Joel Reinert e Paulo Flores, na 89,7, fizeram um serviço de alta utilidade pública para a cidade de Gaspar. E ao mesmo tempo, por linhas tortas, fizeram os seus entrevistados lavarem a minha alma mais uma vez.
Eles entrevistaram os três candidatos de Gaspar a deputado estadual: Mara Lúcia Xavier da Costa dos Santos, PP; Marcelo de Souza Brick, Patriota; e Pedro Celso Zuchi, PT. Uma lástima. Não à iniciativa e as entrevistas em si. Aliás, poder-se-ia ter tocado em temas mais delicados que os entrevistadores claramente evitaram. A decepção ficou por conta do chororô, das repetidas desculpas esfarrapadas e à falta de planos para o futuro dos candidatos, dos políticos e dos seus partidos para a cidade.
A vereadora Mara foi o caso mais emblemáticos de todos desta série de entrevistas. Ela foi a única que não conseguiu dar entrevista sozinha. Teve um tutor para responder por ela: o presidente do PP de Gaspar, o servidor público licenciado, ex-vereador, ex-vice-prefeito e atual secretário de Serviços Urbanos, Luiz Carlos Spengler Filho. Impressionante desmoralização. Resumindo: fica evidente que Mara cumpria um papel partidário na eleição, que não se queria a sua eleição e de que não possui autonomia política sequer aqui em Gaspar. É pracabá!
Então mereceu à merreca de 2.668 votos que recebeu dos gasparenses no último domingo. Não pode falar um “ai” contra a ação escandalosa dos vereadores e líderes do seu PP de Gaspar que trabalharam desavergonhadamente para dar votos para candidatos de fora de Gaspar. Mara, vejam só, conseguiu proporcionalmente mais votos em Ilhota do que aqui. Impressionante.
Aliás, o próprio presidente do partido tratou de esclarecer, na mesma entrevista, este tipo de escárnio: “é para manter as portas abertas em Florianópolis. Só o Zé Milton [deputado José Milton Schaffer da minúscula Sombrio, no longínquo Sul do estado] trouxe R$2 milhões para Gaspar”, justificou para mostrar o quanto pouco o deputado que tinha o mais longevo dos vereadores, José Hilário Melato, destinou dos mais de R$40 milhões que conseguiu em quatro anos de emendas impositivas do governo do estado para distribuir.
A desculpa esfarrapada mostra o quanto era fraco o relacionamento político do governo de Gaspar com o Centro Administrativo, em Florianópolis. Isto prenuncia o quanto Gaspar vai ficar à margem novamente.
Em um lugar sério, não teria o PP de Gaspar e estadual levado Mara a este tipo de exposição ridícula. Quando perguntada sobre o seu futuro em 2024, Mara se limitou que vai “esperar um sinal de Deus”. E vai ter que esperar mesmo. Porque, por enquanto, está cercada de demônios, que nem a deixam a só numa entrevista para falar o que pode falar e até ser revelador naquilo que os donos do partido escondem da cidade. Meu Deus!
E Marcelo? Teatralmente, ao fim da entrevista se emocionou e chorou. Ou seja, jogou alto e perdeu. Já escrevi várias vezes sobre isto e vou encurtar o comentário para não ser enfadonhamente repetitivo. Marcelo que ainda sonha ser prefeito de Gaspar, no fundo não sabe fazer contas e se sabe, mente, dissimula e perde credibilidade ainda mais. Como é que eu antes das eleições acertei nas contas das dificuldades, incluindo o quociente eleitoral? Disse Marcelo na entrevista que faltaram poucos votos para ele se eleger. Incrível!
Para ser eleito, Marcelo precisaria chegar em primeiro; não chegou. Precisaria fazer 20 mil votos; fez 14.444 em todo o estado. E o Partido nanico que espertamente se mudou na calada da noite, precisaria de 101 mil votos para dar a vaga ao primeiro colocado da legenda sem depender de contas complicadas; fez 88.159. Então o que é este pouco? Restou chorar!
Agora Marcelo possui vários abacaxis para descascar: o primeiro deles é tentar ser vice-prefeito de novo e diminuir as tensões com o prefeito Kleber Edson Wan Dall, MDB, seu entorno familiar e religioso. O segundo é o de arrumar um partido para a campanha de 2024 onde está vestido candidato na sua sina de político profissional. O terceiro, é o de espantar à fama de perdedor. Até hoje, Marcelo de todas as eleições que participou só ganhou uma: a de vereador em 2012.
