Eu estava mudo, afinal não tenho conhecimento para me enfronhar no debate deste assunto e nesta área. Também não quero ser mais um “sientista” entre tantos que povoam as redes sociais, as igrejas, os palanques políticos, os interesses, os planos de saúde e até, infelizmente, uma parcela da classe médica… Estava estarrecido, na verdade.
Fui cobrado, e por alguns leitores e leitoras, duramente. Seja para ser contra, ou a favor de qualquer coisa enunciada pela juíza daqui.
Aos bolsonaristas que me abordaram, que batiam palmas para a juíza e chamavam o secretário de Educação, o jornalista Emerson Antunes, o curioso apadrinhado político, que seguia apenas a norma editada, de “ditador”, lembrei-os do 23 de agosto de 2020 e da morte por Covid do amigo do peito dessa gente, o Alemão – o restauranter Cleudenir Sachetti.
Li o despacho liminar da doutora Cibelle Mendes Beltrame, da 2ª Vara da Comarca de Gaspar. Pelo inusitado, ele ganhou o Brasil e não acreditei. Recolhi-me. Afinal, ela era tão assertiva ao presentear uma professora temporária da rede municipal que não queria, vejam só, tomar a vacina contra a Covid-19, porque supostamente estaria suficientemente auto-imunizada, que perdi até noção do que seja o bom senso.
Em Gaspar para dar aulas na rede municipal é preciso estar vacinado. Há um rol de protocolos. Legal. Necessário. E mesmo assim, estamos assistindo a um número alarmante de fechamento de salas de aulas por contaminação testada de alunos, professores, ou gente do convívio domiciliar de ambos.
Sem observar o contexto onde estamos metidos, a doutora Cibele tascou na liminar: “com relação à obrigatoriedade da vacinação, entendo que esta não pode ser exigida, visto que tratam-se de vacinas ainda em fases de estudos e que necessitam de aprimoramento e de estudos de segurança amplamente comprovados e divulgados à população antes de se tornar de uso obrigatório”. Hum!
Ou seja, eu não poderia ir adiante em qualquer observação. Não tenho à profundidade. conhecimento e à convicção científica da magistrada, ou do assunto em si mesmo. Sou refém daquilo que nos atordoa e das estatísticas que nos salvam desta armadilha, a qual nos surpreendeu e ainda se mostra razoavelmente desconhecida. E o lugar de debater e contestar a doutora Cibelle não é aqui, mas no Tribunal de Justiça de Santa Catarina.
E foi o que aconteceu.
A prefeitura de Gaspar e os seus no poder de plantão, cheios de interesses políticos em tempos – como demonstrei na sexta-feira – de alinhamento com o obscurantismo para se perpetuar no poder, prometeram fazer isso. Mas, quem teve a pro-atividade, rapidez e resultado, foi na verdade, o Ministério Público, o que representa a sociedade.
“Havendo a liberação da imunização da população pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária, não cabe ao Poder Judiciário colocar em xeque diversos estudos e análises realizadas a esse respeito, inclusive sob pena de prejuízos à separação dos Poderes”, bem pontuou a promotora de Justiça, Camila Vanzin Pavani. Simples. Claro. Óbvio. Bingo. E ufa!
Foi o que bastou para a desembargadora Denise de Souza Luiz Francoski, também de forma rápida, acabar logo com esta “viagem sientífica” na jurisdição catarinense e vindo logo de uma cidade, que proporcionalmente, possui um dos maiores índices de óbitos e contaminações por Covid-19 de Santa Catarina. Meu Deus!
“Compete ao judiciário o cotejo (ato) concernente à conformidade ou não do proceder dos órgãos, agências e instituições estatais em relação às normas que os regem, e não, em análise ausente de qualquer empatia social, e aqui se insere destaque, ostentar frágil diagnóstico sobre segurança ou eficácia das vacinas disponibilizadas pelo Poder Público, sobretudo quando o que está em pauta é o direito à vida em um cenário alarmante de pandemia“, escreveu a desembargadora.
Notem que os três atos foram praticados por mulheres, a pedido de uma mulher. Bons e saudáveis tempos.
“O que se vislumbra desde a presente análise de cognição sumária, é que o anseio inicial roga à observância do direito individual a liberdade em detrimento da proteção coletiva inerente ao direito à vida o que não é de se admitir… O direito a vida, tem em si mesmo, valor abstrato condizente com sua expressão, superior a qualquer direito diverso…”
Aos que me cobraram e perceberam à minha preguiça de debater este assunto, empresto à ágil intervenção da doutora Camila, e o argumento da doutora Denise para contestar o despacho da doutora Cibelle, como se fossem meus.
Camila e Denise também não são cientistas, mas ao menos não se meteram a serem “sientistas” em algo que poderia contribuir para se alcançar mais rapidamente às 190 mortes de residente em Gaspar e superar os quase 12.500 que já contraíram o vírus por aqui. Acorda, Gaspar!