Gaspar não difere de Brasília. Aqui é pior. Não há um observatório social – e não haveria espaço e independência para tal sem as notórias perseguições, trocas de favores… -, não há oposição organizada de fato e a imprensa é nula em dar uma simples notícia ou explicá-la, pois dependente das verbas públicas.
Posto isso, a conta é simples. De um lado estão os pagadores de pesados impostos entre eles os desempregados, falidos, endividados pela crise econômica e sanitária, os de salários achatados, ou corroídos pela inflação, quando não informalidade ou penando por um “bico” pelo pão na mesa.
De outro, está a máquina política e estatal, não só distribuindo esses mesmos pesados impostos vindos do sacrifício de uma ampla maioria para uma seleta minoria que não perdeu seus empregos, salários, benefícios e todos os penduricalhos em plena grave crise econômica e pandêmica. Pior: está se criando mais penduricalhos, sob hilárias justificativas, para no fundo e de verdade, aumentar os seus salários que sempre estiveram protegidos.
É o que está acontecendo outra vez na Câmara de Gaspar para parte de seus funcionários.
Depois do “Vale Marmita” para os vereadores e que por revolta da cidade eles próprios tiveram que enfiar de volta a proposta no saco, agora a mesma Mesa Diretora liderada pelo presidente Francisco Solano Anhaia, MDB, com Franciele Daiane Back, PSDB, Amauri Bornhausen, PDT e Cleverson Ferreira dos Santos, PP, está criando “gratificações” para compensar as responsabilidades dos funcionários da Casa, mas vejam só, as quais já são inerentes às suas próprias funções.
Isto gerou não uma indignação na cidade, como era de se esperar, do povo que vai bancar esta nova conta, que se controla internamente na Câmara e diz ter dinheiro para isso, mas não para fazer a sua própria sede. A indignação foi dos servidores da prefeitura.
E por quê? É que querem o mesmo tipo de penduricalho.
Pior. Isto na Câmara – como está desenhado no PL – a princípio, só beneficia uma casta de servidores. Por enquanto, para não gerar comoção, estas “gratificações”, não serão incorporadas ao vencimento normal, só quando exercidas.
O projeto nada fala sobre a acumulação entre as cinco novas “gratificações criadas”.
E ele deve ser aprovado, pois a ira dos eleitores e eleitoras é contra os políticos propriamente ditos. Nem tanto, contra os servidores, apesar da casta ganhar muito mais – e ter mais acesso a penduricalhos do que os demais – do que a média de mercado se comprado a qualquer trabalhador na mesma função
Antes de prosseguir, uma observação prudente e necessária: sobre a não imediata incorporação dessas “gratificações”, conhecendo-se a dinâmica do Serviço Público, logo se vai a Justiça, e ela normalmente concede, a incorporação desse penduricalho ao vencimento contra o bolso dos pagadores de pesados impostos. Quem quer apostar?
Olha só uma entre tantas justificativas para a criação de tais penduricalhos na Câmara de Gaspar, segundo o seu presidente Anhaia.
“…as gratificações faz-se necessária diante das alterações legislativas que se apresentaram nacionalmente, novas Instruções do Tribunal de Contas além de órgãos federais como INSS. Informações hoje via sistemas que se não prestadas em tempo e modo geram multas (pesadas) aos órgãos, seus dirigentes e aos servidores nomeados para desempenharem tais funções. As novas regras impostas legislativamente ditam os trabalhos a serem cumpridos, assim como as penalizações pelo não cumprimento ou pelo cumprimento com erros/equívocos“.
Explicando.
Você contrata um empregado na sua empresa e lhe dá uma função, com salário fixo. Mas, para ele trabalhar corretamente, num determinado dia, você dá uma “gratificação” para ele não errar no trabalho que devia – diante do mundo em movimento – se adaptar às mudanças das exigências, fazer com zelo, correção e produtividade.
Eu por exemplo, tinha diploma e trabalhava em máquina de escrever. Veio o teclado de um computador. Eu me adaptei. Ninguém pagou a mais para que eu usasse o computador. Era uma questão de sobrevivência. Darwinismo na veia…
Voltando.