Pedro Celso Zuchi na entrevista a dupla da 89,7 acertou no discurso, mas errou na sua própria prática. Condena – e com acerto – naquilo que os próprios vereadores trabalham para os candidatos de fora, de como não há união da cidade em torno de uma causa etc e tal. Ora, o próprio Zuchi desperdiçou votos do seu PT em Gaspar: 5.638. E podia ter muito mais se ele acompanhasse os votos dados a Luiz Inácio Lula da Silva, no mesmo colégio eleitoral: 9.515. O que é isso? Zuchi não é mais o queridinho dos petistas daqui. Até, Lula, manchado, condenado e ex-presidiário, saiu-se melhor.
E sobre a suposta “desunião de causas” dos políticos daqui? O PT sempre foi o mais resistente de todos a esta ideia por décadas afio. Repito, décadas. Agora que está por debaixo da carne seca quer iniciar a reza de um rosário que nunca rezou pelo bem comum da cidade? Hum! Outra, do chororô de Zuchi na mesma entrevista: ter sido prejudicado pela onda bolsonarista. Ai, ai, ai.
Uma coisa não casa com a outra. Zuchi deve estar com a memória fraca devido a idade. Ele só foi eleito pela primeira e na segunda vez por conta da inusitada onda petista regional vinda de Blumenau e nacional, respectivamente. Mania de se criar narrativas e entortar a história. Agora, a maré virou. Simples assim! Por tudo que falaram a Joel e ao Paulo, os eleitores e eleitoras responderam bem às urnas aos três candidatos. Tomara que eles tenham compreendido o recado. Acorda, Gaspar!
TRAPICHE
Depois de ficar amuado, o presidente do PL de Gaspar, Rodrigo Boeing Althoff tenta tomar as rédeas da campanha de Jorginho Mello – um praticamente eleito – e de Jair Messias Bolsonaro. Há uma briga interna no diretório local pelo espólio.
A verdade, qualquer que seja à vontade, quem vai colocar a mão no diretório é o deputado Ivan Naatz, para quem no PV, Rodrigo já foi aliado, mas começou a se distanciar de Naatz na corrida que empreendeu a prefeitura de Gaspar em 2020.
Várias observações se fazem sobre os votos dos catarinenses neste dois de outubro. Mas, o que está cada vez mais claro de que ele não mudará muito para presidente. Jair Messias Bolsonaro, pelo então PSL conseguiu no primeiro turno 46,03% dos votos válidos. Desta vez, 62,21%, algo muito mais próximo do que os 75,92% que ele conseguiu no segundo turno daquele 2018.
Então a votação de Bolsonaro já possui um viés de corda esticada. Tanto que Bolsonaro gravou um vídeo que circula com insistência nos aplicativos de mensagens oferecendo-se como prêmio ao município catarinense que percentualmente lhe der o maior número de votos neste 30 de outubro. Ele promete visitar o município logo no início do ano que vem.
Por outro lado, quem corre o risco de ficar menor nesta eleição de segundo turno é Décio Nery de Lima. Em 2018 no primeiro turno ele fez 12,78% dos votos válidos. Desta vez, surpreendentemente, e talvez por conta da polarização, 17,42%.
Como nunca houve disputa com o PT no segundo turno na corrida pelo Centro Administrativo não há parâmetro para comparações, inclusive no espectro ideológico.
Os políticos de Gaspar reclamam da má sorte. Mas, são eles que criam as confusões e intencionalmente. Gente com mandato tira foto fingindo se inscrever num partido e espalha por aí para mandar recados e enganar seus eleitores e eleitoras.
Primeiro, se mudar de partido agora, perde o mandato, a não ser que o presidente do seu partido – que nunca lhe deu chances – esteja junto no mesmo jogo para enfraquecer as suas próprias hostes partidárias. Segundo. Mudar de partido, está provado, não revigora a imagem desgastada do populismo sem estilo de um político. Cada uma! Amadores ou irresponsáveis? Depois na decepção dos resultados das urnas culpam os eleitores e eleitoras. Acorda, Gaspar!
