Família de R$ 400, pouco mais de R$ 100 bilhões — significará espaço fiscal liberado no Orçamento. Grana parruda, sim, para a recomposição do Farmácia Popular, entre outros programas aterrados por Bolsonaro; mas também para a reativação do velho PAC, nova superfície potencial para o esparramento do orçamento secreto. Esse é o jogo. Tem jogo. Há muita aceleração em jogo. Muita oportunidade de investimento.
O Parlamento, aprovando a PEC, liberará esse tremendo espaço fiscal sem exigir detalhamento orçamentário? De novo: o grau de exigência dependerá de como o orçamento secreto se converterá em instrumento para a governabilidade. Dependerá — eis como se impõe o mundo real — de o orçamento secreto ter vez nos bilhões desenrolados. Tem jogo.
O bodão dificilmente será bodinho.
2026 JÁ COMEÇOU, por Felipe Moura Brasil, no jornal O Estado de S. Paulo
As declarações de Romeu Zema de que Jair Bolsonaro perdeu para si mesmo e de Ratinho Jr. de que uma centro-direita pode ocupar esse espaço, além da resistência de Tarcísio de Freitas a nomear bolsonaristas, condizem com o comentário que fiz três semanas antes da eleição: “Até 2026, haverá tempo para formação de novas lideranças no campo perdedor, se houver fibra para ocupar o lugar do populista derrotado. A derrota vai abrir a melhor oportunidade de saneamento. A vitória vai legitimar a pilantragem”.
A promiscuidade entre autoridades públicas e empresários foi revivida por Lula já na transição, ao voar para o Egito no jatinho do fundador da Qualicorp e dono da QSaúde, José Seripieri Jr., e almoçar em Portugal com ele, Fernando Haddad e Gilmar Mendes, um dos responsáveis pela impunidade do presidente eleito.
Antes, o ministro do STF havia suspendido a tramitação de um inquérito que apura repasses da Odebrecht à campanha de 2010 de seu amigo Aécio Neves, bem como a operação da Polícia Federal que apurava esquema de corrupção, fraude e lavagem de dinheiro na Fundação Getúlio Vargas, defendida por seu amigo Rodrigo Mudrovitsch.
Com isso, Gilmar voltou a ser criticado até por bolsonaristas, que se calaram, claro, quando o ministro ajudou a arquivar notícia-crime que pedia abertura de investigação de Jair Bolsonaro devido aos cheques depositados por Fabrício Queiroz na conta de Michelle e, também, a conceder um foro privilegiado retroativo, de deputado estadual, ao senador Flávio Bolsonaro.
Curiosamente, foi Gilmar quem retirou da primeira instância e puxou para o Supremo, em 2020, a investigação sobre o repasse de R$ 5 milhões em caixa dois para a campanha de 2014 do tucano José Serra ao Senado, no âmbito da qual Seripieri havia sido preso por três dias e acusado de ter sido “mentor intelectual” do esquema. Graças à manobra, o empresário fechou acordo com a PGR e saiu livre, não sem antes negar acusações de Antônio Palocci de que a Qualicorp se beneficiou da relação dele com Lula pelas resoluções 195 e 196 da Agência Nacional de Saúde, chefiada por petistas.
A julgar pelos relatos de Palocci, a relação sempre foi de mão-dupla. Seripieri, segundo o ex-ministro, teria bancado o financiamento da defesa de Rosemary Noronha na Operação Porto Seguro e feito aportes no Instituto Lula, além de ter cedido um patrocínio milionário à Touchdown, de Luís Cláudio Lula da Silva, e, sim, aeronaves.
Com Bolsonaro e Lula, o sistema venceu. Contra ele, a direita não pode ter rabo preso.
O VELHO PT, por Denis Lerrer Rosenfield, professor de filosofia na UFRGS, no jornal O Estado de S. Paulo
O maior eleitor de Lula foi Jair Bolsonaro. O novo presidente não foi eleito por suas ideias – aliás, inexistentes –, mas por reação ao atual presidente e ao bolsonarismo em geral. Suas propostas se reduziram aos velhos chavões petistas e a uma curiosa seleção de suas administrações passadas, dosadas com cuidado de modo que o governo Dilma desaparecesse dessa sua apresentação. Ele seria, constrói-se a lenda, a “solução” por sua mera presença. Parafraseando Lenin, não se colocou uma questão central: O que fazer?
