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A FARTURA E A FOME. MÃOS QUE DOAM NUNCA FICAM VAZIAS

Ação solidária na rodoviária de Brasília aos moradores de rua. Foto do Correio Braziliense

Neste Natal, quando recebi eletronicamente os desejos de que meu Natal e da minha família fosse feliz, na resposta, inclui duas observações: a prevalência do espírito cristão do Natal – a razão única dele ser comemorado – e de que a mesa farta da Ceia – outro ato espiritual partilhado por aqueles que estão em comunhão com Cristo – fosse o ponto de reflexão de que há fome e de que se repartisse o pão na lição do próprio Jesus quando já se despedia em vida.

Teve gente me questionou. Antes, porém, um esclarecimento.

Nunca fui exatamente pobre, mas sei – circunstancialmente – o que é perder os bens materiais, ser pobre e até passar fome. Também não faço da pobreza material, da fome e do despojamento, um discurso de vitimização, humilhação, politização ou distanciamento.

Minha família já passou por perrengues circunstanciais – como a queima da marcenaria do meu pai – e precisou da solidariedade que encontrou em vizinhos, igreja, parentes e amigos. Eu mesmo já perdi quase tudo que dispunha para uso material em 1983 quando da grande enchente no Vale do Itajaí e fui ajudado, até no mínimo básico e por gente desconhecida, para ter o primeiro abrigo, o primeiro pão, o primeiro chão para a minha recém formada família. Reergui.

Retomo.

Esclarecido isso, o “repartir o pão” que sugeri, o do senso do ágape, não é necessariamente um ato pessoal – e que não está excluído esta decisão personlíssima, pelo contrário. O repartir não pode ser apenas um espírito “salvador”, ou de expiação; tenho respeito e louvo tais iniciativas solidárias. Elas, entretanto, são poucas na quantidade, abrangência e duração, diante do abissal problema que nos apresenta.

Quando respondi às felicitações e ponderei aos amigos e conhecidos, todavia, referi-me, essencialmente, às nossas escolhas de futuro como comunidade e sociedade.

A inclusão é fruto de políticas sociais de estado feitas de forma coordenada, onde como membros da comunidade, devemos ou podemos complementá-las. E a inclusão, penso, deve ser um programa, uma política perene.

Por isso mesmo, não pode ser uma ação de um governo que deve aperfeiçoá-las até mesmo para que não se crie dependências, uso político e falsa propaganda. Reforço: então mesmo por isso, deve ser uma política de estado.

E para supostamente estruturar essa política de estado, os governos tomam de nós os pesados impostos para reparti-los com mais equanimidade e assim, supostamente, tornar a sociedade mais justa, igualitária e diminuir as distâncias entre os mais ricos e os mais pobres, ou circunstancialmente necessitados, incluindo neste arcabouço, o acesso à Educação, Saúde, empregabilidade via economia estável, segurança jurídica etc.

Quando fazemos escolhas nas eleições, estas premissas devem estar embutidas aos nossos representantes escolhidos pelo voto livre e direto.

Não pode, como o que vemos agora ou testemunhamos no passado, os escolhidos entrelaçados no roubo, dúvidas e privilégios, no Orçamento e emendas secretas, ou à má distribuição dos pesados impostos para poucos, os mais ricos e poderosos, em detrimento de uma maioria trabalhadora, sofredora, pobre e pior: sem voz e representação, desempregada, mas mesmo assim pagadora de pesados impostos.

Não se trata de direita, centro ou esquerda – a que se apropria melhor do tema pobreza e inclusão para se beneficiar eleitoralmente com ele.

Trata-se simplesmente da dignidade humana.

Não se trata de fé, mas antes de tudo respeito à vida. Não podemos ter uma massa tão expressiva de marginalizados. Além de um acinte, fica estabelecido um desequilíbrio e quem vai pagar esta conta é a minoria de privilegiados, ricos ou classe média.

Na ilusão, acha-se “protegida” pois ainda, a classe média, não enxergou que é ela a verdadeiramente exposta neste caldeirão de questionamentos sociais.

Repartir o pão, figurativamente, não significa você ser compelido por seu senso de piedade a dar esmolas a um semelhante devido a ausência do estado.

Significa, antes e apenas, pugnar pelo senso de justiça comum, que falta aos políticos que escolhemos pelo voto livre, e que agora – e no passado, mas possivelmente no futuro – usam o poder para o benefício a si e à mesma elite que está, ou se alterna no poder.

E essas elites – a antiga e a nova – fazem isso, sem pudor algum, prometendo resolver por nós esta chaga exposta, cada vez maior, não apenas em Gaspar, em Santa Catarina, mas principalmente no Brasil.

Ela sangra e parece incurável mesmo diante de tantas promessas vãs de cura. Até quando? A nossa mesa farta não pode ser motivo de comemoração entre poucos e muito menos, de inveja por quem dela foi excluída.

Não se trata de pobreza, a qual deveria ser apenas um acidente na vida das pessoas, como foi circunstancialmente na vida de muitos, mas de dignidade mínima. E esta dignidade não está apenas num suposto moralismo religioso, ou enunciado bíblico, sempre lembrados no Natal, e sim, pasmem, colocada pelos políticos, como nossos representantes, na própria Constituição brasileira.

Resumindo e concluindo: combater a pobreza é sim uma política e programas de estado. Aos homens e mulheres conscientes caberão mudar esta sina e desatino de ignorar esta premissa humanitária. E esta mudança deve começar pelas escolhas nas urnas.

EM GASPAR

Em Gaspar temos um prefeito que se identifica com uma denominação evangélica e se prepara para ser um representante dela na Assembleia. Ou seja, conhece – ou deveria – o senso do repartir o pão.

É de se perguntar: como este assunto foi tratado aqui tecnicamente, sem a luz de Cristo, porque à razão dos ensinamentos bíblicos, certamente este assunto já seria prioritário.

Não foi. Ao contrário. E já escrevi aqui várias vezes – e não é de hoje – sobre este desatino. É só olhar para a secretaria de “desassistência social”. Ela não liderou processos ativos seja de estado – sua missão – seja de governo – que é para retorno político do que está no poder de plantão – seja de liderança para que particulares fossem estimulados aos gestos de inclusão social e não apenas de esmolas para exibição em redes sociais.

Ao contrário, a secretaria foi mais um cabideiro de emprego político aos políticos de olho na permanência no poder e nas próximas eleições. Prioridade torta, desumana.

Assistiu pobres em condomínio popular fazerem sopão à crianças com as doações que mal conseguiram. Neste Natal, mais que em outros, faltou aos políticos além da solidariedade, uma política de governo para repartir o pão. Acorda, Gaspar!

PS: Um leitor atento, telefona-me. Diz que este retrato pode ser visto na praça Egon Bohn, na Coloninha, onde sem teto e andarilhos fizeram dela, seu abrigo entre árvores, que não são exatamente as de Natal. E que devido à falta da Casa de Passagem, a poucos metros dali, já na Figueira, uma instalação industrial de massa falida, teve a porta arrombada para servir de teto a desalentados e até, drogados.

E depois sou eu quem exagero. Os fatos estão à vista de todos…

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