5 comentários em “EM ENTREVISTAS, OS TRÊS CANDIDATOS DE GASPAR A DEPUTADO ESTADUAL PROVARAM QUE NÃO MERECIAM SER ELEITOS”
O BASTA DE MALAN, ARMÍNIO, ARIDA E BACHA, por Elio Gaspari, nos jornais O Globo e Folha de S. Paulo
A nota dos economistas Pedro Malan, Arminio Fraga, Persio Arida e Edmar Bacha antecipando seus votos no segundo turno de eleição presidencial é um documento histórico. Teve apenas uma frase de 14 palavras: “Votaremos em Lula no 2º turno; nossa expectativa é de condução responsável da economia.”
Os quatro perderam parte da juventude na ditadura. Sob a liderança de Fernando Henrique Cardoso (e de Itamar Franco), fizeram o Plano Real, que devolveu ao país o valor da moeda.
Para quem associa ditaduras a desempenhos, vale lembrar que, ao fim de 1984, o regime se acabava com uma inflação de 215% e o país na bancarrota. Em 1996, ao fim do segundo ano do Plano Real, ela estava em 9,6%. (O posto Ipiranga de Jair Bolsonaro fechou 2021 com 10%.)
É possível que algum deles já tenha votado em candidatos do PT, mas não em Lula. Votarão nele porque defendem a democracia.
O gesto do quarteto recupera um momento emocionante ocorrido no início da manhã ensolarada de 23 de agosto de 1976, quando o marechal Cordeiro de Farias, amparando seus 75 anos numa bengala, entrou em silêncio no saguão da revista Manchete, onde velava-se o corpo de Juscelino Kubitschek. Patriarca das revoltas militares do século XX, Cordeiro sabia o que estava fazendo. Em Brasília, o ministro do Exército, general Sylvio Frota, tentava convencer o presidente Ernesto Geisel a não decretar luto oficial. Não conseguiu.
Bolsonaro coleciona o apoio de máquinas, o quarteto ofereceu a Lula o peso de suas biografias. O PT nada tem a lhes oferecer, senão, como lembraram, uma “condução responsável da economia”.
Vindo de economistas, os argumentos do quarteto em defesa da democracia podem parecer coisa de sonhadores. Contudo, eles informam que as ditaduras arruínam economias. Ganha um fim de semana em Caracas quem não acredita nisso.
Paul Samuelson (1915-2009), o grande economista americano sabia disso quando tratou do Milagre Brasileiro na edição de 1973 de seu clássico “Economics”.
Ele escreveu:
“Quando se olha para o Anuário Estatístico da ONU, verifica-se que nos últimos anos o Brasil foi um verdadeiro Japão na América Latina, com taxas médias anuais de 10% de crescimento do PNB. A história mostra que é raro os despotismos benevolentes persistirem na benevolência e quase nunca conseguem manter-se eficientes (…) Na vida real, o fascismo é incapaz de realizar até mesmo seu próprio projeto. (…) Mais entristecedor é testemunhar o sucesso econômico ocasional de tais regimes ditatoriais – coisa de curto prazo.”
A editora brasileira de Samuelson pertencia ao banqueiro Cândido Guinle de Paula Machado. (Ele entregaria seu banco por um valor simbólico, mas essa é outra história.)
Foram mobilizados dois renomados economistas (Eugênio Gudin e Roberto Campos) para convencer Samuelson a cortar a referência. Os dois toparam e escreveram ao professor.
Não era necessário, pressionado pela editora, Samuelson reescreveu a referência ao Brasil edulcorando-a.
Resultado: os americanos, que estudaram na edição do “Economics”, foram avisados em 1973 que o Brasil podia quebrar. Os brasileiros micaram, e o Milagre se acabou em 1982.
MARTELO BATIDO
Está batido o martelo: as multinacionais do agronegócio, bem como os grandes operadores desse mercado, vão se comprometer a não comprar soja de áreas desmatadas do cerrado brasileiro a partir de janeiro de 2025.
O compromisso será anunciado na próxima reunião da COP-27, que se realizará no Egito, em novembro. É um tiro de dezenas de bilhões de dólares nas exportações de soja do cerrado.
Como a data para o embargo afeta terras que venham a ser desmatadas a partir de janeiro de 2025, a iniciativa poderá resultar numa corrida às derrubadas legais nos próximos dois anos.
Cozinha-se nas discussões ambientais da Europa um compromisso retroativo, pelo qual o embargo poderá ser estendido até mesmo a terras desmatadas legalmente a partir de 2020.
O fundamentalismo e a inação do governo brasileiro – um orgulhoso pária – joga uma parte do agronegócio no colo dos compradores chineses. Como se viu há um ano no caso das proteínas animais, os compradores da China serão presenteados com um mecanismo pelo qual poderão invocar medidas de proteção ambiental para barrar navios com soja. Basta que se possa alegar que há soja maldita na carga.