Diante deste vácuo de ideias, em que se confunde responsabilidade fiscal com social, como se o desrespeito à primeira não se traduzisse por seus efeitos na segunda, mediante inflação, baixo crescimento, juros altos, recessão e desemprego, o presidente Lula optou por uma eclética e enorme equipe de transição. Tão grande que se torna muito mais difícil do que formar um ministério e governar. Ali, conforme as pressões vão se fazendo, escolhe-se X ou Y ao sabor de circunstâncias, pretendendo transmitir a mensagem de que há algo sendo feito.
Nada muito diferente das administrações petistas anteriores em níveis municipais, estaduais e federal. No Executivo da União, foram o Conselhão e os conselhos; no das prefeituras e dos governos foi o orçamento participativo. Vendia-se a ideia da participação como um exemplo de democracia, quando era, na verdade, uma grande encenação com o intuito de velar a hegemonia petista. A equipe de transição assim composta parece uma grande assembleia, a ser controlada pelos que detêm o poder. Quem pagava pelo valor de face sofria um grande prejuízo político. Não poucos incautos embarcaram neste teatro de manipulação.
Agora, estamos vivenciando uma experiência semelhante. Lula dá a impressão de ausentar-se, passando a responsabilidade maior para o ex-governador Alckmin, não sem antes ladeá-lo por figuras proeminentes do PT, que têm, na verdade, muito mais poder do que ele. Ato seguinte, escolhe vários membros de partidos, sindicatos, movimentos sociais e empresariais, transmitindo a mensagem de um amplo diálogo, não sem antes compor essa mesma equipe com um número majoritário de petistas que deterão o controle de tudo. É impressionante o número de membros que compuseram os governos Lula e Dilma, sinalizando, com mais ênfase, uma retomada do segundo mandato do novo presidente e do mandato de sua sucessora, com resultados bem conhecidos. Talvez estejamos diante de um teatro de marionetes.
Não faltam, inclusive, atos de perfídia. O ex-ministro Guido Mantega, detentor de nenhum cargo, mas com a provável aquiescência do presidente Lula e de sua equipe mais próxima, decidiu bombardear uma indicação criteriosa do atual governo de Ilan Goldfajn para a presidência do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Seja por razões partidárias ou por vaidades pessoais, uma pessoa da maior competência, técnica e apartidária, foi exposta a uma situação de constrangimento por um governo que ainda não assumiu. É uma jogada torpe contra o próprio Brasil. Por que o fizeram? Por que o consideram neoliberal ou outra bobagem do mesmo tipo? Lula foi eleito para fazer algo novo ou para reafirmar ideias mofadas e comportamentos dúbios?
Outra curiosidade preocupante da nova equipe consiste na volta, muito provável, de dois ministérios para cuidar da agricultura, ou seja, o próprio ministério e um outro a ser recriado, o do Desenvolvimento Agrário. Eis o que está ao menos exposto no formato mesmo da equipe de transição. Reintroduz-se a oposição entre o agronegócio e os movimentos sociais, com o MST já começando a agir, com a invasão de duas propriedades rurais na Bahia. Trata-se de uma verdadeira esquizofrenia que tantos males já produziu no País, entre outros o desrespeito à propriedade privada e a generalização das invasões com armas brancas, senão de fogo. Nos governos anteriores, em foros internacionais, o País tinha uma representação bicéfala, de difícil compreensão para qualquer pessoa sensata.
Lula foi eleito tentando, inclusive, recuperar a ideia de uma ampla frente democrática, de modo a agrupar os descontentes com o governo Bolsonaro, vendo nele uma ameaça à democracia graças às suas tendências autoritárias. Participantes das mais distintas orientações, inclusive liberais e de direita clássica, aquiesceram a esse chamado, apostando num novo PT, que não reproduziria a corrupção que foi a sua na arte de governar. Diante de um perigo maior, muitos fizeram vista grossa ao passado de Lula e do PT no poder. Dos males, o menor, muitos disseram.
Por isso mesmo, nenhum cheque em branco foi dado ao PT. Muito menos o de gastar à vontade para além de quaisquer regras de responsabilidade fiscal. Jogar areia nos olhos por intermédio de uma suposta responsabilidade social só torna o futuro mais incerto. Discursos demagógicos aqui de nada adiantam. O período eleitoral foi encerrado e começa o de governar, não admitindo tergiversações, teatros e outras encenações. Será o velho PT a governar ou algo novo será apresentado?