Mais. Esta “gratificação” não impede, em tese, que o empregado erre, tenha mais zelo, se adapte, tenha mais responsabilidade e que você continue a ter prejuízos.
Na iniciativa privada, ao menos você pode demiti-lo. No serviço público, com concursados, mesmo errando, e contra a sociedade, ou seu chefe funcional ou político, como é o caso da Câmara de Gaspar, a demissão é algo muito difícil de acontecer, seja pela legislação protetiva, seja pelas implicações política e de poder.
Outra. Esta “gratificação” não cobre, de maneira alguma a multa que possa ser aplicada por eventual erro contra quem o fez, quem é o responsável pelo setor e a própria Câmara. Muito menos as penalizações que não são normalmente contra o funcionário, mas contra a Câmara – neste caso – como um todo, quando muito, ao seu presidente. E quem paga isso, não é exatamente o servidor, mas os impostos de todos.
A tal “gratificação” também não impede o erro. Muito menos a PL que está criando este penduricalho trata de alguma penalização a quem erra. Ou seja, só tem o benefício. Então, só justificativas marotas para acrescer salários sem contrapartidas.
O mundo do trabalho é dinâmico.
Ao mesmo tempo que se cria novos formulários – como se alega – para serem preenchidos, outros desaparecem. Ao mesmo tempo a tecnologia permite integrações que diminuem retrabalhos, novas inserções de dados etc. Então, só justificativas para inglês ver e criar um ambiente favorável depois do revés do “Vale Marmita”. Impressionante!
Veja o que está no Projeto de Lei
I – Quatro UFMs (Unidades Fiscais do Município) – R$610,00 – mensais para a participação do servidor como:
a) titular de comissão de avaliação de desempenho e estágio probatório; e
b) responsável pelo acompanhamento dos trabalhos pertinentes às demonstrações ambientais e aos documentos a estas relacionados, que fazem parte das obrigações dispostas na legislação previdenciária e trabalhista, relativos às condições ambientais de trabalho dos servidores;
II – Seis UFMs (Unidades Fiscais do Município) mensais – R$732,00 – ao servidor:
a) titular de comissão de contratação;
b) titular de comissão de concurso público e seleção de pessoal;
c) titular de comissão de avaliação de patrimônio;
d) titular de equipe de apoio nas licitações;
e) designado para o encaminhamento de dados do sistema e-SFINGE on-line, do Tribunal de Contas de Santa Catarina; e
f) designado para o encaminhamento de dados do sistema e-SOCIAL; e
g) designado para ouvidoria; e
III – Dez UFMs (Unidades Fiscais do Município) mensais – R$1.222,00 – ao servidor:
a) designado para exercer o controle interno da Câmara de Vereadores de Gaspar;
b) responsável pelas funções de tesouraria da Câmara;
c) titular de comissão de sindicância;
d) titular de comissão de processo disciplinar;
e) auxiliar nos trabalhos de comissão parlamentar de inquérito, de comissão processante ou de comissão especial;
f) designado como encarregado de tratamento de dados, conforme dispõe a Lei Geral de Proteção de Dados (Lei Federal º 13.709, de 14 agosto de 2018).
IV – quinze UFMs mensais – R$1.830,00 – para o servidor designado para exercer a função de agente de contratação e pregoeiro nas licitações na modalidade pregão.
§ 1º Nas hipóteses das alíneas “a” do inciso I; “a”, “b” “c”, do inciso II; “c”, “d”, “e” do inciso III, deste artigo, a GAE será devida durante os meses em que perdurar a atividade, independentemente dos dias trabalhados no serviço especial durante o mês.
§ 2º Os suplentes perceberão a GAE integralmente quando desempenharem a atividade especial, independentemente dos dias trabalhados no serviço especial durante o mês.
Art. 3º O servidor presidente de comissão perceberá um acréscimo de uma vírgula cinco UFMs (Unidades Fiscais do Município) mensais sobre os valores recebidos nos termos do artigo 2º desta Lei.
A UFM está em R$122,00 cada. Ela vai aumentar em torno de 10% a partir de primeiro de janeiro, quando esta Lei aprovada entrará em vigor. Acorda, Gaspar!