AS PANTERAS DE LULA
Numa campanha eleitoral marcada pela falta de senso de humor, é um refrigério gastar alguns minutos com “As Panteras de Lula”, do baiano Zel Júnior, de 24 anos, que se define como “gay, nordestino e periférico”. Ele vive na Zona Leste de São Paulo.
Acusado de ter gasto mais de R$ 200 mil na produção da peça, Zel informou que gastou menos de R$ 100. Numa entrevista a Letícia Leite, ele contou que fez seu primeiro vídeo em 2017. Zel produz, edita e faz figurinos. Começou a trabalhar “As Panteras” no ano passado. Com ele, a atriz Jade Mascarenhas, de 23 anos.
Zel conseguiu uma curta participação especial do próprio ex-presidente no seu vídeo.
Os vídeos de Zel esbanjam irreverência, talento e bom humor.
O BANQUEIRO COM CABRAL
A editora florentina Olschki acaba de publicar “La Divina Commedia di Antonio Maria Esposito”. Um livro esquisito de um autor mais esquisito. Antonio Esposito (1917-2007) foi um sacerdote italiano que fazia miniaturas de presépios e paisagens. Seu menor presépio foi criado numa semente de cânhamo e tem 2,8 milímetros por 1,8. Esposito ilustrou a Divina Comédia de Dante Alighieri dentro de 42 cascas de nozes.
A casa Olschki surgiu em 1863, tem canal na rede, funciona numa propriedade renascentista a poucos minutos de Florença e publica livros sobre tempos passados. Por exemplo: em 2014, Olschki publicou “Bartolomeo Marchionni —Homem de Grossa Fazenda (1450-1530)”, do professor Francesco Guidi Bruscoli.
O mercador Marchionni foi o homem mais rico de Lisboa na virada do século XV para o XVI. Trabalhava para banqueiros florentinos. Traficava escravos tártaros e negros da Guiné, comercializava especiarias da Índia e açúcar da Ilha da Madeira. Entre 1486 e 1493, traficou 3.586 escravizados com um lucro de 30%. Emprestava dinheiro aos reis e teria conhecido tanto a Cristovão Colombo quanto a Leonardo da Vinci.
Marchionni financiava navegadores e em 1500 bancou como sócio a empreitada do navio Anunciada, da frota de Pedro Álvares Cabral. Em 1501, ele falava do “novo mundo” que Cabral encontrou.
Pouco depois, Marchionni teria intercedido para que Amerigo Vespucci embarcasse na frota que seguiu para a Terra dos Papagaios. Vespucci percorreu a costa brasileira e suas descrições levaram um cartógrafo alemão a chamar o continente de América.
CANÇÕES DO EXÍLIO, por Demétrio Magnoli, geógrafo e sociólogo, no jornal Folha de S. Paulo
“Como libertar as pessoas do cabresto religioso? Do cabresto miliciano? Do cabresto midiático?”, indagou a filósofa petista Marcia Tiburi. A pergunta certa é outra: de onde ela tirou a ideia de que os eleitores do candidato adversário são menos livres que ela? Ou: como libertar as Marcias Tiburis da torre da autoproclamada superioridade moral?
Missão impossível, talvez. Segundo o colunista da Folha Alvaro Costa e Silva, “quase metade dos eleitores decidiu que a destruição do país deve prosseguir”. Seriam, todos eles, “fascistas”, “racistas”, “misóginos”, “genocidas”? Quando foi que o jornalismo político desistiu de investigar o comportamento dos eleitores, entregando-se ao esporte primitivo de insultar os que votam “errado”?
“Estou num país muçulmano; já não falo português, já não entendo o que dizem”, confessa Marcelo Coelho, para quem “os eleitores de Bozo são impermeáveis às notícias sobre a corrupção de seus mitos”. O problema do Brasil não é a saúva, mas o povinho que o habita, certo?
Numa vertente de filmes pós-apocalípticos, os humanos saudáveis remanescentes enfrentam, em terras inóspitas, emboscadas de chusmas de deformados pela radiação, que cobrem suas feridas com andrajos. É mais ou menos assim que tantos comentaristas de esquerda descrevem o Brasil das urnas de domingo. Como, nessas condições, persuadir uma esmagadora maioria a enterrar o desgoverno bolsonarista?
Os três analistas mencionados não devem ler essas linhas como crítica pessoal: selecionei-os ao acaso, como ilustrações de um fenômeno cristalizado de alienação política. Eles residem em São Paulo ou no Rio, mas escrevem como se vivessem em Wanderley (BA), onde 97% sufragaram Lula. Nunca ouviram os argumentos de pessoas comuns, que não são fanáticos ideológicos ou religiosos mas votaram em Bolsonaro?
O primeiro turno assumiu a configuração de turno final: o voto oscilou ao sabor da dupla rejeição. Fora do estrato mais pobre, as taxas de rejeição a Lula superam as de Bolsonaro, inclusive na classe média-baixa. Milhões de eleitores de Lula não votaram no mensalão, no petrolão, na bolsa-empresário, no populismo fiscal ou na celebração da ditadura venezuelana – mas contra Bolsonaro.
Do lado oposto, a “quase metade dos eleitores” não votou na cloroquina, no retorno à ditadura militar, na “rachadinha”, na devastação ambiental ou na terra plana. Escolheram sua versão do “voto útil”: evitar a volta de Lula. Certo ou errado, é um gesto político, não uma profanação moral.
Quando Serra foi batido por Dilma, disseminou-se no universo antipetista a tese de que a escolha majoritária derivava do Bolsa Família. Seria “cabresto”, “voto comprado”, não a tradução eleitoral de percepções políticas racionais. Hoje, simetricamente, sugere-se que a maioria dos eleitores do Centro-Sul – os reféns de Tiburi, os “muçulmanos” de Coelho – operam como massas de manobra das “forças do Mal”. Busca-se, agora como antes, um álibi. No fundo, trata-se de exibir a rejeição a Lula como fruto da irracionalidade, do preconceito ou de pura maldade.
Democracia é o sistema fundado no consenso de que a opinião dos outros é tão legítima quanto a minha. Daí, surgem as implicações da liberdade de expressão e do voto universal. “O Brasil precisa de diálogo e paz”, respondeu Lula, agradecendo a declaração de voto de FHC. O pressuposto para as duas coisas é a disposição de ouvir as razões de 43% do eleitorado.
Costa e Silva, Tiburi e Coelho entoam canções do exílio. Cada um a seu modo, declaram-se estrangeiros na sua própria terra: sábios perplexos sitiados por gente que fala línguas estranhas. No fim, graças à rejeição ainda maior a Bolsonaro, Lula provavelmente vencerá. A festa secará a angústia, substituindo-a pelo regozijo. Aliviados, continuaremos sem entender – sem nem tentar entender! – os “muçulmanos”.
Editorial de O Globo
AÇÃO DA PF MOSTRA ONDE VAI PARAR O ORÇAMENTO SECRETO
O afastamento, por ordem da Justiça, de um gerente da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), suspeito de receber propina para desviar recursos públicos, expõe os tentáculos da corrupção na estatal, controlada pelo Centrão e considerada uma espécie de paraíso do orçamento secreto. Era previsível que a transferência de verbas das emendas do relator para a Codevasf acabasse em roubalheira. Não deu outra.
A decisão da Justiça ocorre na esteira da Operação Odoacro, deflagrada pela Polícia Federal (PF) em julho. Na época, a PF prendeu o empresário Eduardo José Costa, conhecido como Imperador e apontado como sócio oculto da empreiteira Construservice, uma das maiores beneficiadas pelas licitações da Codevasf. O servidor afastado é acusado de receber R$ 250 mil de empresas investigadas por fraudes em concorrências.
Além de desmentirem o discurso do presidente Jair Bolsonaro de que não há corrupção no atual governo, as fraudes na Codevasf são um exemplo eloquente dos descaminhos do orçamento secreto, a destinação de recursos orçamentários sem transparência nem critérios técnicos por meio das emendas do relator, identificadas pela sigla RP9. Em 2022, havia previsão de R$ 610 milhões em emendas para a Codevasf, mas elas chegaram a R$ 2,7 bilhões. Na lei orçamentária de 2023, as emendas do relator somam R$ 19,4 bilhões, R$ 3 bilhões a mais que em 2022.
Faria bem o Supremo Tribunal Federal (STF) se pusesse logo em pauta o julgamento das ações dos partidos PSB, Cidadania e PSOL que contestam a constitucionalidade dessas emendas. Elas passam ao largo da sociedade, que não obtém informações claras sobre seu destino. Recém-empossada como presidente do STF, a ministra Rosa Weber fez questão de manter a relatoria das ações, quando poderia passá-las para algum outro ministro.
No ano passado, ela já determinara em liminar que o Congresso desse transparência à tramitação das emendas RP9, com a divulgação do volume de recursos movimentado pelo parlamentar e do beneficiário das verbas. Em seguida, condicionou a liberação do dinheiro à inclusão dos valores movimentados numa plataforma própria, criada no Legislativo com essa finalidade. À época, O GLOBO revelou que apenas 30% dos recursos das emendas passaram a ser informados.
A explicação para tanto sigilo em torno das emendas do relator tem relação evidente com o destino dos recursos, ditado por interesses paroquiais, e não por políticas públicas comprovadas e decididas com transparência. O mecanismo cria oportunidade para superfaturamentos e beneficiamento de empresas em concorrências. É a porteira aberta à corrupção.
O preço pago por Bolsonaro para ser blindado no Congresso foi entregar essa fatia bilionária do Orçamento ao Centrão, sob o comando dos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Distribui-se dinheiro com base em interesse político, não na necessidade da população. Pelo vulto a que chegaram e pela forma como são administradas, as emendas RP9 são uma afronta ao equilíbrio harmônico entre os Poderes da República. Já que nem o Legislativo nem o Executivo fazem algo a respeito, o STF tem o dever de acabar com elas.
BARBAS DE MOLHO, por Eliane Cantanhêde, no jornal O Estado de S. Paulo
O Planalto listou, um a um, os senadores antigos e novos que são alinhados ao governo, ou ao bolsonarismo, e avisa a quem interessar possa que não se sabe quem será o futuro presidente do Senado, mas não será Rodrigo Pacheco (PSD-MG). E avança: é melhor os 11 ministros do Supremo botarem as barbas de molho, porque qualquer pedido de impeachment de um deles irá adiante. Uma espada de Dâmocles sobre a cabeça deles.
Se o presidente Jair Bolsonaro já era majoritário e fazia o que queria na Câmara, ele deixará de enfrentar o anteparo do Senado e terá o controle total do Congresso, caso reeleito. Mas isso vale também para a vitória do ex-presidente Lula (que mantém a dianteira no segundo turno), que enfrentará um Congresso hostil se vitorioso. Ou seja, o início de 2023 e do novo governo será tenso, agitado.
No Senado, os bolsonaristas terão 41 das 81 cadeiras. Na Câmara, foram eleitos 99 deputados do PL, partido do presidente, 47 do PP, do chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, e 41 do Republicanos, do candidato mais forte ao governo de São Paulo, Tarcísio de Freitas. A bancada bolsonarista tem, portanto, 187 dos 513 deputados federais.
A palavra da campanha de Lula é “pacificação”, mas a prioridade no QG do seu opositor é criar um novo personagem: o Bolsonaro “normal”, como depois do debate da Globo e na primeira manifestação no fim do primeiro turno. Isso, porém, pode valer para eleitor ver, mas não significa paz. A turma é da guerra.
O foco, assim, vai para os “partidos-pêndulo”, que nem são pró-PT e Lula, nem são pró-Bolsonaro em troca de nada: União Brasil, com 59 deputados, MDB (42), PSD (42), PSDB (13) e Podemos (12). Eles somam 168 votos na Câmara e todos liberaram seus liderados para irem para Lula ou Bolsonaro.
A nota do MDB, por exemplo, é em cima do muro, mas defende o voto popular, o sistema eleitoral, a Constituição e o estado democrático de direito, o que soa pró-Lula, e Simone Tebet manifestou apoio claro, firme, ao petista. O partido, porém, é dividido como o Brasil: do Nordeste ao Norte, lulista; do Sul ao Centro-Oeste, bolsonarista. O governador reeleito Helder Barbalho (PA), campeão de votos, é pró-Lula. Ibaneis Rocha (DF), pró-Bolsonaro.
Os apoios da elite e das lideranças não decantaram para o eleitor, mas, seja quem for o futuro presidente, vai precisar negociar, convencer ou provocar a traição desses partidos-pêndulos a favor de seus programas e projetos. E o Centrão está com Bolsonaro, mas continuará se ele perder? Lula e Bolsonaro conhecem o jogo, sabem jogar. Mensalão e orçamento secreto são prova disso.
A tal lei do retorno..
Pior é que tem gente que não acredita 👀